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Política
31/7/2025 17:00
Napoleão Bonaparte teria dito que o poder é uma montanha alta e íngreme, cujo topo só é alcançado por dois tipos de animais: ou pelo réptil, arrastando-se rente à sujeira do chão, ou pelo vôo da águia, planando incólume, livre, até pousar no cume. Talvez o que ele realmente quisesse dizer é que as duas habilidades são necessárias àquele que deseje inscrever o nome na História: jogar o jogo pequeno na poeira do dia-a-dia, mesquinho, venal e cansativo, e, ao mesmo tempo, saber voar no imponderável das grandes possibilidades, que só a política oferece, sem se perder.
Das duas habilidades, nenhuma tem demonstrado Eduardo Bolsonaro em sua recente cruzada: sem base social decisiva dentro ou fora das estruturas de poder brasileiras, tenta dinamitar a montanha do "sistema" com mísseis estrangeiros, apostando em implodir sua altura e dureza até aplainá-la para a volta triunfal de sua família.
Ignora o deputado o fenômeno, conhecido da ciência política, da "resiliência autoritária": raramente regimes autoritários caem por ataques ou pressões externas, por mais fraquezas que acumulem; agressões externas, via de regra, fortalecem-nos internamente. Há algumas semanas, ingênuos caíram em erro análogo esperando que os mísseis - esses, literais - dos EUA contra o Irã desmantelariam o regime dos aiatolás: o regime está hoje mais fechado, longe de cair. A presente juristocracia brasileira, já bem consolidada, somente será superada por uma mobilização gradual dentro e fora das estruturas de poder nacionais, envolvendo uma heterogeneidade de grupos de dissidentes, sem precipitações ou apelos desesperados.
A 14 meses da eleição, o cansaço com a polarização Lula-Bolsonaro reflete o fim geracional da turbulência que vem desde 2013: a ideia de que manifestações de rua "contra o sistema" seriam fonte direta de poder, pela direita, ou a crença de que um pai (ou mãe) dos pobres seria eternamente popular distribuindo "bondades", pela esquerda, ambas as convicções não mostram mais efetividade. Desde o começo da crise do PT, a única constante foi o crescimento, fortalecimento do centrão, do poder dos donos de partido, e, agora, chega o momento em que esse poder concentrado está às portas de tomar a presidência diretamente, superando a polarização, as ruas e o barulho ilusório das redes sociais.
Gilberto Kassab, dono do partido com 887 prefeituras, vê três opções na mesa e estou convencido de que ele elege qualquer uma: Ratinho Jr, Eduardo Leite ou Tarcísio. Há meses o governador de São Paulo é tietado como favoritíssimo pela imprensa e o mercado, porém tudo fica incerto se lembramos que não há Tarcísio sem Bolsonaro, o próprio governador quer que seja assim, e a prisão (ou autoexílio) do ex-presidente, agora em monitoramento 24 horas, parecem mesmo ser questão de meses. Imaginemos, então, como Bolsonaro influiria no jogo eleitoral desde a Papuda (ou Miami) e certamente sua prioridade será um habeas-corpus - muito improvável antes da eleição - ou indulto de um presidente amigo.
Mais que nas estratégias racionais, pensemos na dinâmica de autocomiseração e autoexposição da vulnerabilidade do ex-presidente: Bolsonaro não se mostra afeito a sofrer calado, lobo ferido na toca - como fez Lula na cela fria em Curitiba -, robustecendo ira e energia para a volta-por-cima vingativa, mas Jair sente a necessidade de vir logo a público, expor as entranhas das feridas, sofrer abraçado a seus fiéis condoídos. Jair, arrastado pela fome de protagonismo de sua família, não vai se conformar em apenas manobrar pelos bastidores para que o eleito em 2026 dê-lhe o indulto: o ex-presidente quererá forçar o compromisso em público, sem entrelinhas, e a forma mais incisiva de fazê-lo seria constranger Tarcísio a acatar como vice um sobrenome Bolsonaro. E é claro que estamos falando de Eduardo ou, mais factivelmente, Michelle Bolsonaro.
Tarcísio aceitará concorrer com um vice Bolsonaro? Eu duvido. Mais ainda duvido que Kassab queira embarcar nessa companhia: a quem interessa aproximar ainda mais uma Michelle da presidência senão, apenas, à família Bolsonaro? Aliás, a primeiríssima função do vice é não atrapalhar o presidente, não aparecer demais e jamais ofuscá-lo: Michelle ou Eduardo Bolsonaro têm esse perfil? Entre alçar alguém imprevisível à vice-presidência e ter um presidente todo seu, a escolha de Kassab parece-me natural.
Sobram Eduardo Leite e Ratinho Jr. Pela afinidade com o bolsonarismo, perfil mais conciliador e alta popularidade no Paraná, apostaria em Ratinho Jr como o mais presidenciável, mesmo no cenário em que Tarcísio também concorra, mas sem apoio de Kassab. Ratinho Jr tem mais facilidade de se conectar com o povo simples do que Eduardo Leite, além de estar engajado na única verdadeira pauta hoje do bolsonarismo, a anistia, ao passo que é improbabilíssimo que Eduardo Leite faça qualquer aceno de que daria indulto ao ex-presidente.
Acredito que muitos apoiadores de Tarcísio na mídia e na centro-direita migrarão rapidamente suas preferências quando Bolsonaro for, afinal, detido. Depois que chamou seus fiéis de "malucos" enquanto sorria e afagava Alexandre de Moraes, não é de se esperar que sua prisão reviva a base verde-e-amarela. Não haverá grandes comoções, grandes acampamentos, fechamento de estradas ou trancamento da pauta no Congresso. Será um crepúsculo, adiado e inevitável, entre gritos impotentes de seus fiéis mais fiéis.
Sem Bolsonaro, Lula não terá o "golpista fascista" para chamar de seu. Suas falas abstrusas, falta de resultados, a longa sombra de corrupção e desconfiança, a perda de interesse em andar no meio do povo, o peculiar protagonismo da primeira-dama escarvam as bases da popularidade do petista. Lula virou um político encastelado em palácios, no ar-condicionado, em Brasília ou no estrangeiro. É o crepúsculo, talvez até mais melancólico, do outro sol da política brasileira.
A provável imposição de tarifas e sanções contra o Brasil não será capaz de reviver a polarização. Lula e a família Bolsonaro, cada um a seu modo, trouxeram-nos esse fardo e não têm credibilidade para liderarem qualquer resolução. No plano político, o mais prejudicado será Tarcísio, queimando-o dentro e fora do campo bolsonarista - o antagonismo com Eduardo Bolsonaro custará a candidatura presidencial ao governador. Trump quer tanto salvar Bolsonaro quanto queria, há poucos meses, anexar o Panamá, Canadá e Groenlândia. Deveria ser desnecessário dizê-lo, pois é notório: Trump, amigo de ninguém, negociador lábil, criativo e obcecado pelo próprio sucesso medido nos índices da Bolsa de Nova York, não é um "militante conservador judaico-cristão" disposto a sacrifícios reais para salvar aliados do terceiro mundo. Na mesa de negociação cabem todos os tipos de cartas, incluindo as causas abstratas e ideológicas, mas, "no fim do dia", o objetivo é só um: mais dinheiro entrando, menos dinheiro saindo.
Parece irreal que Trump mantenha a máxima pressão até que Bolsonaro seja, de alguma forma, reabilitado a concorrer em 2026. Mesmo nessa hipótese extrema, improbabilíssima, tal cenário só arruinaria ainda mais Jair, Tarcísio e Lula, favorecendo nomes mais "moderados" e "razoáveis", como Ratinho Jr.
Na noite de lideranças populares em que já vivemos, um Ratinho Jr, Leite ou Tarcísio não conquistará jamais os corações dos mais de 25% de eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro em 2022. No entanto, apenas políticos cobiçam ser amados - para os donos do tabuleiro, para Kassab, para Valdemar, basta que seu candidato seja o mais votado e sirva aos arranjos de cúpula costurados. Voltamos à política de gabinetes, corredores e bastidores - política muito mais de répteis do que para águias -- e sinto que passará o tempo de uma geração de decepcionados com o bolsolulismo até que novas lideranças populares alcancem êxito em nosso país. Ou, talvez, se o trumpismo se mantiver forte nos EUA, quando Nikolas completar 35 anos algo da chama populista de 2018 pode reacender com a perspectiva, há décadas esperada, de um terrivelmente evangélico na presidência, um jovem Davi sucedendo ao esgotado Saul bolsonarista.
O fator de fundo mais notável em tudo isso é a incapacidade espantosa da esquerda de produzir novas lideranças. O projeto de tornar Erika Hilton a Ocasio-Cortez mineira parece já estar a passos largos para o fim. Boulos, Janones, Tabata, então, nem se fala! Ainda que Trump bombardeie o país por causa do BRICS e do STF, nem os estrondos reuniriam o povo de volta em torno de uma esquerda governista que já se afastou por demais das raízes.
Enquanto isso, à direita, surge um novo partido tão antipetista quanto antibolsonarista, antijuristocracia e desalinhado ao orbán-trumpismo, o partido Missão do MBL, que despontará nos debates de 2026 precisamente no momento em que a polarização Lula-Bolsonaro vem sendo superada por uma - discreta, mas irreversível -- desbolsonarização da direita e a exaustão da esquerda abraçada ao lulo-identidarismo. Um debate entre Ciro Gomes, Aldo Rebelo e o candidato do Missão, no horário nobre da Rede Globo, em 2026, seria um sopro de novas perspectivas na superficialidade e repetição que massacram tais debates há décadas.
A verdadeira polarização, aliás, não é entre dois homens, mas entre o estamento jurídico-midiático, por um lado, a cada dia mais rígido e determinado, e os vastos bolsões conservadores sem sólidas lideranças ou direção, por outro. A surpreendente conversão da esquerda institucional em partido do judiciário enfraqueceu muito seu poder de mobilização e até de eleger seus candidatos. A facilidade com que Kassabs, Valdemares e outros tiram da cartola e elegem "patriotas conservadores" garante um fluxo incessante de novos Nikolas, delegado X, sargento Y, pastor Z, bombeiro W etc. A República do Judiciário exacerba a demanda, subterrânea até 2018, por lideranças populistas à direita e tem sido -- e continuará sendo -- imenso prazer para os donos de partido suprir a essa demanda de milhões que vale bilhões.
Abraham Weintraub certa vez definiu o bolsonarismo como um esquema de pirâmide: uma meia-dúzia de dirigentes partidários vivem como magnatas às custas de um eterno "combate ao comunismo" que jamais chega a resultados decisivos, apesar dos milhares de políticos eleitos em todo o país pelas siglas desse campo. A falta de consistência individual, de efetiva formação política, e a constante prioridade dada à defender os interesses da família Bolsonaro esterilizam toda tentativa de articulação em prol de conquistas conservadoras reais. Nem sequer conseguiram formar um partido.
Enquanto não chegar ao Poder Executivo um projeto de nova hegemonia que desconstrua o judiciário como - autoconstituído -- Poder Moderador, Brasília continuará esse picadeiro colorido onde representantes eleitos gritam para distrair e aborrecer o público, enquanto as decisões com efeito real fazem-se em um outro ambiente. É na penumbra de gabinetes e jantares reservados, em Brasília ou em Lisboa, onde juízes constrangem políticos sujos e enrolados e onde fazem valer um regime que se vê como legalista e progressista, mas não se encontra prescrito na Constituição e, como autodefesa de privilégios e poderes excepcionais, já vigora no Brasil há mais de 500 anos.
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