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Economia e futuro

Brasil e o trabalho plataformizado: para onde olhar?

Regulação do trabalho por aplicativos exige equilíbrio e autonomia.

Debora Gershon

Debora Gershon

22/9/2025 9:00

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O debate sobre a regulamentação do trabalho via plataformas digitais se reaqueceu no Legislativo brasileiro. Com a implementação, em agosto deste ano, da Comissão Especial de trabalho intermediado por aplicativos no Congresso Nacional, o Brasil ganha uma nova oportunidade de avançar em um assunto de suma importância. A Comissão tende a olhar para dentro de casa, mas também a se pautar pela análise de casos internacionais em que a regulamentação deste tipo de trabalho já se estabeleceu. Com a alta complexidade do setor, é preciso se inspirar nas experiências de outros países, mas, fundamentalmente, trazer para o debate as diversas realidades de todos os personagens que compõem, neste caso, o sistema de delivery.

O trabalho em aplicativos se consolidou como importante fonte de renda. Segundo dados recentes do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entre 2022 e 2024, o número de entregadores ativos nas plataformas cresceu 18%, enquanto o de motoristas no transporte de passageiros aumentou 35%. Atualmente, cerca de 455 mil brasileiros atuam como entregadores e 1,7 milhão como motoristas em aplicativos, segundo a mesma pesquisa.

O perfil do trabalho via apps no país tem especificidades que merecem atenção, em função do contexto socioeconômico local, do nível de engajamento na ocupação, das preferências dos trabalhadores e da dinâmica do mercado local, além de outras variáveis. A vantagem da análise de casos estrangeiros é que, passado o tempo, tendências e consequências regulatórias importantes já podem ser observadas ao redor do mundo. Um relatório da consultoria 6Pages trouxe um retrato de legislações que visam garantir direitos, mas resultam em prejuízo ao ecossistema do delivery e, por decorrência, ao próprio entregador.

Um exemplo é a Espanha. A aprovação da Ley Rider, em 2021, trouxe um impacto negativo sobre o setor de delivery espanhol ao presumir vínculo empregatício entre as empresas intermediadoras e os entregadores. Os impactos negativos, concluiu a 6 Pages, se estendem a todo o mercado e sobre os próprios trabalhadores: pelo menos seis empresas de delivery deixaram o país, incluindo Just Eat e Deliveroo, concentrando o mercado em apenas dois players, Glovo e Uber Eats. O mercado restrito, como aponta a consultoria, resultou na piora das condições de trabalho, com jornadas mais longas e em períodos menos lucrativos, ganhos menores e perda de autonomia. Como decorrência da Ley Rider, apenas 5 mil dos 30 mil trabalhadores do delivery espanhol estavam empregados por uma plataforma em dezembro de 2023.

Comissão especial debate regulamentação dos trabalhadores por aplicativo.

Comissão especial debate regulamentação dos trabalhadores por aplicativo.Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Enquanto a principal preocupação da legislação espanhola era garantir a presunção de vínculo, legisladores americanos direcionaram esforços para garantir o aumento do ganho mínimo do entregador, uma pauta global. No entanto, casos como Nova York e Seattle revelam que aumentos desproporcionais na remuneração, sem considerar a realidade do mercado, também podem desestabilizar o setor. A consultoria demonstrou que em Nova York o ganho foi afetado e o trabalho deixou de ser atrativo: as gorjetas caíram 72% e o número de contas ativas de entregadores diminuiu em 21%. Em Seattle, a legislação resultou em um aumento de taxas de até 60%, o que elevou os custos do consumidor em até 93% e causou uma redução de até 68% no número de entregas, levando a cidade a buscar rever suas regras.

No Chile, a Lei nº 21.431 distingue trabalhadores de plataformas como 'dependentes' ou 'independentes', oferecendo contratos de trabalho e direitos, além de exigir transparência nos algoritmos das plataformas quanto à distribuição de pedidos e remuneração. A legislação também estabeleceu que as plataformas devem remunerar os trabalhadores de acordo com o salário mínimo, somando 20% de compensação pela disponibilidade do entregador.

Trabalhadores independentes também têm direito à previdência, com contribuições próprias e retenção pelas plataformas. Ainda assim, de acordo com a 6Pages, 60% seguem sem recolher suas contribuições. Algumas empresas menores deixaram o país devido aos desafios de conformidade com a Lei, mas o mercado segue em crescimento. Para os trabalhadores, a autonomia foi o maior diferencial: mesmo com a oferta de um contrato de trabalho distinto, quase 80% optaram por seguir como "independentes".

Todas as legislações têm consequências e é preciso antecipá-las com atenção aos contextos locais. Frequentemente, as consequências não intencionais custam caro para o próprio trabalhador. Não há uma fórmula que possa ser integralmente adotada no Brasil sem que haja uma adaptação às características do trabalho por aplicativo e à estrutura do mercado de trabalho nacional, mas existem lições no debate internacional que merecem atenção: é preciso definir o propósito da regulação, uma vez que isso tende a diminuir os seus efeitos perversos e indesejados; é preciso ter visão de ecossistema para garantir proteção social e sustentabilidade aos estabelecimentos comerciais; e garantir autonomia irrestrita aos trabalhadores, a despeito dos desafios implicados na superação do binômio "trabalho autônomo desprotegido x emprego com proteção", ainda presente em boa parte dos países que experimentam novas formas de ocupação.

Com a criação da Comissão Especial, o Congresso tem a possibilidade de fazer história, olhando para fora, mas, fundamentalmente, para dentro. O Brasil mudou. É importante que a legislação sobre o tema retrate essas mudanças e suas inovações, garantindo que elas tenham impacto positivo e responsável na sociedade brasileira. Este é um passo fundamental para o país, para milhões de trabalhadores e, no caso do delivery, para milhares de empreendedores que geram renda por meio das plataformas digitais.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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