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Mercado financeiro
12/11/2025 12:30
Resolução 520 do Banco Central, publicada nesta segunda-feira (10/11), acerta ao trazer para o universo dos criptoativos regras que o mercado financeiro tradicional já considera básicas: segregação patrimonial, governança, transparência e trilhas de auditoria. Traduzindo: a empresa não pode misturar dinheiro próprio com o do cliente. Ela deve explicar, com clareza, quais serviços presta e como guarda os ativos. E também precisa justificar por que lista (ou deslista) um ativo - também chamado de "token", no universo cripto. Esse é o passo que faltava para separar players sérios de aventureiros e golpistas.
Por outro lado, o BC apertou demais algumas exigências e elevou valores e requisitos. Isso cria a tendência de eliminar os pequenos players de um mercado em que uma das principais vantagens é a democratização. Serão mais prejudicados, em especial, os atores que atuam em P2P (negociação direta entre pessoas, sem intermediação de corretora) e OTC (a "mesa de balcão", que faz operações privadas, geralmente de maior porte, mas fora do livro público de ordens).
Há avanços inegáveis. A nova resolução reduz o "calote por confusão de bolsos" por meio da vedação do uso de ativos de clientes em operações próprias e da segregação entre o que está on-chain (que fica registrado na própria blockchain, auditável em tempo real) e o que está off-chain (o que ocorre fora da blockchain, como controles internos e saldos mantidos em custodiantes). As stablecoins passam a exigir prova de lastro, demonstrações auditadas e limites para ativos de reserva, cortando atalhos de emissões opacas. Regras para provedores de liquidez e formadores de mercado coíbem vantagens informacionais e vedam a contraparte "da casa". No front do consumidor, a linguagem sobre seguros, limites de saque e prazos de resgate fica clara - fim do "asterisco escondido".
Os desafios, porém, são reais. Implementar a "Travel Rule" - jargão para a obrigação de enviar dados mínimos do remetente e do destinatário junto com a transação - depende de interoperabilidade técnica e acordos com players estrangeiros. O cronograma em duas etapas culmina na obrigatoriedade plena em 02/02/2028, com guarda de registros por cinco anos; sem padrão comum, custo e atrito com a LGPD sobem. Staking ganha regras de disclosure sobre risco técnico e volatilidade no resgate, o que pressiona promessas de "rendimento fácil". Em crédito, conta-margem com garantia mínima de 200% reduz alavancagem sem matar o produto.
Há ainda um fator estrutural: o setor de cripto é "DeFi", são finanças descentralizadas por desenho, com operações que podem mudar de país com um clique. Isso cria a "arbitragem regulatória". Se o Brasil ficar só no eixo do controle, players móveis migrarão para jurisdições mais leves e seguirão atendendo clientes globais. O efeito provável aqui dentro é consolidação - menos casas ativas, foco nos maiores - e fuga da inovação de cauda longa (projetos experimentais e nichados). PSAVs - prestadoras de serviços de ativos virtuais, como exchanges, custodiante e intermediadoras -, quando bem capitalizadas e reguladas, tendem a ocupar esse espaço. Para o investidor, há ganho de rastreabilidade, padrões mínimos e continuidade; no curto prazo, o custo sobe e a variedade cai.
O que falta ao país é, sobretudo, uma lei. "Infralegal" significa norma de regulador (BC, CVM) que organiza a execução, mas não substitui o marco legal que define competências, categorias de ativos, obrigações de emissores (ex.: stablecoins), regras de tokenização, tratamento de insolvência/custódia e coordenação entre BC, CVM, Susep e Cade. Há projetos de marco regulatório mais completos tramitando, mas estão parados; sem lei, a regulação fica fragmentada e sujeita a interpretações cambiantes. O BC entregou o pilar prudencial. Cabe ao Congresso dar previsibilidade jurídica e competitividade ao setor.
Agora, cabe às empresas que atuam no Brasil tomar quatro providências: 1) Mapear atividades e atualizar contratos/website para refletir o que é regulado e o que não é; 2) Formalizar a política de segregação (dinheiro e cripto do cliente separados do patrimônio da empresa), revisar custódia e tecnologia com planos de continuidade e acesso do BC; publicar critérios objetivos de listagem/deslistagem e regras claras de staking (riscos, prazos, quem é a contraparte); 3) Preparar a trilha da Travel Rule: definir campos de dados mínimos, fluxos de envio/recebimento, testes com contrapartes no Brasil (Etapa I) e plano de integração internacional (Etapa II), além de retenção por cinco anos; e 4) Reforçar segurança cibernética e treinamento, e contratar verificação independente bienal para conflitos em intermediação e custódia. Ou seja: as empresas devem se profissionalizar já, ou então se prepararem para sair do caminho.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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