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Direitos das crianças
5/12/2025 14:00
A CCJ da Câmara aprovou a revogação da Lei de Alienação Parental e agora o projeto deve seguir para o Senado, salvo se houver recurso ao Plenário. O país está diante de uma encruzilhada grave. A pergunta não é apenas se a lei deve continuar existindo; a pergunta real é se estamos preparados para enfrentar a complexidade das disputas familiares ou se vamos, mais uma vez, escolher a saída preguiçosa do apagamento. Revogar a lei porque ela tem sido aplicada de maneira distorcida é como quebrar o termômetro para acabar com a febre: um gesto que cria a ilusão de solução e, ao mesmo tempo, destrói a única ferramenta capaz de medir o problema.
É evidente que há mães sendo injustamente acusadas de alienação parental ao denunciarem violência doméstica. Essa realidade é inegável e revoltante. Mas transformar esse problema em justificativa para derrubar a lei inteira é um salto retórico perigoso, porque troca uma crítica legítima por um vazio institucional. Não é a lei que silencia mulheres; é o sistema de justiça que insiste em operar com misoginia, cegueira de gênero e incapacidade de compreender dinâmicas de violência. A revogação não elimina isso. Aliás, tende a agravá-lo.
A lei surgiu para nomear práticas devastadoras: manipulação afetiva, chantagem emocional, sabotagem da convivência familiar, utilização da criança como arma de punição contra o outro genitor. Nada disso desaparece quando o texto legal é rasgado. Ao contrário: perde-se o enquadramento jurídico que permite responsabilizar quem age com intenção deliberada de destruir vínculos. Quem celebra a revogação como vitória do feminismo corre o risco de não perceber que o que desaparece não é a alienação parental; é a capacidade de combatê-la.
O Judiciário tem falhado. Tem confundido denúncia legítima com manipulação, tem acolhido teses falsas de alienação para punir mães que ousam romper o ciclo da violência, tem desconsiderado a palavra de mulheres e tem dado voz a estratégias de agressão judicial travestidas de disputa familiar. Mas nada disso se resolve eliminando a lei. O problema não está no texto; está nas lentes de quem o interpreta. E é um erro histórico responder a interpretações machistas com a destruição do marco jurídico. Quando a lei vai embora, quem fica mais vulnerável é sempre a criança.
Também é preciso coragem para admitir um fato incômodo no debate: a falsa denúncia usada como arma é uma forma de violência psicológica contra a criança, e a lei é um dos poucos instrumentos que nomeiam essa prática. Revogá-la significa desproteger completamente as famílias que enfrentam esse tipo de abuso. Significa premiar quem instrumentaliza o sistema judicial, quem usa litígios como forma de vingança e quem transforma filhos em escudos. A eliminação da lei, nesse cenário, não corrige injustiças; apenas desloca o eixo da violência.
A discussão que se instalou no país não é técnica; é emocional. A expressão alienação parental virou gatilho social, virou rótulo, virou arma e virou medo. Mas política pública não pode ser feita a partir de gatilhos, e sim de garantias. Se o Estado reconhece que o sistema de Justiça tem aplicado mal a lei, a resposta deveria ser formar, corrigir, especializar, fiscalizar e responsabilizar. O que não podemos é jogar o problema para debaixo do tapete e entregar o destino das crianças aos improvisos de cada comarca.
Se o Senado confirmar a revogação, estaremos institucionalizando o seguinte recado: como não soubemos aplicar a lei, preferimos eliminá-la. Como não enfrentamos o machismo estrutural do sistema de justiça, preferimos apagar o texto que nos obriga a olhar para a violência psicológica intrafamiliar. Como não protegemos adequadamente as mulheres que denunciam, preferimos retirar das crianças o único nome jurídico que descreve a manipulação emocional a que muitas são submetidas. Nada poderia ser mais perigoso.
O país precisa de coragem institucional, não de atalhos legislativos. Precisamos de formação séria, de equipes interdisciplinares fortalecidas, de decisões sensíveis à perspectiva de gênero e de uma Justiça que compreenda a complexidade das relações familiares contemporâneas. Revogar a Alienação Parental não é avanço: é desistência. E desistir das crianças nunca pode ser uma opção.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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