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Constitucionalismo

Constitucionalismo abusivo, revisão judicial abusiva ou o nascimento de outra realidade?

Decisões recentes indicam concentração de poder e erosão dos freios republicanos.

Luiz Alochio

Luiz Alochio

19/12/2025 9:00

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Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado uma crise institucional crescente — não provocada apenas pelos ocupantes dos Poderes Executivo e Legislativo, mas, também pela centralização de poder nas mãos do Judiciário, particularmente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Embora a confiança pública no Poder Judiciário tenha aumentado durante esforços anticorrupção, o atual ativismo judicial parece ir muito além dos limites constitucionais.

Em vez de o Judiciário atuar como guardião neutro da lei, os tribunais referidos, repetidamente se posicionaram como atores políticos. O STF vem intervindo em nomeações do Executivo, aberto inquéritos criminais sem base legal clara (inquérito das fake news) e censurado vozes dissidentes, incluindo jornalistas e autoridades eleitas. O TSE, sob o pretexto de proteger a democracia, tem restringido cada vez mais a liberdade de expressão eleitoral, desqualificado candidatos e imposto sanções com base em padrões vagos.

Recentemente, uma decisão monocrática de um ministro reescreve a Lei de Impeachment, ou Lei de Crimes de Responsabilidade. Limita os pedidos de impeachment judicial ao PGR e, inclusive, altera o quórum legalmente fixado de maioria simples para maioria de 2/3 para o recebimento da denúncia. Alegou o ministro Gilmar Mendes que estaria combatendo um constitucionalismo abusivo. É sempre bom visitar conceitos sociológicos, com extrema cautela. Digo sociológicos, pois, como conceito, ainda que parta de juristas, como David Landau e Rosalind Dixon, veremos a influência muito mais da sociologia do que do Direito propriamente dito. Não tratarei aqui do texto específico sobre o "Abusive Constitutionalism", mas de outro artigo posterior.

No artigo "Abusive Judicial Review: Courts Against Democracy", os autores descrevem como os tribunais também podem operar como elementos de erosão da democracia. Mas, mesmo quando os autores alertam para a revisão judicial abusiva, fazem-no com muitas cautelas, e nunca colocando o próprio Judiciário como a fonte primária das violações contra a democracia e seus valores. Alertam — vejamos a cautela dos autores — que, em todo o mundo, os tribunais são geralmente concebidos como a última linha de defesa da ordem constitucional democrática liberal. Uma verdadeira pré-concepção de um purismo dos julgadores. Em seguida, seguem com a advertência de que não é incomum que juízes emitam decisões que atacam intencionalmente o cerne da democracia eleitoral, mas o fazem, por exemplo, legitimando leis e práticas antidemocráticas, proibindo partidos de oposição para restringir a esfera eleitoral, eliminando limites de mandato presidencial e reprimindo legislaturas controladas pela oposição. A isso chamaram de revisão judicial abusiva.

Isto ocorreria, pois os "potenciais autoritários" [would-be authoritarians] buscam "capturar os tribunais e utilizá-los de forma abusiva como parte de um projeto mais amplo de erosão democrática, porque os tribunais desfrutam frequentemente de vantagens de legitimidade que tornam suas ações antidemocráticas mais difíceis de detectar e combater, tanto nacional quanto internacionalmente". Os tribunais só seriam "capturados", e não agiriam autoritariamente por contra própria? Landau/Dixon, é preciso reiterar, quando tangenciam aquilo que denominaram como "revisão judicial abusiva" (abusive judicial review), o fazem sem reconhecer a proeminência judicial na erosão democrática.

O avanço do STF e do TSE sobre decisões políticas reacende o alerta sobre limites constitucionais, freios e contrapesos e responsabilização de autoridades não eleitas.

O avanço do STF e do TSE sobre decisões políticas reacende o alerta sobre limites constitucionais, freios e contrapesos e responsabilização de autoridades não eleitas.Freepik

Por isso, opto por trocar a nomenclatura agora. Não mais falar em revisão judicial abusiva, posto que vinculada a uma ideia de captura da jurisdição por um outro poder, que este sim, seria o "potencial autoritário" [would-be authoritarian]. Passo a investigar outra hipótese, especialmente perigosa em países como o Brasil, onde o ingresso na magistratura ocorre sem um processo de seleção que envolva voto popular, que não possui procedimentos de retenção de cargo por voto popular ou de outros Poderes, e está encastelado em tantas prerrogativas que os demais poderes sequer conseguem deflagrar processo legislativo sobre os temas da carreira judiciária (a invenção da iniciativa privativa e exclusiva das próprias leis).

Em casos tais temos uma revisão judicial abusiva? Ou já temos outra coisa? Parece que já não é mais o judiciário apenas legitimando abusos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, pretensamente autocratas. Mas, eis a pergunta a ser respondida: seria o próprio Judiciário tornando-se o agente central de práticas assemelhadas às autoritárias?

Durante muitos anos a linguagem foi capturada. Mas, como já advertia Austin: com as palavras podemos fazer coisas, não todas as coisas, mas, tão-somente as coisas que no limite que aquelas palavras devem permitir. O resto é malabarismo semântico. Como explicava Umberto Eco: ainda que as interpretações sejam livres, nem todas não necessariamente boas, algumas são até mesmo "paranoicas". Por isso, cautela quando alguém disser que os tribunais brasileiros são baluartes de uma democracia militante.

O que Karl Loewenstein chamou de democracia militante está agora sendo usado para justificar exatamente a erosão das liberdades democráticas que deveria proteger. Esse padrão, antes excepcional, tornou-se frequente e normalizado. Agora qualquer dissidência é equiparada ao extremismo; a crítica ao Judiciário é tratada como uma ameaça à democracia; uma piada é crime. Ao final e ao cabo, a democracia militante, o sonho Loewensteiniano, era algo messiânico. Confiando demais nas boas intenções de alguém, aqui descobrimos até a "censura temporária" para calar "milhões de pequenos tiranos".

No caso do Brasil, desloca-se a confiança de pessoas eleitas para profissionais não eleitos. É sempre bom lembrar: um agente eleito, nós, o povo, podemos retirar ou "demitir" a cada 4 anos, com novas eleições. Os agentes não eleitos viram facilmente tiranetes diante de seu maior grau de perpetuidade. Para isso, o impeachment! A única arma contra o comportamento "monárquico", centralizador de poder, em mãos de quem se autoconcedeu benefícios e competências, é o impedimento.

Para Mary L. Volcansek, pesquisadora do Poder Judiciário, o que distingue os judiciários em democracias daqueles em regimes autoritários é o grau de responsabilização. Sem mecanismos efetivos de controle — desde a nomeação até a remoção —, mesmo tribunais bem-intencionados podem se tornar obstáculos à governança democrática. No Brasil, o CNJ se demonstrou inócuo neste sentido.

Já não se trata de esquerda ou direita. Trata-se de preservar os valores centrais de uma República: o estado de direito, a legitimidade eleitoral e a primazia da vontade popular. Categoricamente, nada do que vemos - não só hoje, mas, há vários anos - se justifica no Brasil. O Brasil é uma república democrática: e não se tem uma república com tamanhos poderes nas mãos de agentes não eleitos. Logicamente não podemos ser inocentes: é preciso ainda trazer uma pergunta. Isso tudo ocorreria sem a certeza absoluta do apoio — velado ou explícito — do aparato de força da república?

Neste estado de coisas, parafraseando uma frase de Benjamin Franklin: Nós estamos mantendo uma República — ou construindo uma nova monarquia, pela via judicial?


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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