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Violência de gênero
5/8/2025 12:00
O mês de agosto chegou, e com ele mais uma edição do chamado Agosto Lilás - a campanha nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres, criada para lembrar a promulgação da Lei Maria da Penha. Mas, antes mesmo das redes se tingirem de lilás, o Brasil já havia nos dado uma cena difícil de esquecer: uma mulher foi espancada com mais de 60 socos dentro de um elevador, por seu companheiro. O vídeo foi registrado por câmeras de segurança e circulou amplamente. Por sorte, o entorno se sensibilizou, reconheceu a violência, agiu rápido, acionou os canais de denúncia e a vítima sobreviveu, mas sim: passamos muito perto de perder mais uma de nós.
O caso virou símbolo não por ser exceção, mas justamente por ser mais um dentro de um padrão que se repete há anos. O Brasil tem uma lei respeitada em todo o mundo: a Maria da Penha tipifica várias formas de violência de gênero, física, psicológica, moral, patrimonial e prevê medidas protetivas céleres. O feminicídio foi incorporado ao Código Penal em 2015 e recentemente a criminalização da violência psicológica e do uso de inteligência artificial para ofender e expor mulheres reforçou esse arcabouço. Essa robustez legal faz do Brasil uma referência internacional, no papel.
Segundo os dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os feminicídios aumentam ano após ano. Em 2022, foram registrados 1.451 casos. Em 2023, esse número subiu para 1.467. E, agora em 2024, atingimos o maior patamar da série histórica: 1.492 mulheres assassinadas por serem mulheres - quatro por dia, em média. Nos casos de estupro e estupro de vulnerável, a tendência também é crescente: 83.988 casos em 2023 e 87.545 em 2024, o que equivale a uma mulher violentada sexualmente a cada seis minutos no país. Há ainda uma alta expressiva nos registros de stalking (95 mil casos) e de ameaças e violências psicológicas, que continuam subnotificadas, mas claramente em ascensão.
A violência contra mulheres segue sendo o crime mais previsível do Brasil e, ainda assim, o mais negligenciado. Faltam delegacias da mulher 24 horas, apenas cerca de 18 a 20% das unidades especializadas têm atendimento ininterrupto, como determina a lei sancionada em 2023. Faltam abrigos acolhedores, equipes psicossociais, defensoras e advogadas especializadas. Falta monitoramento efetivo dos agressores: apesar da lei permitir dispositivos como tornozeleiras eletrônicas, na prática, sua utilização ainda é tímida e restrita.
No Congresso Nacional, algumas iniciativas foram aprovadas recentemente, como a lei que permite o uso de tornozeleiras eletrônicas para monitorar autores de violência doméstica. Também houve avanços no endurecimento das penas para crimes cometidos com uso de inteligência artificial contra mulheres. Mas a maior parte das propostas ainda segue tramitando lentamente: projetos como o que prevê penas mais duras para feminicídios por motivação de gênero, o que afasta temporariamente agentes públicos acusados de violência doméstica ou mesmo a proposta de cotas para mulheres nos parlamentos ainda não saíram do papel. A movimentação legislativa existe, mas sem a força, a urgência e o comprometimento que a crise exige.
No caso dos 60 socos, não foi o Estado que interrompeu a violência - foi o acaso, uma comunidade que, por sorte, agiu a tempo. O poder público chegou depois. Para chegar antes, seria preciso enfrentar o modelo de masculinidade que ainda cultiva a posse e o controle sobre os corpos das mulheres. Seria preciso ter educação de gênero nas escolas. Formar policiais, promotores, juízes e demais agentes com uma perspectiva comprometida com os direitos das mulheres. Nada disso está garantido.
Essa cena precisa nos provocar: o que falta para que mulheres possam contar com um sistema que realmente previna, acolha e reeduque? Que política pública é capaz de impedir o soco 1 e não apenas reagir ao soco 60? Sem um Estado forte, o que resta é a sorte: a sorte de que vizinhos vejam, o porteiro intervenha, alguém acione a polícia. São variáveis demais para garantir a vida de uma mulher, de uma menina, de uma vítima.
Começamos mais um Agosto Lilás. E talvez a pergunta mais urgente não seja "o que já temos?", mas: por que, com tudo o que temos, ainda estamos aqui?
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].