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João Batista Oliveira
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Ensino e sociedade
17/6/2025 14:40
Elaborar e aprovar currículos não é atribuição do Congresso Nacional. No entanto, há fortes razões para que o Congresso se debruce sobre o tema - como, de fato, o fará em breve.
Fazer um currículo é tarefa de especialistas. Saber ler e compreender um currículo, porém, deveria ser não apenas possível, mas obrigatório para todo cidadão - especialmente professores, pais e seus representantes no Congresso. O que consta no currículo define o que as crianças irão aprender e, no fim das contas, com que cidadãos e com qual capital humano o país poderá contar no futuro.
Não adianta fazer leis, nem criar políticas e regulações se a escola continua ensinando pouco e mal. Todas as leis educacionais, no fim, se reduzem ao que efetivamente acontece dentro das salas de aula - e isso se define, em grande medida, no currículo.
O currículo é o primeiro dos quatro pilares de um sistema educacional bem estruturado. Os outros três pilares servem para assegurar sua implementação: professores, avaliação e gestão. Ele traduz as expectativas da geração presente em relação às futuras. É o legado que uma geração transmite à seguinte, oferecendo não só conhecimentos, mas também valores, referências culturais e instrumentos para compreender, criticar e aprimorar esse mesmo legado. No passado, nossos antepassados ensinavam aos filhos a arte da sobrevivência e da convivência com base em valores e regras compartilhadas. A escola foi criada para assumir parte dessa responsabilidade, e o currículo é o documento que formaliza essa missão. É esse papel que dá legitimidade à escola e autoridade ao professor.
Há fortes evidências de que, também no campo do currículo, o Brasil se distancia das práticas dos países cujos sistemas educacionais são efetivamente bem-sucedidos. A forma como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi concebida, bem como os desafios enfrentados em sua implementação, refletem essa dissonância. Com sua linguagem empolada e irrelevante, a BNCC, além de frágil e equivocada, permanece inacessível para a maioria dos brasileiros, incluindo uma parcela expressiva dos próprios professores. Embora os resultados dos alunos tenham avançado modestamente nos testes nacionais, o país segue estagnado nas avaliações internacionais - sinal de que a BNCC, tal como foi estruturada, agrega pouco em termos de aprendizagem efetiva.
Currículo é assunto sério. Não pode ser tratado de forma improvisada, nem decidido em consultas superficiais, assembleias midiáticas ou consensos frágeis, muitas vezes movidos a slogans ou agendas de ocasião. Tampouco pode ser capturado por grupos que, sem representatividade legítima ou competência técnica comprovada, se apresentam como especialistas ou defensores do interesse público. Currículo é um empreendimento complexo, que exige conhecimento acumulado, responsabilidade profissional e grande prudência. Deve ser elaborado por especialistas qualificados, com sólida formação, experiência reconhecida e domínio das melhores práticas internacionais.
A ideia de currículo tem raízes profundas. Remonta ao conceito de paideia, descrito no Livro VII da República, em que Platão delineia um processo educativo voltado à formação do cidadão justo e virtuoso- base da pólis ideal. Essa concepção inspirou a organização do currículo das Artes Liberais, estruturado no Trivium (Leitura - Gramática no original -, Lógica e Retórica) e no Quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia), que orientou a educação por séculos e deu origem às universidades. Com a Revolução Científica e o Iluminismo, o conhecimento se expandiu e se fragmentou, dando origem ao Enciclopedismo. Já no início do século XX, John Dewey levou essa visão cientificista ao extremo, rompendo com a tradição clássica. Apesar das transformações, aperfeiçoamentos e deturpações que vem sofrendo, o currículo permanece como eixo estruturante da escola. Mais recentemente, os avanços da ciência cognitiva e da psicometria trouxeram contribuições inestimáveis - hoje incorporadas aos currículos dos países com melhor desempenho, os quais, não por acaso, convergem em muitos de seus fundamentos.
O Brasil, infelizmente, não compartilha desse entendimento. Antes da BNCC, tivemos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e, antes deles, um vazio de quase 30 anos sem diretrizes claras. Essa trajetória contrasta com a de países que reconhecem o currículo como instrumento estratégico para o desenvolvimento humano e econômico. Controvérsias existem em qualquer lugar, mas, onde a educação é tratada com seriedade, o poder público conduz o processo de elaboração curricular com rigor, responsabilidade e disposição para enfrentar debates difíceis.
Elaborar um currículo é um enorme desafio - ainda mais em tempos de fragmentação social e perda de referências comuns, inclusive entre especialistas. A rápida evolução do conhecimento e das tecnologias de informação gera dúvidas legítimas sobre o que vale a pena ensinar. Apesar disso, a maioria dos países desenvolvidos tem resistido a mudanças radicais em seus currículos. Ao contrário: nos últimos anos, observa-se uma reversão das tendências que priorizavam o ensino de "habilidades" vagas em detrimento do ensino organizado e articulado das disciplinas.
Currículo não é uma ciência exata, mas é uma atividade profissional baseada em princípios sólidos. Um bom currículo precisa ter foco, rigor e coerência - aplicados de forma consistente a cada disciplina. O rigor se refere não apenas a organização dos conteúdos, mas também o respeito às evidências científicas sobre como as crianças aprendem. Como ensina o velho ditado: para ensinar Latim a João, é preciso conhecer Latim - mas também é preciso conhecer João. O currículo define o que ensinar e em que sequência, considerando tanto a lógica interna das disciplinas quanto as etapas do desenvolvimento cognitivo dos alunos.
Além disso, um currículo precisa ser claro, autoexplicativo e funcional. Se precisa ser constantemente explicado, é sinal de que não está claro o suficiente. Professores não devem ser preparados para lecionar este ou aquele currículo, mas, sim, para dominar profundamente as disciplinas que ensinam - qualquer que seja o currículo vigente.
Em boa hora, a Câmara dos Deputados realiza um seminário sobre o tema.
E em boa hora porque, neste ano, abre-se uma oportunidade para revisar a BNCC. Ocorre, porém, que os movimentos em curso parecem repetir erros semelhantes aos que comprometeram a elaboração anterior. Vale, portanto, ouvir atentamente os conceitos e as boas práticas que serão debatidos no evento. Quem sabe, aprendendo com os erros e acertos dos países que têm conseguido avanços consistentes, o Brasil possa finalmente dar um passo mais seguro na construção de um currículo à altura dos seus desafios.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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