Síntese da formação social brasileira, cidade mineira também reflete contradições da realidade brasileira. Artigo de Marcus Pestana
Juiz de Fora, minha aldeia, completou 173 anos esta semana. Fernando Pessoa disse certa vez: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia...". O Paraibuna é o rio da minha aldeia. "Manchester mineira", "Atenas de Minas", "O primeiro sorriso de Minas" (Manuel Bandeira), foi um dos berços da transição da sociedade agrária e escravista para o mundo urbano-industrial-assalariado no Brasil. Síntese da formação social brasileira, mescla da elite branca, moderna e empreendedora, com uma grande população negra, no início ainda escrava, temperada com uma pitada de influência dos imigrantes italianos, alemães e sírio-libaneses.
Juiz de Fora hospedou a primeira hidrelétrica da América Latina no final do século XIX. Até 1931, só havia uma estrada brasileira pavimentada, a União-Indústria, que ligava a capital, Rio de Janeiro, a Petrópolis e Juiz de Fora. As ferrovias dominavam. O boom da economia cafeeira, e não suas crises, gerou o excedente de capital para o nascimento pioneiro das indústrias têxteis, cervejeiras, metalúrgicas e da construção civil.
Terra de tradição cultural, tem um dos dez mais importantes museus do país, o Museu Mariano Procópio, onde se hospedava muitas vezes no verão Dom Pedro II. Lá está o "Manto da Coroação", mas também o "Tiradentes Esquartejado" de Pedro Américo, realçando as contradições do período colonial e imperial brasileiro. Terra do Teatro Central, palco adorado pelos artistas. Terra de Murilo Mendes, Pedro Nava e tantos outros. Juiz de Fora gerou sua maior liderança política, Itamar Franco, presidente da estabilização da democracia e da economia. Lá está seu Memorial. Mas de lá também saíram os tanques e as tropas do Golpe de 1964.
Refletindo a dinâmica concentradora e desigual do capitalismo brasileiro, a cidade perdeu o fio do desenvolvimento exuberante. Mergulhou nas últimas décadas em processo de letargia econômica, embora tenha recebido, de 1958 a 1998, empresas como Becton Dickinson, Facit, Siderúrgica Mendes Júnior, Paraibuna Metais e Mercedes-Benz. Hoje temos uma cidade de relativa baixa renda média e com dinamismo que em nada lembra a velha "Manchester Mineira".
Algumas hipóteses, que precisam ser melhor estudadas, para o seu atual desalento econômico legado dos últimos anos, são: (i) o deslocamento da cafeicultura do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista e outras regiões, deixando como herança uma agropecuária de baixíssima produtividade; (ii) a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília, diminuindo os efeitos positivos da influência exercida; (iii) a queda da renda regional ancorada no agronegócio de pequena escala e eficiência, com impactos substantivos sobretudo na construção civil da cidade; (iv) a crise fiscal do setor público para uma cidade com um contingente de servidores e empregados públicos muito além da média nacional; (v) o debacle do setor têxtil e de confecção submetido à competição externa; (vi) o esvaziamento de grandes empresas como a BD, a Facit e Mercedes Benz e (vii) a perda da alma schumpeteriana de sua elite.
Quem sabe a minha aldeia reage e se incorpora aos novos ventos da economia verde, da inovação e do conhecimento!