Sócia e mulher de Marcos Valério nas agências de publicidade SMPB e DNA, Renilda de Souza disse, em depoimento à CPI dos Correios na terça-feira, que o deputado José Dirceu (PT-SP) sabia dos empréstimos tomados junto às empresas de sua família para pagar dívidas contraídas pelo PT em campanhas eleitorais. "A única coisa que ele (Valério) me disse que é que o doutor, na época ministro José Dirceu, sabia dos empréstimos", afirmou.
Segundo Renilda, Valério lhe disse que ocorreu uma reunião entre o então ministro da Casa Civil com a direção do Banco Rural, em Belo Horizonte, para acertar o pagamento dos empréstimos com o Rural. A mulher de Valério afirmou também que uma segunda reunião foi realizada em Brasília com a direção do BMG para o pagamento das dívidas cobradas pelo banco.
Os dois encontros ocorreram no final do ano passado e, de acordo com Renilda, o empresário não participou deles. "Essa conversa com o Marcos foi agora. Porque até então eu não sabia dos empréstimos", afirmou. Ao longo das nove horas de depoimento, Renilda ressaltou várias vezes que não tinha conhecimento dos negócios da empresa. "Eu nem sequer sei a cor do tapete da DNA", revelou a mulher de Valério, logo em uma das primeiras falas.
Confiança
Valério, informou sua esposa, tem uma procuração para defender os interesses de Renilda. "Tenho uma relação de confiança, entre namoro e casamento o conheço há 25 anos. Faria tudo novamente", disse. Ela garantiu que nunca misturaram trabalho com a família. "Até os fatos atuais, minha família era preservada. Dentro da minha casa só a minha família freqüentava".
A esposa de Valério afirmou ainda que não acredita na existência do mensalão e considera "fantasiosa" a versão apresentada à CPI pela ex-secretária de seu marido Fernanda Karina Somaggio. Renilda afirmou que nunca soube da relação do marido com políticos ou integrantes do governo.
Ela disse desconhecer o montante movimentando nas contas das empresas DNA e SMPB. Ela afirmou receber um pro labore de R$ 3,5 mil, para pagamento de contas pessoais. As despesas domésticas são pagas, segundo ela, com dinheiro sacado das contas de Marcos Valério por pessoas autorizadas pelo empresário. Ela informou que nessa conta entram, todo dia cinco do mês, R$ 30 mil provenientes da DNA e outros R$ 30 mil, da SMPB.
Discurso afinado
A versão dada por Renilda corrobora a tese apresentada por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e Valério ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, segundo a qual Dirceu e Silvio Pereira, ex-secretário-geral do partido, foram informados das negociações.
Em nota à imprensa, Dirceu confirmou as reuniões com diretores dos bancos Rural e BMG a pedido dessas instituições. Ele negou, entretanto, ter tratado de empréstimos para o PT.
Renilda garantiu aos parlamentares ter se encontrado apenas uma vez com Delúbio Soares. Ela afirmou que Valério havia conversado com o ex-tesoureiro por telefone recentemente. "Sei que conversaram, mas não sei se foi só pelo telefone ou pessoalmente". Nos dias 14 e 15 deste mês Valério e Delúbio prestaram depoimento ao procurador-geral e sustentaram a tese de empréstimos para fins eleitorais. Há a suspeita de que, no início daquela semana, eles teriam se encontrado para afinar o discurso.
A esposa de Valério ressaltou que seu marido nunca se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Arrependimento
Durante o longo depoimento, Renilda chorou duas vezes. A primeira, às 13h55, cinco minutos antes de suspender a sessão para o almoço, ocorreu quando ela respondia a um questionamento do senador César Borges (PFL-BA). Ele perguntava se, assim como a nação, ela se sentia "traída" por seu marido, referindo-se às operações financeiras ilegais que ele teria feito e, também, por ele ter mentido à CPI, em seu depoimento.
Ao responder, ela afirmou que não acreditava que Valério era o único culpado pelos episódios. Ela declarou que sofre por ter sido "totalmente passiva" em relação à administração das empresas das quais é sócia.
Sobre seu estado emocional nos últimos dias, ela afirmou que estava em estado de depressão. Trancada em seu quarto e sem falar com ninguém, ela achava que "não tinha direito de ficar perguntando demais" ao marido.
Indagada pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR), ela chorou pela segunda vez e disse se arrepender de ter sido "alheia e até covarde" ao não ter se inteirado sobre as empresas da família. "Se pudesse voltar atrás, teria participado mais da empresa", acrescentou.
Ela declarou ainda que, por sua ética pessoal, nunca teria feito nenhum tipo de empréstimo ou avalizado financiamentos para partidos políticos como os que seu marido fez. "Ele não me falou sobre quantos seriam os empréstimos, sendo ele avalista, pergunto como vamos pagar. Isso me põe nervosa e preocupada", declarou.
Segundo Renilda, seu marido se sente usado pelo PT. "Ele fez os empréstimos a pedido de um amigo", disse, referindo-se ao ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. A nova direção do PT já avisou que não arcará com as dívidas de caixa dois contraídas por Delúbio.
Saques
Renilda negou que tenha tentado sacar R$ 1,8 milhão em sua conta corrente no BankBoston na semana passada. Ela contou que, na última terça-feira, a gerente do banco a informou que não teria mais interesse em mantê-la como cliente e pediu que transferisse o dinheiro para outro banco.
Após consultar seus advogados, Renilda disse ter respondido ao banco que só iria transferir os recursos para outra instituição mediante o envio de um comunicado formal. "No mesmo dia que eu fiz esse comunicado ao Bank Boston foi noticiada a minha tentativa de saque de R$ 1,8 milhão, que no dia seguinte falaram ter R$ 2 milhões e que eu fugiria do País. Isso nunca existiu", declarou.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) questionou Renilda sobre a movimentação de R$ 9,97 milhões nas contas dela - dos quais R$ 4 milhões em sua conta pessoal - em um período de dois anos e sobre saques superiores a R$ 500 mil efetuados por Carlos Antônio Dias Coelho, motorista da família há seis anos. Renilda insistiu que movimentava somente a conta de salários de Marcos Valério, da qual ela também tinha titularidade, que recebia depósitos salariais de R$ 60 mil por mês.
Renilda afirmou que Coelho era autorizado a efetuar serviços bancários, mas disse não ter condições de estimar qual era montante dos saques. Na época, sua casa passava por reforma e os saques eram feitos sem datas regulares de acordo com as necessidades da obra.
No fim de sua participação, Álvaro Dias ainda quis saber se Renilda conhecia as operações de remessas financeiras feitas pelas agências de Valério para o exterior.
Segundo o senador, as empresas cometeram crime contra o sistema financeiro, de evasão de divisas e sonegação fiscal. Mais uma vez, Renilda reiterou que não tinha conhecimento das operações e insistiu: "Em momento nenhum tenho interesse de esconder fatos".
Renilda disse que seu marido negou ter efetuado pagamentos a parlamentares e que nunca andou carregando malas de dinheiro. "Fiquei assustada e apavorada. Confesso aos senhores que sou apolítica", disse. Renilda disse que só perguntou ao marido sobre os empréstimos que ele avalizou ao PT após ter visto o próprio Valério confirmar, durante depoimento na CPI, ter feito as operações. "Ele me disse ter feito a operação a pedido de Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT), que solicitou que o Marcos avalizasse o PT nos empréstimos para que algumas dívidas de campanha fossem pagas", relatou.
Lazer
A esposa de Valério disse que não viaja com freqüência ao exterior e nunca fez saques em bancos internacionais. Ela disse ter viajado ao exterior apenas para acompanhar a família e citou a Disney, em Orlando (EUA), como exemplo de destino.
Ela contou que Valério viaja muito a trabalho e que a vida social deles, em fins de semana, se limitava a acompanhar a filha no hipismo. "Não vamos a festas", declarou. Ela negou também que tenha participado com o marido de qualquer encontro social com partido político ou ocupantes de cargos na administração federal.
Piedade
Segundo Renilda, a responsabilidade está caindo somente sobre seu marido, mas nenhum cheque é assinado só por ele. Todos são assinados também por outros sócios das empresas. "Só espero que, se existem pessoas que participaram desses atos, se sensibilizem, até pela nossa família; tomem partido e assumam alguma coisa que ajude a revelar os fatos", afirmou ela. "Minha família foi execrada, condenada em três dias", lamentou.
Renilda esclareceu que entrou como sócia de seu marido quando Clésio Andrade, o atual vice-governador de Minas Gerais (PL), deixou o cargo. Foi quando Valério achou conveniente que ela entrasse de sócia. Os dois estavam casados havia 18 anos nessa época.