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Congresso em Foco
26/4/2008 | Atualizado 28/4/2008 às 0:00
Marcelo Mirisola*
Antes de citar uma célebre frase de Mikhail Bakunin, e antes de o leitor reclamar da minha obsessão por Caetano Veloso, gostaria de dizer que uma coisa levou a outra. E, a título de esclarecimento, também gostaria de adiantar que cultivo algumas obsessões, sim: sou obcecado por churros e praias desertas. Nada demais. Também aprecio o pezinho das garotas, eu e meu amigo Paulinho de Tharso – outra vez, nada demais.
Não há, portanto, gratuidade. Ocorre que o editor de uma revista me procurou, e sugeriu uma pauta: “Podres poderes”. Achei que o assunto podia render um bom caldo. E fiz o óbvio, comparei o autor de “Podres Poderes” com o Caetano Veloso. Só não sabia que a pauta era puxar o saco do Caetano, aliviar a consciência dele. Justo eu! Que revista é essa? Não importa, ela está bem visível nas bancas, e não serei eu a fazer propaganda gratuita para ninguém. Claro, meu texto foi recusado.
Analisando a letra que Caetano Veloso escreveu há 24 anos, constatei que existe um abismo assustador entre dois tempos, e dois Caetanos. Chega a ser gritante o fato de que ele (e muita gente também...) não só mudou de lado, como efetivamente exerce os podres poderes que tanto questionava à época. Bem, agora posso citar Bakunin:
*“La desordre c’est l’ordre moins le pouvoir”
Naqueles anos, o Brasil estava em transe, e Caetano Veloso fez uma viagem ao Porto de Areia de Bakunin. Carregou seu basculante uma única vez. Era carga demais para o caminhãozinho do baiano, que – em vez de voltar para a segunda viagem – resolveu relaxar, e lembrou que ele mesmo já havia chegado à conclusão de que o melhor era ficar odara. Então optou por uma gambiarra, cujo título é “Podres Poderes”, essa música foi gravada em 1984.
Depois de 24 anos, fiquei impressionado com o resultado e os desdobramentos, de Caetano e da letra: ambos sucumbiram à areia movediça do tempo. O Brasil – nesse intervalo – saiu do transe, pagou sua dívida externa, e agora ouve as canções do Caetano e dos irmãos Camargo num radinho de pilha muito do invocado. Isso não quer dizer que esqueceu as compras da madame no porta-malas do carro preto, e abandonou o senhorio. Jamais! Continua servindo bem para servir sempre, lá no edifício Piauí, que não fica em São Bernardo do Campo nem em Brasília, mas em Higienópolis. E Bakunin, ora, o anarquista russo continua o mesmo, ou até mais contundente do que há cento e cinqüenta anos atrás.
Entretanto, e considerando-se que as pessoas nunca mais seriam as mesmas depois de se banhar no rio lamacento da vida (a tese é de Heráclito), a possibilidade de o Caetano nos surpreender – apesar dos pesares – jamais poderia ser descartada. Excluir a hipótese de que, ele mesmo, depois de 24 anos, é o autor de “Podres poderes” seria uma imprudência. Em se tratando de Caê, tudo é possível.
Agora eu, na condição de ex-ingênuo, posso afirmar tranqüilamente que não: eu jamais acreditaria numa letra dessa natureza, hoje não. Nem eu, nem Heráclito, e muito menos Bakunin. Nem hoje, e nem nunca!
Eis a questão: qual a natureza do poder, e qual a relação dele com o nosso ceticismo, e o que a gente, depois das lambadas que leva da vida, pode querer e/ou exigir em troca?
Quem, como eu, acreditava no amor, e agora tem apenas uma pedra dentro do peito, divide-se entre duas opções e uma “terceira via” (que é mais do que uma opção) para responder a esse intrincado dilema:
1ª opção: atravessar a rua, dar um abraço no Chico e dizer: “mentira”.
2ª opção: Caetanear e ficar odara.
Quanto à terceira via, creio que – por exclusão – é fácil de adivinhar: não sobra nada diferente de exercer de fato os podres poderes.
Eu sei que parece cruel, e um tanto sentencioso da minha parte. Mas o último e implacável romântico, autor de “Detalhes”, assinaria embaixo. Senão, vejamos:
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes somos uns boçais
Queria querer gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses mas tudo é muito mais
Tudo é muito mais ! Por exemplo: a trilha que o Caetano fez para o filme “Dois Filhos de Francisco”. Zezé Di Camargo & Luciano são muito mais!... E nem precisa gritar, basta se olhar no espelho, arquear a sobrancelha, mirar o “burguês” e indagá-lo como se fosse um boçal: “ Eu não sou lindo ?”
Será que nunca faremos senão confirmar
Na incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será que será que será que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?
Concordo: América Católica, e incompetente. O problema é que a estúpida e assumida retórica do Caetano, em vinte e poucos anos, foi suprimida não pelos ridículos tiranos (com a exceção de Chávez na Venezuela... até certo ponto previsível) mas pelo Bispo Edir, e seus meganhas. Dá até vontade de rezar e pedir a Deus que ilumine o Papa Bento XVI...
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval
Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase
Ser indecente mais tudo é muito mau
Eita demagogia! Nem precisa silenciar, Caetano. A próxima Parada Gay deste ano deve bater o recorde da edição anterior, com mais de três milhões de pessoas, incluindo donas-de-casa, padres e escoteiros, negros e albinos, índios e canibais, mulheres & poodles & focas amestradas, e – pasme! – bichas! A parada, aliás, é muito decente, carnavalesca e organizada. Tudo é muito do bem. Três milhões de pessoas em ação (quer dizer: mais ou menos um milhão e meio em ação, na ativa, e a outra metade na passiva, incluindo os padres e os poodles); pra frente Brasil, salve a seleção... com um décimo da energia desse povo, Bakunin faria uma tempestade em Brasília. Acorda, Stédile!
Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais
Será que apenas os hermetismos pascoais
E os tons e os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
Além do Zezé di Camargo & Luciano, contamos com Ivete Sangalo, Daniela Mercury,e a Preta Gil ... Não bastasse, ainda temos Carlinhos Brown e o Pai da Preta para festejar Condoleezza Rice. Trevas, que trevas?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais
Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo e mais fundo tins e bens e tais
Não diria que Tim Maia morreu negligenciado (quase) mas virou um best-seller. E Jorge Ben virou Benjor, portanto se o Caetano quisesse ir mais fundo, poderia tentar o numerólogo do Washington Olivetto.
O resto, como eu havia afirmado aí em cima, é refrão... solo instrumental, indo mais fundo em tins e bens e tais e, como diria Caetano, “enfim”, o mais nojento exercício dos Podres Poderes, e nada mais.
*“A desordem é a ordem, menos o poder” (Mikhail Bakunin)
A propósito: Bakunin era tradutor de Marx, foi ele quem passou O Capital do alemão para o russo. A mulher de Marx não confiava em Bakunin. E confiava... em Karl Marx? Eu desisti de tentar entender as mulheres.
* Marcelo Mirisola, 41, é paulistano, autor de O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros. Publica em revistas, sites e jornais de todo país. No prelo, Proibidão (Editora Demônio Negro).
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