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Congresso em Foco
8/3/2011 7:00
Renata Camargo
Maria Ruth Barreto foi a primeira presa política do estado do Ceará, nos anos de chumbo da ditadura militar. Nascida no Ceará em 1943, iniciou aos 21 anos a trajetória na educação com jovens e adultos, quando conheceu o Movimento de Educação de Base (MEB), aplicado de acordo com os fundamentos do educador Paulo Freire.
Psicopedagoga graduada na Escola de Pedagogia de Colônia (Alemanha), Maria Ruth possui um longo currículo de serviços voltados à educação com fins sociais. Em 1967, foi presa pelos militares quando preparava grupos de universitários treinados para alfabetizar adultos.
Congresso em Foco - Como começaram seus problemas com a ditadura?
Maria Ruth - Eu já era profissional de educação. Concomitantemente, na diretoria do DCE, estava preparando os colegas estudantes para dar cursos durantes as férias com o método Paulo Freire, pessoas alfabetizadas dentro de 45 horas. Essa prisão decorreu porque eu já tinha sido presa em Ibiúna, quando foram presos mil estudantes no Congresso da União Nacional dos Estudantes, em 12 de outubro de 1968. Vim de São Paulo com a prisão preventiva decretada. Fui presa logo depois do AI-5 [Ato Institucional nº 5], quando as liberdades ficaram muito mais controladas. Depois do AI-5, eu fui presa.
A senhora foi presa quando ministrava aulas, sob a alegação de crime por ?ensinar um método de alfabetização que levava o cidadão a pensar, ler e escrever?. Como foi aquele momento em que você foi presa?
É um impacto muito sério você se sentir cerceada na sua liberdade. Mas eu entrei lá com a decisão de que sairia de qualquer forma da prisão. Tanto que, quatro meses depois, eu fugi da prisão com ajuda dos familiares, e pessoas da organização da qual era militante ? a Ação Popular. Mas o mais importante dessa história toda é que, como eu fazia Pedagogia, eu já tinha muito forte em mim [o destino] de ser educadora. Pois mesmo na prisão eu dava aula para as enfermeiras.Fui exilada na Alemanha, passou seis anos.
O exílio foi decisão sua ou das autoridades na ditadura?
Eu passei no Brasil quatro anos na clandestinidade com nome diferente, tendo que me esconder da ditadura. Tive que sair do Brasil porque eu corria risco de vida. Não sofri maus tratos porque a ditadura ainda não estava organizada o suficiente para ter todo o aparato para tortura. Eu não fui presa nem num cárcere, fui presa num hospital. Pois, devido ao fato de ser presa política, não podia ficar na prisão comum. Isso facilitou a minha fuga, estava num hospital com só um guarda vigiando.
O fato de ser mulher na época da prisão influenciou?
O fato de ser mulher representava dificuldades. Eu era, por exemplo, a única mulher a ser dirigente no diretório central dos estudantes da minha faculdade. Então, havia todo um costume e valores da sociedade daquela época baseados na visão masculina. E quantas companheiras não foram presas grávidas e tiveram filhos na prisão. Isso era um complicador muito grande. Não era uma situação fácil, assim como hoje ainda não é fácil as mulheres ocuparem os espaços políticos. Hoje, o espaço político ainda é masculino.
E quanto voltou ao Brasil?
Em 1979, logo depois da anistia. Aí, entrei em contato com o chamado princípio diocêntrico, que era expresso na biodança, e começamos a desenvolver o método da educação biocêntrica. Dessa época para cá, eu venho contribuindo para o desenvolvimento dessa educação, onde o centro de tudo é a vida. A minha história com o prêmio é a defesa dos direitos humanos, defesa intransigente em relação à vida, é uma concepção até mais ampla que o feminismo. É uma concepção de defender a vida.
Pela primeira vez na história da democracia brasileira, uma mulher foi eleita para a Presidência da República. O que isso representa para a senhora?
Acho que esse momento histórico é de um valor inestimável, um simbolismo muito grande. Ela é uma representação legítima. Alguns outros casos de mulheres no poder eram a sombra dos maridos. Esse simbolismo muito grande é uma forma da gente rever e tornar mais visível a contribuição que a mulher dá à sociedade, não só na formação da identidade do povo brasileiro, mas também na redemocratização. Quantas de nós não deu a própria vida pelos outros? A Dilma tem esse simbolismo.
Por ser uma mulher, a senhora espera de Dilma um jeito diferente de governar?
Eu espero e acho que ela já tem demonstrado até agora que irá governar de uma maneira diferente. Essa questão, por exemplo, da eliminação da miséria. Isso é uma coisa própria de quem sabe valorizar a vida. Na minha fala ao receber o prêmio, digo que nós geramos filhos, mas também geramos ideias e sonhos. Uma mulher no poder tem essa vontade maior para alimentar os sonhos, que é o sonho de construção de uma vida mais livre.
Em sua trajetória, a presidenta Dilma também sofreu perseguição política, foi presa e teve todo um histórico de luta contra a ditadura. De que forma a história de vocês duas se aproxima?
Não chegamos a nos encontrar, mas fomos perseguidas e presas na mesma época. Acho que a nossa geração, a geração de 1968, é uma geração muito comprometida com a liberdade. Hoje vejo, por exemplo, que a Dilma é muito clara no que se refere aos direitos humanos. Ela sabe o que significa e sabe o quanto garantir esses direitos é importante.
Que lições a senhora tirou da ditadura?
A principal lição é que todos nós temos o direito de sermos livres. Nós lutamos, eminentemente, pela liberdade durante a ditadura, para que as pessoas tivessem direitos iguais, oportunidades iguais e respeito às diferenças. Essa missão é a mesma que eu persigo até hoje, quando trabalho com a proposta da educação biocêntrica, na qual a defesa da vida está no centro de tudo. Do ponto de vista da educação, por exemplo, faço o questionamento: nosso modelo de educação hoje torna as pessoas felizes ou ele apenas prepara para que sejam competitivos, concorrentes?
O que a senhora pensa sobre isso? A educação seguida na maioria das escolas brasileiras prepara as pessoas para a vida?
Acredito que não. Nós precisamos mudar os paradigmas da educação. Esse paradigma que eu proponho é de que a vida deve estar no centro, e não a visão antropocêntrica, com o homem no centro ? daí, por isso, ele destrói a natureza, destrói a si mesmo e aos outros. Quando o paradigma for que a vida está no centro, aí tudo muda na postura da pessoa.
No Brasil, temos ainda 14 milhões de analfabetos. Mesmo crescendo economicamente e reduzindo a miséria, continuamos com o gargalo da educação para enfrentar. Na sua avaliação, por que ainda não conseguimos ter uma educação de qualidade?
Uma das coisas é porque mantemos o paradigma antigo, antropocêntrico, em que se busca ser melhor individualmente, não no coletivo. Dentro da perspectiva que a gente trabalha, atuamos dentro do coletivo, da ecologia profunda, que muda todo um sistema.
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