Em entrevista exclusiva à Folha de S. Paulo, o presidente Lula defendeu a decisão de seu colega venezuelano, Hugo Chávez, de não renovar a concessão da emissora RCTV. Para Lula, o fechamento da TV foi um ato tão democrático quanto teria sido a eventual renovação da concessão.
"Eu acho que não dá para ideologizar essa questão da televisão. O mesmo Estado que dá uma concessão é o Estado que pode não dar a concessão”, declarou o presidente, em Berlim, ao repórter Clóvis Rossi. “O Chávez teria praticado uma violência se tivesse, após o fracasso do golpe [contra o venezuelano em 2002], feito a intervenção na televisão", acrescentou.
Apesar de defender Chávez, Lula afirmou que a Venezuela poderá será prejudicada pelas críticas feitas por seu presidente ao Senado brasileiro. Na semana passada, ele chamou o Congresso de “papagaio dos Estados Unidos” por ter enviado uma moção em que pedia a reabertura da RCTV.
"Quando você erra na política, quem é que perde? É quem erra. Por quê? Porque o acordo para a entrada da Venezuela no Mercosul vai ter que passar pelo Senado, e quero crer que o Chávez deve perceber que vai ficar muito mais difícil agora. Vai exigir muito mais esforço nosso para convencer que um mal-entendido ou uma agressão verbal não pode colocar em risco um projeto para a região."
O presidente também saiu em defesa dos senadores brasileiros. “A nota que o Senado brasileiro fez em relação à televisão do Chávez é uma nota branda. É um apelo, não tem nenhuma agressão. Agora como é que chegou a ele, eu não sei.”
Na entrevista, Lula falou apenas de política externa, conforme havia se comprometido com a Folha durante a campanha eleitoral, em outubro de 2006. A conversa, que durou 80 minutos, ocorreu pouco antes de o presidente se reunir com o grupo chamado "outreach", ou seja, o grupo externo ao G8 que participará hoje da sessão final da cúpula do mundo rico. O grupo é formado por África do Sul, China, Índia e México, além do Brasil.
Questionado se estava sendo cobrado pelas crescentes denúncias de corrupção no país, em suas viagens internacionais, Lula foi enfático. “Nunca me cobraram”, respondeu.
“Até porque a corrupção é que nem petróleo – só vai obtê-lo se fizer prospecção. E a corrupção você só vai saber se ela existe de verdade se fizer investigação. Não tem outro jeito. Qual é o problema? Quanto mais investiga, mais aparece. Vide a Operação Mãos Limpas, na Itália. Você pode fazer vistas grossas, fingir que não tem e não investigar. Ou pode deixar a investigação acontecer porque é o único jeito de acabar com ela. Não sei quantos países do mundo investigam como nós”, afirmou o presidente. (Edson Sardinha)