Entrevista da agência de notícias
Carta Maior com um dos integrantes da CPI da Nike, criada para investigar as relações da multinacional com o futebol no Brasil, revela o poder da empresa sobre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) presidida por Ricardo Teixeira. Em 2006 encerra-se o contrato de financiamento entre a CBF e a Nike. São dez anos de um acordo com vários pontos suspeitos e obscuros, que chegou a gerar uma CPI na Câmara dos Deputados. CARTA MAIOR examina o tema e entrevista um dos integrantes da Comissão, o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR).
Várias perguntas ficaram mascaradas, pelos mais variados interesses, na curta jornada brasileira nos campões alemães durante a Copa: Quem escala a equipe? Por que Ronaldo foi mantido no campo, mesmo quando seu desempenho era sofrível? Que poder tem a Nike sobre o time?
Esses questionamentos já motivaram uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara dos Deputados, entre outubro de 2000 e junho de 2001. Conhecida como CPI CBF (Confederação Brasileira de Futebol) - Nike, ela era presidida pelo deputado federal e atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Foi a primeira investigação de porte feita sobre uma das paixões nacionais, o futebol. No fim, 34 pessoas, entre dirigentes, empresários e interessados foram indiciados na Justiça. Mas na prática, nada mudou.
O relatório da CPI envolveu uma imensa disputa. O texto preparado pelo deputado Silvio Torres (PSDB-SP) teria poucas chances de ser aprovado pela comissão, após várias trocas de seus integrantes. Compôs-se uma maioria afinada com a CBF, conhecida como "bancada da bola". Uma proposta alternativa, adequada aos interesses da Confederação, foi apresentada, mas o presidente da Comissão, Aldo Rebelo, achou melhor não aprovar relatório algum. "Não tínhamos força e esta foi a melhor solução", avalia o deputado Dr. Rosinha (PT-PR). O relatório de Torres foi encaminhado ao Ministério Público e publicado pela editora Casa Amarela, em 2001. O livro "CBF-Nike", de Aldo Rebelo e Silvio Torres, mal chegou a ser comercializado. Uma ação judicial impetrada pela CBF resultou em sua apreensão.
O CONTRATO
É pena, pois o país fica privado de conhecer os negócios de bastidores das quatro linhas. Entre vários pontos do livro, há uma detalhada análise do contrato firmado entre a CBF e a Nike, em 1996, com validade de dez anos. O trabalho foi realizado pela assessoria jurídica da CPI. O documento, segundo o livro, "permite uma intervenção descabida da Nike nos assuntos da seleção brasileira de futebol".
O contrato é de US$ 160 milhões e dá à multinacional o direito de patrocinar a Seleção Brasileira. Redigido em inglês, com 71 páginas o acordo estabelece, segundo o livro de Rebelo e Torres, "o direito da Nike sobre os jogadores da seleção", suas obrigações sobre o uso de produtos Nike e "sobre a disponibilidade para fotografias, vídeos e marketing da Nike". Além disso, há "o direito da Nike de organizar jogos para a seleção de futebol e escolher seus adversários, e a obrigatoriedade de participação nesses jogos de pelo menos oito dos principais jogadores do time A.
A Nike também "se coloca acima da justiça brasileira". Pelo relatório, ela "Julga-se no direito de cancelar unilateralmente o contrato se 'qualquer lei, regra, regulamento ou decisão judicial resultar em uma redução material do valor dos direitos e benefícios concedidos à Nike".
O repórter Gilberto Maringoni da agência
Carta Maior fez a seguinte entrevista com o deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), integrante da CPI da Nike:
CM - Depois de ver a atuação do Brasil na Copa, como o sr. analisa os resultados daquela CPI?
DR - Para o futebol, acho que nada mudou. O Ministério Público ficou impedido de atuar, por conta de uma iniciativa judicial patrocinada pela CBF. O ponto positivo é que vários dos integrantes da bancada da bola não se reelegeram, como Eurico Miranda (PP-RJ),
Luciano Bivar (PSL-PE), José Lourenço (PFL-BA)
CM - O que foi investigado à época?
DR - Chegamos à conclusão que a escalação e os locais dos jogos da Seleção Brasileira são em grande parte decididos pela Nike. Por isso, sabemos que quem escalou esse time da Copa da Alemanha não foi o Parreira. Se tivéssemos outro técnico, a diferença seria mínima. Alguns jogadores não ficam fora de jeito nenhum porque a Nike o impede. O que explica o fato de, em 1998, o Edmundo ter sido escalado e no fim quem jogou foi o Ronaldo? Xingar o Zagallo ou a equipe técnica era perda de tempo. Deve-se xingar o sr. Roberto Teixeira, responsável pelo contrato.
CM - O contrato define também o calendário dos jogos, não?
DR - Sim. O Brasil precisa fazer um determinado número de partidas em países indicados pela Nike. A empresa quer levar o futebol a novos mercados para sua marca. Será que alguém acha quer a realização da Copa na África do Sul não tem o propósito de difundir a Nike na região? Aliás, não só na Nike. Todas as grandes empresas ligadas direta ou indiretamente ao esporte, como Adidas, a Coca-Cola, a Imbev etc. querem conquistar mercados novos, utilizando para isso o futebol. O irônico é que nessa disputa de mercado, não interessa que o Brasil ganhe sempre, por melhor que seja a Seleção. É preciso haver um rodízio até para legitimar o torneio.
CM - Há interferência nos resultados dos jogos, então?
DR - Há jogos claramente arranjados. Veja o campeonato italiano, por exemplo. É grande a possibilidade dos jogos da Copa serem arranjados, pois o que interessa não é o futebol, é o mercado. A cobertura jornalística, então, é vergonhosa. A Globo só agora, passada a Copa, mudou sua pauta. Havia uma anestesia geral e o resto do mundo parecia não existir.
CM - Qual a alternativa para esta situação?
DR - Se a FIFA tivesse vontade, buscaria redefinir os critérios, que não fossem os do mercado. Talvez uma possibilidade seja a de que só seriam convocados jogadores que jogam em seus países de origem. Teria de haver um acordo internacional para que esta fosse uma norma geral. Mas esta é uma entre muitas.
CM - Pelo que o senhor fala, acabou aquela fase em que a seleção era a pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues?
DR - Acho que a Seleção continua a ser a pátria de chuteiras. Não fosse assim, não haveria essa festa toda, essa profusão de bandeiras durante o campeonato mundial. Pouca gente se dá conta da existência de um sólido esquema empresarial e comercial por trás de tudo. Se as pessoas soubessem, não iriam torcer para uma empresa, para alguém que está ganhando dinheiro com a paixão popular.
CM - Por falar nisso, para que time o senhor torce?
DR - Eu torcia para o Santos, desde a época do Pelé. Deixei de fazê-lo na época da CPI. Quando vi a abertura dos sigilos fiscal e bancário dos donos de clubes e os contratos dos jogadores, percebi a manipulação existente por trás de tudo. Eu gosto de futebol, mas não perco mais tempo assistindo a nenhum jogo, se não for algo muito importante. Não torço mais para ninguém. O caso do Corinthians é exemplar. Se o país tivesse um pouco de vergonha na cara, este mafioso russo [Boris Berezovski] que detém os contratos do clube estaria na cadeia. Ele é investigado no mundo todo por lavagem de dinheiro. O corinthiano com consciência política deveria deixar de ser corinthiano até que a situação mude. Não há paixão. Como ter paixão se as camisas dos clubes têm metade do espaço ocupada por anúncios de empresas? Quem a usa acaba fazendo propaganda de graça. Há um grande esquema, com a conivência das federações estaduais. O país e o torcedor desinformado acabam pagando tudo.