O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, disse ontem que o presidente Lula adotou a tática do "nada sei", numa referência às respostas dadas pelo presidente sobre as denúncias do mensalão, para se proteger. Busato entregou ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, uma notícia-crime contra Lula apontando três razões para que ele seja investigado.
"Ele tendo se protegido dessa forma deixou a população brasileira muito insatisfeita com relação ao entendimento exato sobre o que o presidente da República sabia e o que não sabia", afirmou.
Caberá ao procurador-geral da República decidir se aceita ou não o pedido da OAB e abrir as investigações contra o presidente pelos seguintes fatos: o caso Gamecorp/ Telemar, que envolve Fábio Luiz da Silva, filho de Lula, o decreto presidencial que permitiu ao banco BMG atuar no crédito a aposentados e pensionistas sem que a instituição integre a rede de pagamentos da Previdência e, por fim, o silêncio do presidente em relação ao mensalão, compras de votos, caixa dois e atos de improbidade.
No documento, a OAB fala em "indesculpável e inexplicável omissão (no mínimo) do presidente da República" em relação a esses episódios. Busato pede o aprofundamento das apurações que resultaram na denúncia criminal feita por Antonio Fernando contra 40 pessoas acusadas de envolvimento no esquema do mensalão, "focalizando agora especificamente... o comprometimento do chefe do Executivo nas práticas criminosas tão bem levantadas pelo parquet (Ministério Público)."
O Conselho Federal da OAB aprovou o envio da notícia-crime em 8 de maio. Naquele momento, a entidade rejeitou a proposta de pedir à Câmara a abertura de processo de impeachment contra o presidente e, alternativamente, decidiu solicitar a investigação.
Na denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal), formulada em março contra 40 pessoas envolvidas no esquema do mensalão, Antonio Fernando falou na existência de uma organização criminosa dentro do governo, mas isentou Lula.
A notícia-crime é a comunicação formal de ocorrência de determinado crime. Em tese, qualquer cidadão pode apresentá-la. Ontem, Busato mandou um funcionário da OAB entregá-la à Procuradoria Geral. Não há prazo para que o procurador-geral a examine.
O presidente da República só pode ser investigado criminalmente pelo STF, por causa do foro privilegiado. Assim, a iniciativa de abrir uma investigação contra ele é exclusiva do procurador-geral. A assessoria do Palácio do Planalto não comentou a notícia-crime.
Busato negou que a OAB tenha sido usada como massa de manobra da oposição no exame do impeachment do presidente. "Este é um ato que pode ter alguma implicação política, mas isso é inevitável", afirmou o presidente da entidade. "Mas não queremos, de forma alguma, que a Ordem seja acusada de ser palanque eleitoral para a oposição ou para o governo federal."
A investigar
A Gamecorp, comandada pelo filho de Lula, foi investigada pela CPI dos Correios por ter recebido um aporte de R$ 5 milhões da Telemar em 2005. Alterações de última hora no relatório final da CPI retiraram o nome de Fábio do item que trata do caso Gamecorp. A empresa, especializada em videogames, recebeu, além dos R$ 5 milhões iniciais, outros R$ 5 milhões para gasto anual com patrocínio e produção de programas de TV.
Outro ponto de investigação sugerido pela OAB é o decreto de Lula, de 13 de agosto de 2004, abrindo caminho para que bancos que não eram responsáveis pelo pagamento de benefícios da Previdência passassem a operar o crédito consignado a aposentados e pensionistas. Apenas 13 dias após a assinatura do decreto, o BMG assinou convênio com o INSS e garantiu acesso ao mercado milionário em que atuou sozinho com a Caixa Econômica Federal por quase dois meses.
Leia a íntegra da notícia-crime da OAB
"Ao Exmº Sr.
Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza
Procurador-Geral da República
Brasília - DF
Excelência.
Em sua sessão plenária do último dia 08 de maio, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil examinou, detidamente, proposta de impedimento do Presidente da República, formulada por um dos integrantes do Colegiado.
Uma das peças principais do processado, então levadas em conta, foi a alentada e fundamentada Denúncia oferecida por V.Exª ao Supremo Tribunal federal contra José Dirceu de Oliveira e Silva e outros (Inquérito 2245).
Na oportunidade de nossa reunião (08.05.2006), o Relator designado apresentou voto (que acompanha esta manifestação), que concluía pela assunção de medidas deflagradoras do pedido de impeachment e pela formulação e encaminhamento, a Vossa Excelência, de "... representação de ordem penal contra o Presidente da República, em face de seu inequívoco envolvimento nos eventos e delitos, relatados neste processo".
Após algumas horas de discussão, o Conselho Federal, por maioria, rejeitou a iniciativa de impedimento, mas aprovou a concretização da representação (rectius, notitia criminis) contra o Presidente da República, por se tratar de envolvimento em crimes comuns de natureza pública incondicionada.
É no cumprimento da deliberação, então assumida, que venho, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (Conselho Federal),
- manifestar a refletida adesão da instituição aos termos da consistente e subsistente Denúncia antes referida, apresentada por Vossa Excelência perante a Suprema Corte contra José Dirceu e outros por gravíssimas infrações penais comuns que comprometem irremediavelmente o Chefe do Poder Executivo;
- oferecer notitia criminis contra o Presidente da República (art. 102, I, b, da Constituição Federal), rogando e sugerindo o aprofundamento (aliás, já anunciado por Vossa Excelência) das investigações que determinaram a formalização da Denúncia no Inquérito 2245/STF, focalizando agora, especificamente, mediante o competente inquérito judicial perante o Supremo Tribunal Federal, o comprometimento do Chefe do Executivo, nas práticas criminosas (crimes comuns) tão bem levantadas pelo Parquet federal.
Permito-me, nesse afã do desdobramento focado das investigações, sugerir a Vossa Excelência que leve em conta as seguintes ocorrências, de público e notório conhecimento:
a) o affaire Gamecorp/Telemar; a Gamecorp, comandada por Fábio Luiz da Silva, filho do Presidente da República, associou-se com a Telemar, em operação milionária, sequer comunicada à Comissão de Valores Mobiliários (C.V.M.);
b) o decreto presidencial que facultou ao Banco BMG (um dos braços da atividade do "valerioduto") atuar no crédito a funcionários federais, ressarcido mediante consignação em folhas de pagamento de vencimentos, sem que a referida instituição integre a rede de pagamentos do sistema previdenciário;
c) a indesculpável e inexplicável omissão (no mínimo) do Presidente da República, nos episódios do "mensalão" e das compras de votos, na formação de "caixa dois" para o financiamento da campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores e na prevenção/fiscalização/repressão a atos de improbidade administrativa cometidos pelos mais chegados auxiliares do Chefe do Executivo.
Com a presente iniciativa, a Ordem dos Advogados do Brasil confia em que está colaborando com V.Exª, em seu magnífico trabalho em prol da recuperação da moralidade e da decência nas instituições.
Roberto Antonio Busato
Presidente Nacional
Ordem dos Advogados do Brasil"