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SEGURANÇA PÚBLICA
Congresso em Foco
10/11/2025 | Atualizado às 11:16
O projeto de lei antifacção (5.582/2025), elaborado pelo governo Lula para reforçar o combate às organizações criminosas, chegou à Câmara com a promessa de equilibrar endurecimento penal, coordenação federativa e garantias legais. Mas o relatório do deputado Guilherme Derrite (PL-SP), secretário de Segurança Pública de São Paulo, mudou o eixo central da proposta.
O substitutivo apresentado por ele equipara facções e milícias ao terrorismo, eleva penas, concede mais poderes às polícias e reduz o papel da União na coordenação das ações de enfrentamento. O deputado afirma que ainda pode modificar o texto até a votação.
Veja o substitutivo de Derrite.
As alterações provocaram reação imediata do governo, que considera que o texto "descaracteriza completamente" a proposta original e abre brechas jurídicas perigosas, segundo interlocutores do Ministério da Justiça.
Para o governo, o embate com o relator é político e conceitual: enquanto o Executivo defende um modelo de integração nacional e controle institucional, Derrite propõe uma abordagem mais policial e descentralizada, centrada na repressão e na equiparação das facções ao terrorismo.
Do crime organizado ao terrorismo
O ponto mais controverso do relatório é a inclusão de um artigo que equipara facções, milícias e grupos paramilitares a organizações terroristas, submetendo essas condutas à Lei Antiterrorismo (13.260/2016).
O texto do governo criava o tipo penal de "organização criminosa qualificada", com pena de 8 a 15 anos de prisão, voltado a grupos que controlam territórios ou atividades econômicas com uso sistemático da violência e intimidação.
Derrite eliminou essa figura e argumenta que facções "produzem efeitos sociais equivalentes aos atos de terrorismo".
Com isso, seus integrantes poderiam responder sob as mesmas penas previstas para o terrorismo, que chegam a 40 anos de prisão, além de ficarem impedidos de receber anistia, graça, indulto ou liberdade condicional.
O governo rejeita essa equiparação por considerar que terrorismo e facções têm naturezas distintas. O terrorismo, definido pela legislação brasileira e por tratados internacionais, é motivado por razões políticas, ideológicas ou religiosas, e busca intimidar governos ou populações.
Já as facções atuam por lucro, controle territorial e tráfico de drogas, sem caráter político.
Para o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União, a mudança viola o princípio da legalidade penal, gera insegurança jurídica e pode permitir interferência internacional indevida, pois outros países poderiam invocar normas e sanções antiterrorismo sobre casos de criminalidade comum no Brasil.
Penas mais duras e efeitos ampliados
O substitutivo eleva penas e amplia o alcance das punições.
Crimes como homicídio, sequestro, roubo e corrupção cometidos por integrantes de facções passam a ser considerados hediondos, o que dificulta a progressão de regime e aumenta o tempo mínimo de prisão.
O texto também prevê a perda de benefícios penais e previdenciários, como o auxílio-reclusão, para condenados por envolvimento com facções.
Derrite defende que as medidas são necessárias para "restaurar a autoridade do Estado e enfraquecer o poder financeiro do crime organizado".
O governo, porém, considera o texto excessivamente punitivo e alerta que o endurecimento enfraquece instrumentos de inteligência e cooperação federativa que eram o foco do projeto original.
Coordenação nacional enfraquecida
A proposta do governo previa coordenação centralizada no Ministério da Justiça, com a Polícia Federal articulando ações integradas com os estados e consolidando dados estratégicos.
O relatório de Derrite retira todas as menções à União e à PF, substituindo-as pela expressão genérica "autoridades competentes".
Na prática, o comando das ações ficaria a cargo das forças estaduais, reduzindo a integração nacional.
Segundo o Ministério da Justiça, a alteração fragmenta o enfrentamento ao crime, já que as facções atuam de forma interestadual e transnacional, exigindo cooperação e padronização de dados e investigações.
Banco Nacional de Facções é suprimido
Um dos pilares do texto original era o Banco Nacional de Facções Criminosas, um sistema sob gestão do Ministério da Justiça para reunir informações sobre lideranças, integrantes e movimentações financeiras.
O banco serviria de base para cooperação entre União, estados e municípios.
Derrite eliminou o dispositivo, alegando que "cada estado já possui seus próprios bancos de dados" e que a integração "pode ocorrer por outros meios".
Para técnicos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, a exclusão enfraquece o rastreamento de redes criminosas que atuam em várias regiões e reduz a inteligência integrada - um dos objetivos centrais do texto original.
Bloqueio de bens sem controle federal
O projeto do governo previa intervenção judicial em empresas ligadas a facções, com comunicação obrigatória ao Banco Central e à CVM.
O relatório mantém o bloqueio de bens, mas retira o controle federal e extingue a figura do interventor judicial, delegando a medida a autoridades locais.
Com isso, os bloqueios passam a ter menor supervisão e rastreabilidade financeira, segundo o governo.
Acesso ampliado a dados e geolocalização
Outra mudança sensível é o alargamento do acesso a dados pessoais e financeiros.
O texto original restringia o uso de informações de geolocalização e transações bancárias a situações de risco à vida, mediante autorização judicial.
Derrite permite o acesso em qualquer investigação criminal, inclusive a dados de fintechs e criptomoedas, sem necessidade de urgência comprovada.
A AGU alerta que a medida contraria o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), abrindo espaço para abusos e vigilância indiscriminada.
Agravamento generalizado das penas
No projeto do governo, as penas agravadas eram reservadas a líderes, financiadores e chefes de facções, em respeito ao princípio da proporcionalidade penal.
O relatório estende o agravamento a todos os integrantes, sem distinção hierárquica.
Para o Ministério da Justiça, a mudança dificulta diferenciar executores de dirigentes e compromete a coerência das condenações.
Medidas cautelares com menos controle judicial
O texto original exigia decisão judicial e manifestação do Ministério Público para autorizar buscas, apreensões, interceptações ou prisões preventivas.
O relatório permite que autoridades policiais ajam primeiro e comuniquem o juiz depois, alegando necessidade de rapidez.
O governo considera que o novo rito reduz o controle prévio da Justiça e abre margem para abusos, especialmente em investigações sigilosas.
Sistema prisional: um raro ponto de consenso
Em um dos poucos pontos de convergência, tanto o governo quanto o relator mantêm a exigência de autorização judicial para gravação de visitas prisionais e preservam o sigilo entre advogados e clientes, com supervisão de um juízo especializado.
A regra garante que nenhuma conversa entre preso e defensor seja monitorada sem ordem judicial expressa e comunicação à OAB.
Retórica política e reação do governo
Derrite rebatizou o texto como "Marco Legal do Combate ao Crime Organizado no Brasil" e incluiu um artigo simbólico:
"As facções criminosas são inimigas do Estado brasileiro."
Para o governo, o tom do relatório é mais político que técnico. Assessores do Ministério da Justiça afirmam que o parecer "transforma uma política de Estado em um manifesto policial" e pode gerar insegurança jurídica ao aproximar criminalidade comum do conceito de terrorismo.
O que foi preservado
Apesar das divergências, alguns pilares do projeto original foram mantidos:
Esses dispositivos aparecem nos dois textos, com pequenas variações de redação.
Próximos passos
A proposta deve ser votada pelo Plenário da Câmara ainda esta semana. O governo, contudo, resiste ao texto de Derrite. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu que o Marco Legal do Combate ao Crime Organizado seja tratado como pauta suprapartidária e de urgência nacional.
"Quando o tema é segurança, não há direita nem esquerda, há apenas o dever de proteger", disse o deputado, ao defender um debate "amplo, transparente e democrático". A declaração de Hugo foi resposta a críticas feitas por líderes governistas à indicação de Derrite, feita por ele, como relator do projeto.
"O relator Guilherme Derrite, secretário de Segurança de Tarcísio de Freitas, pré-candidato à Presidência, 'furtou' o texto do governo e o contaminou politicamente, transferindo-o para dentro da Lei Antiterrorismo e criando uma "equiparação funcional" entre facções e terrorismo, algo que o próprio projeto original evitava expressamente. Essa alteração desfigura o conteúdo técnico e transforma uma política pública nacional em instrumento de disputa eleitoral, desviando o propósito original do projeto", afirmou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
Derrite defendeu seu relatório. "Vamos trabalhar muito para que o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado seja uma resposta efetiva e resolutiva para os problemas que a população enfrenta, principalmente nas mãos de membros e lideranças das organizações criminosas. É hora de endurecer a lei, e não suavizá-la."