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O Estado de S. Paulo deste domingo afirma que o Banco Rural, apontado pelo Ministério Público Federal como "núcleo operacional financeiro" na denúncia do mensalão, deverá passar por um pente-fino dos procuradores da República. Eles estão atrás de supostas operações de lavagem de dinheiro conduzidas com a ajuda do banco nos últimos anos - especialmente as ligadas a políticos e grandes empresas que não participaram necessariamente do valerioduto. Segundo matéria assinada por Diego Escosteguy, as primeiras investigações do MP apontam para omissão do Rural ao comunicar essas operações sob suspeita.
Com base em documentos apreendidos pela Polícia Federal no banco e em comunicados de transações efetuadas com indícios de lavagem de dinheiro enviados pelo banco ao BC nos últimos três anos, os procuradores já detectaram saques em espécie acima de R$ 100 mil feitos diretamente ou por meio de empresas ligadas aos deputados Armando Monteiro (PTB-PE), João Lyra (PL-AL), Remi Trinta (PL-AL), Tatico (PTB-DF), Ênio Tatico (PTB-GO), Átila Lira (PSDB-PI) e Nice Lobão (PFL-MA), além dos senadores Edison Lobão (PFL-MA) e Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL).
Entre os clientes mencionados nos informes que o Banco Rural remeteu ao Banco Central, nos últimos três anos, o campeão de saques em dinheiro vivo entre os parlamentares é o deputado João Lyra (PTB-AL), pré-candidato ao governo de Alagoas e dono de cinco usinas no Estado.
Além de seguidas operações suspeitas em nome de uma das empresas de Lira, a Laginha Industrial, o Rural comunicou ao BC quatro saques em espécie feitos na conta pessoal do deputado entre 29 de outubro e 19 de novembro de 2004. No total, segundo os números enviados ao BC, o deputado João Lyra fez saques de R$ 810 mil nesse período. A maior retirada em espécie foi feita no dia 29 de outubro, no valor de R$ 400 mil.
Por meio da sua assessoria, o deputado João Lyra confirmou ao
Estado os saques. "Os recursos destinavam-se a gastos pessoais com a família e com mobiliário", informou a assessoria, garantindo que as transações foram declaradas no seu Imposto de Renda.
A assessoria acrescentou que o dinheiro tinha como origem "dividendos" das empresas de Lyra, um dos maiores empresários de Alagoas. Questionada sobre a razão de os "gastos pessoais" de R$ 810 mil terem sido feitos em dinheiro, a assessoria disse apenas que "o deputado tem família grande".
Outros comunicados do Rural também mostram operações suspeitas realizadas em empresas do pai e do irmão do presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), o deputado Armando Monteiro, pré-candidato ao governo de Pernambuco. O banco registrou R$ 49,9 milhões em saques em espécie da Zihuatanejo do Brasil Açúcar e Álcool Ltda. e R$ 3,4 milhões em retiradas suspeitas da Destilaria Gameleira, ambas pertencentes a Eduardo Monteiro, irmão do deputado. Segundo o Ministério do Trabalho, a Gameleira usava mão-de-obra escrava em suas dependências - o que a empresa nega.
Armando Monteiro negou qualquer relação com os saques. "O deputado não tem conta no Rural e as transações são operações mercantis e empresariais de empresas do pai e do irmão dele", informou sua assessoria.
Outra usina apontada nos comunicados do Rural sobre transações suspeitas é a Seresta, em Alagoas. Ela pertence à família do senador Teotônio Vilela Filho, pré-candidato ao governo alagoano, assim como João Lyra. O comunicado 50145868 do Rural aponta um saque de R$ 122.270 em nome da empresa, no dia 21 de novembro do ano passado. A usina informou ao banco que o dinheiro se destinava ao "reforço de caixa e a pagamentos diversos".
O senador alagoano informou que não trabalha na Usina Seresta há 20 anos, mas disse que o diretor da empresa, Elias Vilela, seu irmão, não se lembra do saque de R$ 122 mil. "Acho estranho o Banco Central considerar suspeita a operação e não procurar a usina para esclarecer", reclamou.
Filho do senador Edison Lobão e da deputada Nice Lobão, Luciano Lobão aparece nos arquivos como beneficiário de um saque feito na conta da empresa Hytec Construções e Terraplenagem, de Imperatriz (MA), base eleitoral da família. Segundo as informações do Rural, ele sacou R$ 145 mil no dia 3 de março de 2004. Luciano é sócio do pai na TV Difusora, retransmissora do SBT em Imperatriz.
Luciano Lobão afirmou que os recursos sacados destinavam-se a "gastos pessoais". "Sou dono da empresa e está tudo declarado no IR", garantiu.
O deputado Remi Trinta, por sua vez, sacou R$ 150 mil de sua conta no dia 14 de setembro de 2004, e informou ao banco que o dinheiro se destinava "à aquisição de gado". Por meio de seu gabinete, ele disse que não se lembra desse saque, mas que tem o costume de retirar valores altos. "Só quem pode explicar esse saque é o gerente do deputado, lá em São Luís", afirmou a assessoria.
Em 1º de outubro de 2004, houve um saque de R$ 200 mil em Brasília na conta da Itatico Comércio de Alimentos, empresa do deputado Tatico e de seu filho, deputado Ênio Tatico, ambos do PTB. Raul Ornellas, advogado dos deputados Tatico e Ênio Tatico, disse que o saque de R$ 200 mil na conta da empresa Itatico se referia a pagamento de fornecedores. "O deputado é dono de supermercado e faz saques grandes rotineiramente, para pagar fornecedores".
Das transações ligadas a parlamentares, a mais antiga foi registrada em 10 de novembro de 2003, em nome da Associação Teresinense de Ensino, mantenedora da Faculdade Santo Agostinho. A instituição pertence oficialmente à irmã do deputado Átila Lira e autorizou saque de R$ 130 mil no Rural. Segundo o comunicado 30039512, a associação informou que o dinheiro seria destinado à folha de pagamento.
Por fim, o gabinete do deputado
Átila Lira afirmou que o parlamentar "não tem qualquer relação com o saque e não possui sociedade na faculdade mantida pela irmã."
O Banco Rural afirmou, por e-mail, que jamais fez operações fraudulentas e tentou evitar que terceiros as fizessem . "Todos os mecanismos prudenciais necessários foram adotados visando evitar que terceiros pudessem usar o Rural de má-fé", informou.