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Congresso em Foco
10/1/2006 | Atualizado às 17:20
Edson Sardinha*
Estrela da maior conquista eleitoral do PT até a eleição de Lula, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) acusa o ex-partido de aparelhar a máquina federal e de confundir a estrutura partidária com o governo. Longe há nove anos da legenda que ajudou a fundar, em 1980, a ex-prefeita de São Paulo responsabiliza a cúpula do PT pela atual crise e prega o rompimento do PSB com Lula caso o governo não mude, de imediato, a condução da política econômica.
"Nenhum partido pode aparelhar governo. Eu acho que existe esse aparelhamento no governo federal. Tentou-se fazer isso na minha época, mas, pelo menos na minha prefeitura, nós não permitimos. É preciso ter o apoio partidário, mas tem que haver uma separação clara entre governo e partido", diz a socialista nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
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Com 33% dos votos válidos, Erundina surpreendeu o país em 1988 ao derrotar o ex-prefeito Paulo Maluf na disputa pela prefeitura da segunda maior cidade da América Latina, num prenúncio da ascensão do PT no cenário nacional - um ano antes de Lula chegar ao segundo turno da eleição presidencial. Durante sua gestão (1989-1992), a então prefeita enfrentou uma queda-de-braço dentro do próprio partido, em novo indício da crise que se instalaria no Palácio do Planalto uma década depois.
"Já havia, naquela época, a sinalização de contradições entre o partido e os seus governos. Isso não era só com a prefeitura de São Paulo, não. Todas as prefeituras do PT enfrentavam muita dificuldade nessa relação. Já se percebia uma tendência de confundir governo com partido", afirma a deputada.
As divergências de Erundina com o PT se acentuaram em 1993, quando a ex-prefeita aceitou, à revelia do partido, o convite do então presidente Itamar Franco para assumir a Secretaria da Administração Federal. Ainda assim, permaneceu na legenda até 1997, logo após ser derrotada pelo então malufista Celso Pitta na disputa pela capital paulista.
Frustração
Em 2002, a deputada desafiou a cúpula do PSB exatamente para apoiar Lula já no primeiro turno, apesar de o seu partido ter lançado à sucessão presidencial o ex-governador do Rio Anthony Garotinho. "Não esperava milagres, rupturas, 10 milhões de empregos criados, conforme foi prometido, triplicação do salário-mínimo, enfim, metas retóricas. Mas não era isso que me colocava numa expectativa positiva em relação a um futuro governo Lula e o PT", conta. Erundina diz que não se frustrou com Lula, mas com a falta de avanços sociais e de diálogo do atual governo com a sociedade.
Hegemonia paulista
A nove meses das eleições presidenciais, Erundina alerta Lula para o risco de isolamento político caso o governo não acelere a aplicação dos investimentos federais. "Se o governo Lula não se atentar para isso e não apresentar algum resultado com relação a isso, vai ter muita dificuldade de garantir o segundo mandato." Paraibana radicada em São Paulo há 35 anos, Erundina também condena o que classifica como hegemonia paulista na política nacional.
"Claro que reconheço a importância estratégica, política e econômica de São Paulo. Mas são agudas as desigualdades regionais e isso tem de ser resolvido do ponto de vista político. Politicamente, o governo Lula repetiu o governo Fernando Henrique Cardoso, com a hegemonia paulista-paulistana", critica. Em 2004, Erundina tentou voltar à prefeitura de São Paulo. Com pouco mais de 3% dos votos, recusou-se mais uma vez a seguir a orientação partidária e declarar apoio, no segundo turno, à então prefeita Marta Suplicy, candidata à reeleição. Entre Serra e Marta, Erundina preferiu o silêncio.
Congresso em Foco - As últimas pesquisas de opinião indicam que o presidente Lula perderia a disputa se a eleição fosse hoje. A senhora acha que, a menos de um ano das eleições, esses números confirmam que o presidente foi atingido irremediavelmente pela crise?
Luiza Erundina - É uma sinalização de que está se acentuando a insatisfação com o governo. Isso deve merecer da parte do presidente e dos partidos que o apóiam alguma alteração no rumo do governo. Até os indicadores econômicos que, até setembro, mereciam elogios da crítica dos jornalistas econômicos, hoje provocam insatisfação e insegurança. Por outro lado, você tem uma ausência total de políticas sociais, a não ser o Bolsa-Família, que atende a mais de 11 milhões de famílias, mas que não passa de uma medida ineficaz do ponto de vista de promover a independência das pessoas. São medidas compensatórias dos efeitos negativos dessa política econômica que têm o vício de exatamente deixar as pessoas dependentes em relação a esse tipo de ajuda.
Se o governo não mudar o rumo da política econômica nos próximos meses, a tendência é o PT ficar isolado este ano?
Até agora, a base aliada na Câmara vem se mantendo fiel ao governo em relação a algumas questões. Mas não há um apoio orgânico e sistemático o tempo todo. Pela forma com que essa base se comporta, não há garantia de que esses partidos vão se manter fiéis ao governo ou apoiar o candidato Lula numa próxima eleição.
A definição desse cenário vai depender de que elementos?
Vai depender, a meu ver, da tendência da política econômica e da mudança de rumo, por exemplo, nos investimentos. O país se recente da falta de investimentos públicos em infra-estrutura, saneamento básico, habitação popular e infra-estrutura urbana. Políticas que prestigiariam o governo e corrigiriam distorções sociais. Se o governo Lula não se atentar para isso e não apresentar algum resultado com relação a isso, vai ter muita dificuldade de garantir o segundo mandato. A atual política do governo não é outra coisa senão a continuidade agravada e agudizada do governo Fernando Henrique Cardoso. Não acredito que um candidato do PSDB vá alterar essa política, a não ser pontualmente. Lamentavelmente, não há uma candidatura viável fora dessa polarização PT-PSDB. Essa falta de alternativas deixa uma certa perplexidade na sociedade. Os indicadores de desenvolvimento (em 2005) são ridículos, inferiores inclusive aos do ano anterior e aos dos demais países do Cone-Sul. No outro pólo, há o PSDB, que simplesmente disputa o poder. Não é uma disputa de projetos que possam se diferenciar um do outro. Tenho ouvido pessoas de todo país, sobretudo aqui da Câmara, que dizem: bem, em quem vamos votar? Essas duas alternativas não prometem ser uma saída para o que o país está vivendo.
A senhora vê espaço para uma outra candidatura fora dessa polarização?
Eu acho que sim, se surgir uma proposta em torno de um nome minimamente viável e com um projeto realista. Não adianta ser um discurso sem viabilidade, sem realismo. É preciso estabelecer pontos programáticos em torno das questões estruturais que ainda não estão resolvidas, como a reforma tributária. Fazer uma revisão do pacto federativo para estabelecer um equilíbrio maior entre os três entes federativos. Precisamos de uma candidatura que pense o país estrategicamente e não só para quatro anos. Eu não descarto que apareça. No momento, não existe essa figura nem essa proposta.
Essa alternativa poderia ser o seu partido, o PSB?
Não dá para prever nomes. Quem sabe os partidos do campo democrático popular que fazem oposição ao governo - não essa oposição de direita - não podem viabilizar essa candidatura? O próprio PSB tem nomes e pode ser uma alternativa caso se junte ao PDT, o PV, o PPS, e suscite uma proposta de política econômica integrada a uma política social, com geração e distribuição de renda, reformas estruturais nos sistemas político, federativo e tributário e diálogo com a sociedade.
A senhora identifica alguma semelhança entre a crise por que passa o atual governo e as dificuldades que a senhora encontrou na época em que administrou São Paulo?
A verdade é que são dois momentos muitos distintos. Distintos, inclusive, em relação ao estágio do PT. Mas já havia, naquela época, sinalização de contradições entre o partido e os seus governos. Isso não era só com a prefeitura de São Paulo, não. Todas as prefeituras do PT enfrentavam muita dificuldade nessa relação. Já se percebia uma tendência de confundir governo com partido. São coisas distintas. Embora tenha o presidente entre os seus quadros, não pode haver uma fusão partido-governo.
Por quê?
Quando isso ocorre, dá no que deu. O partido, mesmo que esteja no governo, deve se preservar como uma outra instituição, até para ajudá-lo a ver a realidade e a repercutir como o governo chega à sociedade de uma forma mais independente. Essa dificuldade nós enfrentamos naquela época, com o partido, de certa forma, interferindo nas competências e nas prerrogativas de quem tinham um mandato. O governo não é do partido. É um governo da cidade, do Estado, do país, evidentemente comprometido com os compromissos desse partido. Mas não o contrário. O governo deve ter a linha programática, a orientação do partido, mas não se submeter a ele nem vice-versa. Do contrário, o partido se torna quase uma correia de transmissão do governo. E isso terminou não dando certo em São Paulo. Está aí a dificuldade. Nenhum partido pode aparelhar governo. Eu acho que tem esse aparelhamento no governo federal. Tentou-se fazer isso na minha época, mas, pelo menos na minha prefeitura, nós não permitimos. É preciso ter o apoio partidário, mas tem que haver uma separação clara entre governo e partido.
Que outro tipo de contradição a senhora vê entre o PT e o governo?
O partido tem uma proposta mais permanente e exclusiva enquanto partido. Como se elegeu numa chapa composta por uma força política de um campo ideológico-político antagônico (o PL), é difícil falarmos em um governo de coalizão. É um governo de um partido. Ele tem certas exigências e compromissos com as próprias forças e com o próprio Congresso. Nesse sentido, o PT ainda não amadureceu do ponto de vista de entender que partido é partido, e governo é governo. O PT poderia ter cumprido um outro papel até para ajudar o governo e evitar que certas coisas pudessem ter acontecido no curso desses anos no atual governo.
O senador Cristovam Buarque disse em entrevista ao Congresso em Foco recentemente que o governo Lula faz política de São Paulo e faz concessões para o resto do país. Segundo ele, há uma disputa dentro do governo entre petistas e São Paulo. A senhora concorda com essa avaliação?
Concordo. Há uma hegemonia paulista não só em relação a este governo. Tem sido uma tônica das políticas deste país. Claro que reconheço a importância estratégica, política e econômica de São Paulo. Mas são agudas as desigualdades regionais e isso tem de ser resolvido do ponto de vista político. Politicamente, o governo Lula repetiu o governo Fernando Henrique Cardoso, com a hegemonia paulista-paulistana, o que, a meu ver, não é bom para a democracia brasileira. Sem dúvida nenhuma, o governo Lula tem essa marca de ter trazido para o primeiro escalão um número muito grande de petistas paulistas que não estão, necessariamente, preparados para conduzir os rumos de ministérios e órgãos de governo complexos.
A senhora se decepcionou com a figura do presidente Lula?
Não. Jamais me decepcionei com a figura de Lula, mas com o governo dele. Eu o apoiei já no primeiro turno, embora o meu partido tivesse candidato próprio (Anthony Garotinho). Eu entendia que o PL poderia até estar na chapa, mas não como a segunda força. Os partidos de oposição na época resistiram a retirar as suas candidaturas - até porque eles diziam que essa proposta era um apoio automático à candidatura de Lula. Poderia até ser, porque Lula tinha mais densidade eleitoral. Mas seria diferente o Lula candidato por essas forças de oposição e de esquerda e com programa bancado e apoiado por elas. Teríamos um outro tipo de governo. Isso fez com que muita gente se decepcionasse. Eu me frustrei muito. Não esperava milagres, rupturas, 10 milhões de empregos criados, conforme foi prometido, triplicação do salário-mínimo, enfim, metas retóricas. Mas não era isso que me colocava numa expectativa positiva em relação a um futuro governo Lula e o PT. Era muito mais a mudança de gestão, a maneira de dialogar com a sociedade. Um governo com efetiva participação da sociedade civil organizada, com prioridades sociais.
E o que se vê hoje?
A situação da saúde, da educação, da habitação popular, do saneamento básico e da infra-estrutura urbana está calamitosa, porque não se investiu. Tudo é destinado ao superávit primário, para poder garantir o controle monetário e o pagamento de juros. O país destina diariamente R$ 600 milhões para pagar juros da dívida. Qual é a sociedade que consegue arrecadar tanto para - além de pagar esse volume criminoso de juros de uma dívida que o povo já pagou muitas vezes - ainda poder investir? Essa política não é boa para o país que cresce apenas 2% ao ano. Não chega a cobrir nem o crescimento vegetativo da força de trabalho economicamente ativa. Isso é grave, porque vai acumulando pessoas fora do mercado de trabalho, aquelas que estão sendo expulsas do mercado, e as que estão chegando não são absorvidas. Isso tudo deve ser objeto de debate com a sociedade na campanha eleitoral e discutido na perspectiva de buscar saídas e soluções que apontem na reversão desse quadro.
O PT, recentemente, aprovou uma resolução pedindo mudanças na política econômica no governo. A senhora acha que demorou muito o partido tomar essa decisão?
É evidente. Ainda é uma posição tímida. Pediram desculpas, não estão criticando o governo. Como não? O partido que tem a responsabilidade de governar o país não pode ficar inibido de publicizar a sua posição. Para ajudar o governo, deveria ser o oposto. O PT teria de ter feito isso há muito mais tempo - não no sentido de criar dificuldades como a oposição de direita faz. Deveria ter assumido uma posição conseqüente e responsável no sentido de ajudar o governo a caminhar na direção dos compromissos assumidos na origem da sua eleição.
Sem essa mudança de política econômica, a senhora prevê um cenário de isolamento do PT no governo e a não-reeleição do presidente Lula?
O cenário eleitoral, partidário e político, este ano, vai ser diferente daquele das últimas eleições. O voto, desta vez, vai se dar de maneira muito mais exigente. O próprio processo eleitoral deve se dar em outras bases. Qualquer manifestação de excesso de riqueza nas campanhas eleitorais vai afastar os eleitores - o que vai beneficiar evidentemente aquelas candidaturas que se mantiverem fiéis aos seus compromissos éticos. Acredito que haverá um salto de qualidade nas próximas eleições. Mas é um quadro muito complexo. Certamente a Justiça Eleitoral vai ser muito mais rigorosa no cumprimento da legislação. Na minha avaliação, não vai cair a verticalização, porque não interessa aos grandes partidos. Não houve espaço nem mesmo para uma reforma política parcial. Lamentavelmente, a eleição vai se dar nos marcos da legislação que está dada aí. Espero que o comportamento dos eleitores, dos partidos e da opinião pública como um todo determine mudanças importantes para 2006.
*Colaborou Ricardo Ramos
Temas
Tentativa de Golpe