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Reforma tributária
22/9/2025 16:00
A aprovação da Reforma Tributária no Congresso Nacional trouxe alívio para quem defende um sistema mais simples e eficiente. Mas, como sempre, as entrelinhas carregam pontos de atenção que passam despercebidos. Um deles diz respeito à chamada cidadania fiscal e solidária. Esse mecanismo, que permite que cidadãos repassem documentos fiscais de consumo para organizações da sociedade civil (OSCs), corre o risco de ser diminuído pela nova legislação.
No primeiro desenho do PLP 108, o repasse previsto era de apenas 0,05% da arrecadação dos novos tributos geridos pelo Conselho Gestor do IBS. Parece técnico, mas não é. Esse valor representaria menos do que já praticam 19 estados brasileiros em programas semelhantes, como a Nota Fiscal Paulista, e ameaça reduzir drasticamente os recursos disponíveis para iniciativas que financiam ações de saúde, assistência social, cultura, educação e garantia de direitos. A proposta da senadora Mara Gabrilli, que buscava ampliar esse percentual para 0,50% por meio da emenda 1462 , não havia entrado no texto do que se tornou a Lei 314/2025.
Diante desse cenário, mais de 400 organizações de São Paulo e de outras regiões assumiram o que deveria ser também uma responsabilidade do Estado: esclarecer, articular e pressionar. Durante meses, realizaram campanhas de letramento, elaboraram materiais explicativos, ocuparam gabinetes em Brasília. Em resumo, colocaram o tema na agenda.
O resultado da mobilização saiu na última semana: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na manhã de quarta-feira (17), o 2º projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária (PLP 108 de 2024), que respeita a autonomia federativa, e deixa em aberto o percentual a ser destinado para a cidadania fiscal e solidária, o que deixa aos estados e municípios a decisão sobre o percentual a ser destinado para o recurso. Além disso, o texto, que agora vai à votação no plenário do Senado na próxima terça-feira (30), garante isenção de imposto à compra de carros para a população PcD, atualiza o valor do veículo para R$100.000,00 e diminui para 3 anos o tempo de permanência com o veículo.
Esse movimento revela um traço essencial da democracia brasileira contemporânea: sem pressão organizada, reformas estruturais tendem a nascer capengas, ignorando justamente os dispositivos que poderiam ampliar direitos e fortalecer vínculos entre cidadãos e Estado. O risco de desmontar programas de cidadania fiscal não é uma falha acidental; é reflexo da miopia de quem ainda enxerga a sociedade civil como acessório, e não como ator central no desenho de políticas públicas.
Não é a primeira vez que isso acontece. Da agenda ambiental à luta por direitos humanos, passando pela defesa do SUS, foram sempre organizações sociais, coletivos e movimentos que souberam impor urgência a questões negligenciadas.
O caso da cidadania fiscal é emblemático porque mostra como algo aparentemente "técnico" é, na prática, profundamente político. Estamos falando de sobrevivência de programas que chegam antes de muitas políticas públicas, ou caminham lado a lado com elas. O percentual de repasse pode determinar se projetos sociais que atendem tantos "Brasis" - invisíveis ou desafiadores demais às políticas públicas formais - continuarão existindo como projetos de resistência. Quando o Congresso reduz esse valor a quase nada, o recado é claro: não há conhecimento da realidade brasileira, sendo fundamental ampliar o campo de visão a essas lentes. É preciso que a sociedade faça barulho para que possam virar o rosto para esses Brasis. E, mais que isso, para que possam escutá-los.
É justamente nesse ponto que a sociedade civil cumpre um papel insubstituível. Ao traduzir tecnicalidades em narrativas acessíveis, ao ocupar espaços de decisão, ao insistir em encontros e debates, as organizações demonstram que mais do que defender recursos, as políticas públicas só fazem sentido quando estão a serviço da população, e não do ajuste fiscal a qualquer custo.
O recado, portanto, não é apenas para a atual Reforma, mas para qualquer debate que venha: ou a sociedade civil impõe urgência às pautas fundamentais, ou elas seguem relegadas ao rodapé das prioridades oficiais.
E é exatamente isso que vemos agora: mais de 400 organizações através de um Movimento de Cidadania Fiscal e Solidária - MACFS, mostram que não basta esperar pela boa vontade do governo. É preciso insistir, educar, pressionar e, quando necessário, colocar o pé na porta. Só assim teremos uma Reforma Tributária que não se limite a reorganizar tributos, mas que de fato reforce os laços de cidadania que sustentam a democracia.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].