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Energia
6/11/2025 13:00
Mesmo com mais de 85% de geração limpa em sua matriz elétrica, o Brasil ainda convive com tarifas elevadas e um estoque de subsídios que se multiplicou ao longo dos anos. A Medida Provisória nº 1.304 foi apresentada ao Congresso com um objetivo social claro: conter a escalada de custos e proteger os consumidores, especialmente os de baixa renda. No entanto, a versão final aprovada incorporou dispositivos que se distanciaram desse propósito - movimento formalizado no relatório final da relatoria - e manteve assimetrias pouco compatíveis com a eficiência do sistema.
Durante a tramitação, chegou a constar em versões preliminares a proposta de cobrar R$ 20 a cada 100 kWh compensados da geração distribuída (GD), o que penalizaria microgeradores residenciais e pequenos comércios. Após ampla mobilização técnica do setor, a redação final retirou essa cobrança para a microgeração com autoconsumo local - um avanço pontual para a energia solar de telhado. Ainda assim, o episódio expôs a fragilidade regulatória do debate: em vez de reconhecer integralmente os benefícios líquidos da GD - como a redução de perdas, o alívio de rede, a geração de empregos e a dinamização industrial -, a discussão volta e meia recai sobre novas barreiras a quem investe com recursos próprios em energia limpa.
O relatório final também ampliou o escopo da MP ao incluir dispositivos relacionados ao gás natural e à gestão de recursos do pré-sal, como mecanismos de financiamento de gasodutos e alterações na atuação da estatal que administra os contratos do pré-sal. Essas inserções - ausentes no texto original encaminhado pelo Executivo - redirecionaram parte do esforço normativo para agendas sem relação direta com a proteção tarifária imediata do consumidor. É importante registrar que o desvio de foco ocorreu no âmbito da relatoria, sem necessidade de personalizar críticas a parlamentares específicos.
Em paralelo, avança a tentativa de socializar custos sistêmicos não planejados, como os ressarcimentos por cortes compulsórios de geração (curtailment) em usinas eólicas e solares - medidas com impacto relevante sobre a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Quando não são precedidas de avaliação regulatória robusta, decisões desse tipo acabam transferindo riscos ao consumidor final e desestimulando tecnologias essenciais à descarbonização e à segurança do abastecimento.
Há, ainda, uma lacuna essencial: o setor elétrico segue sem um "encontro de contas" transparente que permita valorar de forma precisa a contribuição real da geração distribuída. Enquanto os benefícios sistêmicos - sobretudo nos centros urbanos - não forem devidamente quantificados, a política pública continuará vulnerável a soluções de curto prazo e a injunções setoriais que frequentemente oneram o usuário sem enfrentar as causas estruturais do custo da energia.
Como presidente do Instituto Nacional de Energia Limpa (INEL), defendi nas audiências o princípio da neutralidade concorrencial: subsídio zero para todos, com regras estáveis, previsíveis e que assegurem um ambiente competitivo equilibrado. A proteção ao cidadão/gerador, aquele que reduz perdas, moderniza o parque elétrico e promove a democratização energética, não deve ser tratada como exceção - e sim como parte do núcleo de uma política de Estado.
A MP 1.304 evitou uma penalidade explícita aos microgeradores, mas deixou sinais de que a arquitetura regulatória permanece permeável a inserções que distorcem seus objetivos originais. É preciso recentralizar a agenda energética na eficiência, na competição leal e na justiça tarifária, com prioridade às fontes limpas, descentralizadas e de investimento privado nos telhados - um caminho que o Brasil deve proteger a todo custo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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