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Constituição

A inconstitucionalidade da "Lei das Bets" e o paradoxo da Caixa Econômica Federal como operadora estatal de apostas

Ao estimular uma atividade reconhecidamente nociva à saúde mental e financeira, o poder público fere princípios constitucionais e se distancia de sua missão de proteger o cidadão.

Larissa Matos

Larissa Matos

6/11/2025 10:00

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A chamada "Lei das Bets" (Lei nº 14.790/2023), que regulamenta a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa no Brasil, não condiz com os compromissos estabelecidos pela nossa Constituição Federal de 1988* em relação aos princípios que estruturam a República. A norma legitima e amplia a exploração de uma atividade que, na prática, estimula o vício, o adoecimento psíquico e a desorganização econômica de famílias inteiras. Segundo dados do Banco Central de abril deste ano, os apostadores destinaram até R$ 30 bilhões por mês a bets.

Trata-se de uma legislação que afronta os valores fundantes da Constituição Federal de 1988, especialmente a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o valor social do trabalho (art. 1º, IV), a promoção da saúde como direito fundamental (art. 6º e 196) e a busca do bem-estar coletivo como objetivo da República (art. 3º, IV).

Compreendo que o compromisso do Estado brasileiro, consagrado na Constituição Federal de 1988, é com o cidadão, sua dignidade, sua felicidade, sua vida e sua saúde. Tanto é que o art. 6º da CF/88 assegura a saúde como direito social fundamental, e o art. 196 impõe ao Poder Público o dever de adotar políticas que reduzam o risco de doenças e outros agravos.

Assim, ao estimular a prática de apostas, cuja natureza viciante/patológica é amplamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas Nações Unidas, o Estado viola o pacto constitucional de promoção do bem-estar, substituindo a proteção pelo incentivo ao risco, pois as chamadas bets promovem dependência, concentração de riqueza (nas mãos de poucos), perdas, dores e sofrimentos, especialmente para a camada mais pobre da população.

Logo, ao legitimar um modelo econômico fundado no azar, o Estado se distancia de sua missão constitucional de garantir condições para que as pessoas vivam com autonomia, saúde e felicidade (valores que compõem o núcleo essencial da dignidade humana) para promover práticas que geram dependência e destruição (de famílias, de pequenos negócios, de postos de trabalho...). Inclusive, estudantes já deixam de frequentar Universidades em razão do endividamento.

Portanto, entendo que do ponto de vista constitucional, a "Lei das Bets" padece de vícios insanáveis, uma vez que o Estado estimula condutas contrárias à saúde pública, em desacordo, especialmente, com o art. 196 da CF/88, que impõe ao Poder Público o dever de garantir políticas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos.

Ademais, o mesmo Estado que criminaliza condutas socialmente perigosas, bem como regula a publicidade de bebidas e cigarros, passa a estimular comportamentos de risco (financeiro, psicológico, de vida e de saúde) que nenhuma arrecadação fiscal consegue conter, compensar ou minimizar, pois ainda que a arrecadação formalmente se equiparasse aos gastos com fiscalização e tratamento de dependentes, a dívida social permaneceria impagável, uma vez que o vício em apostas, reconhecido como transtorno de saúde pela OMS, corrói o núcleo familiar, fomenta o endividamento e compromete a produtividade laboral, violando o dever estatal de garantir a saúde (art. 196), a proteção à família (art. 226), o valor social do trabalho (art. 1º, IV) e o bem-estar de todos (art. 3º, IV).

Ao legitimar o vício e o endividamento, o Estado abandona sua função protetiva e converte a política pública em instrumento de exploração social.

Ao legitimar o vício e o endividamento, o Estado abandona sua função protetiva e converte a política pública em instrumento de exploração social.Pedro Ladeira/Folhapress

O próprio Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de Saúde Mental e de Prevenção e Redução de Danos do Jogo Problemático, composto pelos Ministérios da Fazenda, da Saúde, do Esporte e pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, reconheceu expressamente que a exploração das apostas demanda regulação rigorosa e políticas públicas integradas de proteção à saúde mental e à economia popular.

No relatório final, publicado em setembro de 2025, o GTI apresentou um plano de ação nacional com medidas de prevenção, redução de danos e assistência aos apostadores, incluindo o desenvolvimento de uma plataforma de autoexclusão centralizada, que permitirá ao cidadão bloquear seu CPF de todos os sites de apostas licenciados, impedindo novos cadastros e o recebimento de publicidade. O documento também prevê a qualificação de 20 mil profissionais do SUS para atendimento de pessoas com transtorno do jogo, a criação de diretrizes mínimas de atendimento ao apostador, o uso de autotestes padronizados de saúde mental, e campanhas educativas sobre integridade esportiva e manipulação de resultados.

Só disso já se extrai a gravidade do problema, bem como se nota o desequilíbrio entre o lucro privado e o custo público. Enquanto as plataformas de apostas acumulam lucros bilionários, é o Estado (e, portanto, toda a sociedade) quem arca com os ônus sociais, econômicos e sanitários decorrentes do vício e do endividamento. A máxima jurídica segundo a qual "quem aufere o bônus deve suportar o ônus" simplesmente se esvai nesse contexto, pois o bônus fica concentrado nas mãos das casas de apostas, enquanto o ônus é distribuído ao erário, às famílias e ao sistema público de saúde.

Portanto, causa perplexidade cogitar que um banco público, como a Caixa Econômica Federal (CEF), instituição centenária cuja missão institucional sempre esteve associada à inclusão social, à habitação popular e ao fomento do desenvolvimento nacional, se envolva na promoção de bets.

Ao ingressar nesse mercado, a Caixa abandona sua vocação histórica de agente social e se converte em um instrumento perverso de transferência regressiva de renda, ao captar recursos das camadas mais pobres da população e, assim, legitimar um modelo econômico que explora o desespero, a ilusão e o adoecimento.

Até porque, em termos práticos, quem realmente ganha nas apostas, de forma massiva e expressiva, são apenas os donos das casas e das plataformas digitais. O restante da população, em especial os mais pobres, ficam a ver navios.

E, nessa dinâmica, parte expressiva (ou total) da renda das famílias brasileiras, antes destinada ao consumo de bens e serviços locais (ex.: restaurantes, comércio de bairro, vestuário, turismo, lazer etc.), passa a ser drenada para plataformas virtuais, muitas delas sediadas fora do país, numa transferência de recursos que reduz a circulação de dinheiro nas economias regionais, enfraquece o pequeno empreendedor, o prestador de serviços e o setor de turismo, comprometendo o desenvolvimento local.

Em municípios cuja base econômica depende fortemente do serviço público e do turismo, a exemplo da cidade de Natal, o impacto é ainda mais severo. Logo, em vez de fortalecer o tecido econômico e social das cidades, o Estado, ao legitimar esse modelo, contribui para a centralização da riqueza nas mãos de poucos operadores, contrariando os princípios constitucionais da função social, da redução das desigualdades e da valorização do trabalho humano.

Desse modo, perdemos todos, exceto os donos da bets.

*Inclusive, tramita no STF a ADI 7721/DF, de relatoria do Min. Luiz Fux, cujo requerente é a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), bem como a ADI 7723/F, de mesma relatoria, ajuizado pelo partido Solidariedade.


Referências

BRASIL. Ministério da Fazenda. Grupo de Trabalho de Saúde Mental e de Prevenção e Redução de Danos do Jogo Problemático publica relatório com plano de ação. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2025/setembro/grupo-de-trabalho-de-saude-mental-e-de-prevencao-e-reducao-de-danos-do-jogo-problematico-publica-relatorio-com-plano-de-acao. Acesso em: 25 out. 2025.

EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO (EBC). Pesquisa mostra que gastos com jogos online atrasam os estudos. Repórter Brasil Tarde, 2025. Disponível em: https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil-tarde/2025/07/pesquisa-mostra-que-gastos-com-jogos-online-atrasam-os-estudos. Acesso em: 25 out. 2025.

FERNANDES, Hudson; CORREA, Henrique. Vício em "bets" e jogos de aposta online afetam famílias, mercado de trabalho e economia. Inter TV Grande Minas, G1, 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/grande-minas/noticia/2025/04/05/vicio-em-bets-e-jogos-de-aposta-online-afetam-familias-mercado-de-trabalho-e-economia.ghtml. Acesso em: 25 out. 2025.

MATOS, Larissa; KROST, Oscar. Impactos de Apostas Online no Direito do Trabalho. Leme-São Paulo: Mizuno, 2025.

MÁXIMO, Wellton. Apostadores destinam até R$ 30 bi por mês a bets, informa BC: presidente Galípolo e técnicos falaram à CPI no Senado. Agência Brasil, 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-04/apostadores-destinam-ate-r-30-bi-por-mes-bets-informa-bc. Acesso em: 25 out. 2025.

MÁXIMO, Wellton. Beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bi em bets em agosto: Banco Central divulgou dados a pedido de senador Omar Aziz. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-09/beneficiarios-do-bolsa-familia-gastaram-r-3-bi-em-bets-em-agosto. Acesso em: 25 out. 2025.

NAÇÕES UNIDAS. Classificação de doenças da OMS inclui dependência de videogame e apostas. ONU News (PT), 24 out. 2025. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2025/10/1851328. Acesso em: 25 out. 2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Gaming disorder. Disponível em: https://www.who.int/standards/classifications/frequently-asked-questions/gaming-disorder. Acesso em: 25 out. 2025.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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