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Gisele Agnelli
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Liberdade de imprensa
19/9/2025 16:00
Thomas Jefferson, em Paris, 1787: "Se me fosse dado decidir entre um governo sem jornais e jornais sem governo, não hesitaria um instante em preferir o último." Não é um elogio romântico à imprensa, é uma regra de engenharia institucional. Sem jornalismo, não há opinião pública; sem opinião pública, governo algum é republicano. Jefferson está dizendo que a liberdade de imprensa não é ornamento, é infraestrutura de soberania popular.
Corta para os Estados Unidos, 2025. O trumpismo redefiniu o jornalismo como inimigo. Não é só retórica ("enemy of the people"); é método de poder: assédio judicial a críticos, retaliações administrativas, uso instrumental de leis e de plataformas para sufocar dissenso, e a transformação do ecossistema informacional em campo de batalha. A lógica é simples: se você controla as condições de circulação dos fatos, controla o próprio horizonte do possível. Maria Ressa já resumiu: sem fatos não há verdade, sem verdade não há confiança, sem confiança não há democracia.
Jefferson sabia que jornais são caóticos, parciais, às vezes injustos. Ainda assim, preferiu "jornais sem governo" porque compreendeu algo que o trumpismo recusa: o custo do erro do jornalismo é correção pública; o custo do erro do Estado que cala o jornalismo é autoritarismo. A má imprensa se combate com mais imprensa, com contraditório, com transparência.... não com mordaça oficial.
O trumpismo introduziu um mecanismo de coerção devastador: litígios estratégicos de valores proibitivos. Processos de 15 milhões de dólares contra o New York Times já seriam brutais para a mídia mainstream; para veículos menores, independentes, são simplesmente sentenças de morte financeira. Esse tipo de lawfare gera o chamado chilling effect: redações passam a autocensurar investigações, suavizar críticas ou evitar certas coberturas por medo de bancarrota judicial. O processo não precisa ser vencido para ser eficaz, o custo já é punição. É a versão judicializada da censura prévia: petições milionárias no tribunal.
Outro flanco é o regulatório. O caso Jimmy Kimmel mostrou como a FCC (Federal Communications Commission) foi usada como instrumento de intimidação. A pressão sobre a Disney/ABC e suas afiliadas não era apenas uma disputa cultural; era um recado: licenças de transmissão, vitais para a sobrevivência de qualquer emissora, poderiam ser revistas caso a linha editorial não fosse "corrigida".
Grandes conglomerados, como a Disney, ainda têm fôlego para resistir; já afiliadas locais vivem sob ameaça permanente. O resultado é a moderação preventiva: piadas cortadas, críticas suavizadas, temas evitados. O medo regulatório silencia sem precisar decretar censura formal.
Há quem responda com um falso equilíbrio: "mas a polarização é de ambos os lados". Essa simetria confortável ignora a assimetria de meios. Chamar um colunista de injusto não é o mesmo que mobilizar o aparato estatal ou o judiciário como arma de guerra política, para punir adversários. Quando vistos são revogados por opinião, quando sanções e tarifas viram arma de pressão política, quando veículos enfrentam litígios ou riscos regulatórios que podem destruí-los financeiramente, não estamos diante de uma querela de narrativas; estamos diante da captura do Estado para fins faccionais. Jefferson nos lembraria que um governo que teme jornais é um governo que teme o povo, e que, ao temer o povo, prepara-se para substituí-lo.
Se a democracia é o regime em que perdedores aceitam perder e críticos podem falar, o teste não é quando concordamos, mas quando toleramos o intolerável de ouvir. Jefferson preferiu arriscar-se ao barulho do jornalismo. O trumpismo prefere o silêncio da unanimidade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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