Nem mesmo as mudanças negociadas entre o governo e o presidente da Câmara vão impedir a derrubada, em plenário, da medida provisória que eleva o imposto dos prestadores de serviço e dos produtores rurais (MP 232/04), adverte o presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, Ronaldo Caiado (PFL-GO).
"Mudança nenhuma contempla o setor. Isso é uma farsa, uma maquiagem muito mal feita", diz o parlamentar, um dos coordenadores da bancada ruralista na Câmara, frente composta por 170 dos 513 deputados. O artigo 6º do texto enviado pelo governo determina a retenção na fonte do Imposto de Renda, com base na alíquota de 1,5%, para os agricultores nas movimentações acima de R$ 1.164.
Após encontro na última quinta-feira (17) com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), anunciou que a MP 232 estava "quase toda extinta". Uma das mudanças aceitas pelo governo teria sido a ampliação do limite do Imposto de Renda para os produtores rurais nas transações até R$ 11.640.
"O produtor rural tem consciência de que em nada alivia (para ele) passar de R$ 1.164 para R$ 11.640 (o limite de isenção do Imposto de Renda). Isso em nada diminui a incidência do imposto, que vai atingir mais de 2,5 milhões produtores rurais", protesta Caiado.
Fundador da União Democrática Ruralista (UDR), movimento surgido em meados dos anos 1980 para tentar barrar as discussões sobre a reforma agrária na Constituinte, Caiado é conhecido pela virulência com que ataca os movimentos dos trabalhadores sem-terra e pela veemência com que defende o produtor rural no Congresso. Candidato a presidente da República em 1989 pelo PSD, obteve 488.846 votos (0,68% da votação válida) e se consolidou no cenário político nacional.
Admirador confesso do atual ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, é crítico contumaz do governo Lula. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Caiado acusa o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, de estimular as invasões de terra, e o Ministério do Meio Ambiente de transferir "grande parte do território brasileiro" a organizações não-governamentais estrangeiras.
Fiel ao estilo polêmico, afirma que a degradação do meio ambiente não é de autoria dos grandes exploradores, mas dos miseráveis, e que a intensificação dos conflitos no campo não diz respeito aos produtores rurais. "Isso é um problema do governo. Não é problema nosso", garante.
À frente da Comissão de Agricultura e Pecuária há três semanas, Caiado diz que o colegiado vai priorizar a busca de soluções para a crise que atinge o agronegócio, até então festejado como principal locomotiva da economia nacional. A alta dos custos da produção, a queda nos preços internacionais das commodities e a desvalorização do dólar atingiram em cheio o setor este ano.
Duas semanas atrás, o governo federal anunciou uma injeção de R$ 6 bilhões para o agronegócio em 2005. O pacote de medidas inclui a rolagem de dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a aplicação de recursos novos na comercialização da safra. "São medidas paliativas, com pouca repercussão. O presidente quer seccionar a agricultura", critica Caiado.
Congresso em Foco - Quais são as prioridades da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural para este ano?
Ronaldo Caiado - A comissão é abrangente, tem um foco amplo sobre assuntos que estão progredindo há vários anos na Casa. Sabemos de antemão da complexidade das votações e da necessidade de acordos para que essas matérias sejam pautadas no plenário. São temas como o Código Florestal, a Medida Provisória 232, a PEC (proposta de emenda à Constituição) do Trabalho Escravo e o projeto de lei da Mata Atlântica. Na questão da legislação trabalhista, é preciso dar mais flexibilidade para que o cidadão possa ter espaço para trabalhar, já que o setor rural é o que mais absorve mão-de-obra ativa no país. É preciso retirar esses gargalos que impedem o produtor rural de absorver maior volume de trabalhadores. Alguns temas, porém, são emergenciais, como a crise que envolve a agricultura. Com a Selic (taxa básica de juros) em 19,25%, o dólar caindo e os nossos preços ficando defasados, o produtor rural é quem paga a conta, pois ele plantou toda a safra comprando os insumos a R$ 3,10 e é obrigado a vender sua produção hoje com o dólar a R$ 2,60.
"Estamos perplexos e atônitos com o esvaziamento do Ministério da Agricultura. É algo que diagnostico como decisão de um governo insensível com a agropecuária brasileira e que tem prestado grandes desserviços ao setor"
O Ministério da Agricultura está atento a essa questão?
Estamos perplexos e atônitos com o esvaziamento do Ministério da Agricultura. É algo que diagnostico como decisão de um governo insensível com a agropecuária brasileira e que tem prestado grandes desserviços ao setor. Num primeiro momento, ele tenta dividir o setor produtivo brasileiro: a agricultura empresarial é tratada numa área do governo; a agricultura familiar é tratada em outra. O ministro da Agricultura (Roberto Rodrigues) é o mais competente do governo - isso é público, ele é reconhecido como o homem mais preparado para defender a agropecuária brasileira. O que se nota, porém, é um processo de tentar cindir, mais do que nunca, e afastar, cada vez mais, esses segmentos que são, na verdade, um só. O trabalhador, o produtor rural - pequeno, médio ou grande - precisa de respaldo do Ministério da Agricultura.
A política econômica está comprometendo esse respaldo?
Isso é mais política ideológica. O problema é que ela influencia na área de repasse. O agronegócio empregou 34% de toda a mão-de-obra e possibilitou um superávit à balança comercial brasileira de mais de US$ 34 bilhões. O agronegócio sozinho produziu resultado superior a todo o superávit global do país. Apesar de toda essa importância, o governo federal repassa à agricultura um orçamento para investimento de R$ 68 milhões, uma verba para o gabinete do ministro de R$ 150 mil, o que não dá pra encher o tanque do Airbus do Lula. Para toda a área de controle fitossanitário estão previstos apenas R$ 37 milhões. Não há como o agronegócio continuar competitivo sem a mínima condição de controle sanitário para nossos produtos, sem incentivo para pesquisa, nem pessoas tecnicamente qualificadas para atender a demanda do setor produtivo primário, que expande cada vez mais.
"Lula não levou proposta (aos agricultores que sofrem com a seca no Sul), apenas disse que também foi vítima da seca. Isso não é discurso de presidente. É como se um médico dissesse que também já foi vítima de acidente"
O governo tem anunciado algumas medidas, como a rolagem de dívidas dos produtores rurais com bancos oficiais de fomento. Essas ações ajudam a amenizar a crise do setor?
São medidas paliativas, com pouca repercussão. O presidente quer seccionar a agricultura. Ele foi ao Rio Grande do Sul e fez uma triagem sobre os ouvintes. Só aqueles que foram receber um seguro chamado "ProAgro Mais" é que puderam entrar no estádio. Estava garantido ali o aplauso. A maioria dos agricultores do Rio Grande do Sul não teve acesso nem pôde participar. Lula não levou proposta, apenas disse que também foi vítima da seca. Isso não é discurso de presidente. É como se um médico dissesse que também já foi vítima de acidente. O cidadão quer alguém que tenha competência para curá-lo. Para o setor, num todo, o governo está propondo uma solução que seria o alongamento apenas das parcelas de investimento que estão vencendo este ano. O problema é que ele exige que isso ocorra caso a caso. Vamos solicitar ao presidente do Banco do Brasil (Rossano Maranhão) e ao vice-presidente de Agronegócio do BB, Ricardo Conceição, que não tomem essa decisão. Afinal, eles mesmos sabem que o Banco do Brasil não tem estrutura para avaliar caso a caso. Queremos que o governo tome uma atitude genérica.
É um compromisso da bancada ruralista? Os senhores não abrem mão disso?
Não é questão de abrir mão. É de justiça. Não dá pra deixar que o cidadão, com toda penúria que passa, fique na dependência subjetiva do gerente, que pode ou não gostar dele. Queremos que o governo, num primeiro momento, dê a todos a possibilidade de renegociar os investimentos. Naqueles casos que o Banco do Brasil achar necessário, que faça uma reavaliação. Mas tudo isso é muito pouco. O governo não tratou, por exemplo, da comercialização, da situação dos produtores que usaram outras fontes de financiamento, nem das regiões que sofreram dificuldade na comercialização.
"Mudança nenhuma (à MP 232) contempla o setor. Isso é uma farsa, uma maquiagem muito mal feita. A posição da bancada é trabalhar pela derrubada da Medida Provisória 232"
As mudanças anunciadas recentemente pelo presidente da Câmara, Severino Cavacanti (PP-PE), e pelo relator, deputado Carlito Merss (PT-SC), à MP 232/04 agradam à bancada ruralista na Câmara?
Mudança nenhuma contempla o setor. Isso é uma farsa, uma maquiagem muito mal feita. O produtor rural tem consciência de que em nada alivia (para ele) passar de R$ 1.164 para R$ 11.640 (o limite de isenção do Imposto de Renda). Isso em nada diminui a incidência do imposto, que vai atingir mais de 2,5 milhões produtores rurais que teriam seu imposto de renda retido, sem ter sequer necessidade de apresentar a declaração de imposto de renda, porque sua renda final não ultrapassa R$ 69 mil. A posição da bancada é trabalhar pela derrubada da Medida Provisória 232.
A bancada vai votar contra todo o texto da MP 232?
Sem dúvida.
"Nós não podemos mais ficar a mercê da vontade de um governo perdulário, que cada vez mais assaca contra o trabalhador e o produtor rural com essa orgia fiscal"
Vai rejeitar inclusive a correção da tabela do Imposto de Renda?
O reajuste do imposto de renda pode ser feito por projeto de lei. Não há necessidade de vir com uma medida provisória sinalizando com 10% de correção (da tabela), por um lado, e retirando bilhões e bilhões de reais do contribuinte em outra mão. Isso é uma farsa, um golpe. Nós não podemos mais ficar a mercê da vontade de um governo perdulário, que cada vez mais assaca contra o trabalhador e o produtor rural com essa orgia fiscal. Os gastos da Presidência da República nesses últimos dois anos estão subindo em média 163%. O gasto do gabinete do presidente Lula subiu de R$ 1 bilhão para R$ 2,5 bilhões. Algo inacreditável. Da mesma maneira, nunca se viu tanta contratação de cargos comissionados. Só nesses dois anos foram mais de 167 mil novos cargos. A população ainda tem de pagar? Ela não agüenta mais essa asfixia imposta pelo governo.
Com a desarticulação da base governista no Congresso neste início de ano, o senhor não vê chances de a MP 232 ser aprovada?
O governo tem sido extremamente inábil no campo político e econômico. O aumento da taxa Selic para 19,25% derruba ainda mais o dólar, aumenta a agiotagem e a penalização de quem produz e depende de investimentos. Não há razão para o governo contar com o apoio da Casa, já que ele está massacrando a população brasileira.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) anuncia um novo "abril Vermelho". Como o senhor analisa a intensificação dos conflitos no campo?
Isso é um problema do governo. Não é problema nosso.
"Há uma complacência, uma conivência do governo, do ministro Miguel Rossetto (do Desenvolvimento Agrário), que estimula todo o processo de invasão. É como se o setor produtivo primário tivesse a responsabilidade de arcar com a instalação de assentamentos no país"
Mas esse problema não afeta o produtor rural, que o senhor defende?
Há uma complacência, uma conivência do governo, do ministro Miguel Rossetto (do Desenvolvimento Agrário), que estimula todo o processo de invasão. É como se o setor produtivo primário tivesse a responsabilidade de arcar com a instalação de assentamentos no país. Isso é função do governo, ele é que tem de decidir sobre isso. A Lei diz como se faz a reforma agrária. O governo vai caminhar na linha do MST? Fazer reforma agrária na marra, na violência e na agressão? É uma situação de governo, não é nossa mais. Já elaboramos as leis, já definimos critérios. Se o governo não quer cumprir a Lei, fica comprovado um total desrespeito ao estado democrático de direito. Então, ele vai caminhar para o processo de ser conivente com desobediência civil. Amanhã não vai poder cobrar que outros setores tenham respeitem as normas legais.
O senhor se refere à reação do produtor rural às investidas dos sem-terra?
Não é questão de reagir. É o mau exemplo que o governo dá. Se você concede a um de seus filhos o direito de ter um comportamento sem limites, como você vai ter credibilidade moral para refrear o outro?
"Essa tese de que o estado democrático de direito é um instrumento da burguesia para asfixiar os mais humildes é realmente um discurso que não procede em nenhum regime democrático do mundo"
O senhor reconhece que, de fato, há uma grande concentração de terra no Brasil? O senhor é a favor da reforma agrária em algum nível?
Não há problema. Cumpra-se a Lei. Faça-se a reforma agrária dentro da Lei. Não se pode agora é culpar o cidadão que, depois de ter feito todo um investimento, conseguiu comprar uma extensão maior de terra por mérito próprio. O Brasil virou uma grande roleta russa viciada, só os banqueiros ganham. Não podemos julgar ninguém por ter amanhã dois ou três hospitais. É a competência dele. Essa tese de que o estado democrático de direito é um instrumento da burguesia para asfixiar os mais humildes é realmente um discurso que não procede em nenhum regime democrático do mundo. Só pode passar pela cabeça de pessoas que pregam que 10 mil trabalhadores podem matar um agricultor, que na terra só se pode plantar aquilo que o povo come. É gente que está na "Idade da Pedra".
Nos últimos dois anos, intensificaram-se os embates no Congresso entre as bancadas ruralista e ambientalista. Qual a avaliação do senhor sobre o Ministério do Meio Ambiente?
Todos nós temos noção da importância do meio ambiente. É fundamental para nós, produtores, a preservação das florestas, das matas ciliares e das regiões com mais de 20% de inclinação. O produtor, mais do que ninguém, tem noção de que precisa defender o meio ambiente. Os maiores inimigos do meio ambiente são a pobreza e a miséria. São essas pessoas que mais destroem e dilapidam, porque não têm mais esperança alguma. A única alternativa que ela passa a ter é derrubar a mata e vender a madeira.
"Entregaram o Brasil às ONGs (organizações não-governamentais), transferiram grande parte do território brasileiro a essas organizações constituídas por americanos e europeus que estão se beneficiando de nossas riquezas"
Como equilibrar o meio ambiente e a exploração do agronegócio?
O que precisamos é implantar uma política que permita uma exploração ordenada, bem definida, de acordo com zoneamento econômico e ecológico em todos os estados, para que as coisas não fiquem à mercê do humor e da vontade de uma ministra (Marina Silva). Ou que estejam sujeitas ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ao Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgãos do Ministério do Meio Ambiente que acham que podem legislar. Eles não foram criados para isso, só o Congresso tem prerrogativa de legislar. As atitudes do Meio Ambiente, em geral, são atrasadas. Entregaram o Brasil às ONGs (organizações não-governamentais), transferiram grande parte do território brasileiro a essas organizações constituídas por americanos e europeus que estão se beneficiando de nossas riquezas. Na resistência ao projeto de biossegurança, não tiveram mais do que 70 votos. Por isso, temos de deixar que o plenário da Câmara e do Senado decidam o que é melhor para o país.
Mudando um pouco de assunto, o senhor foi relator da proposta de reforma política na comissão especial da Câmara e tem participado das discussões com os presidentes dos partidos e o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). Que modelo de reforma vai sair este ano?
Isso é uma incógnita. Temos trabalhado muito no projeto, que aprovamos por 26 votos a 11 na comissão especial de reforma política. Mas ainda não posso imaginar o resultado final. Peço apenas que o presidente Severino o submeta a votação.
"Se simplesmente puxarmos um dado, como o tempo de filiação partidária, a reforma (política) ficará totalmente insípida e inodora. Isso não é nada"
Tem-se falado muito na possibilidade de se fatiar a proposta. Não há o risco de descaracterizar a reforma e aprovar apenas mudanças casuísticas?
Caso aprovemos o projeto num todo, estabelecendo que determinados itens serão implantados gradualmente, não haverá risco de descaracterização. Por exemplo: uma parte poderia ser implantada em 2006, outra em 2008, uma terceira em 2010. Afinal, são vários temas, como o fim das coligações nas eleições proporcionais, a adoção das listas fechadas e o financiamento público e exclusivo de campanha. Assim é possível ordenar até chegar ao todo do projeto. Se simplesmente puxarmos um dado, como o tempo de filiação partidária, a reforma ficará totalmente insípida e inodora. Isso não é nada. Pode-se vender alguma coisa para a população, mas nada que altere a fragilidade partidária e a corrupção nas campanhas eleitorais. Não é aumentando o tempo de filiação que se resolve o problema do sistema brasileiro. Isso é pra quem não conhece o sistema ou que prefere continuar com o atual, muito benéfico a alguns.
Mas ainda há uma resistência grande dentro dos partidos à adoção do voto em lista.
Que se submeta a proposta à decisão do Plenário. Ganhar ou perder não vai me tirar pedaço. Só queremos que o Severino ponha a proposta em votação. Não é esse o jogo da democracia? Não é possível jogar engavetando.
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