Entrar

    Cadastro

    Notícias

    Colunas

    Artigos

    Informativo

    Estados

    Apoiadores

    Radar

    Quem Somos

    Fale Conosco

Entrar

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigos
  1. Home >
  2. Artigos >
  3. Quando a democracia se torna espetáculo | Congresso em Foco

Publicidade

Publicidade

Receba notícias do Congresso em Foco:

E-mail Whatsapp Telegram Google News

Política

Quando a democracia se torna espetáculo: doxa, episteme e a formação cidadã no Brasil

Entre promessas de "sopa rala" e gestos simbólicos, o país vive o desafio de superar a democracia performática com uma cidadania crítica e fundamentada no conhecimento.

Eduardo Vasconcelos

Eduardo Vasconcelos

8/9/2025 8:06

A-A+
COMPARTILHE ESTE ARTIGO

No Brasil, a política tem se transformado em palco de encenações, onde a emoção muitas vezes substitui o conhecimento e o ressentimento coletivo é usado como ferramenta de mobilização. Inspirado em Platão, Hannah Arendt, Norberto Bobbio e Paulo Freire, este artigo analisa como a fragilidade do discernimento público alimenta a chamada "democracia performática" e defende a educação crítica como antídoto contra discursos superficiais, a "sopa rala" que ameaça a substância da vida democrática.

O palco da política e o risco da superficialidade

Em tempos de polarização e disputas narrativas, a qualidade da democracia não depende apenas das instituições formais, mas também da capacidade crítica da sociedade em avaliar os discursos e escolhas políticas. O artigo publicado no site Congresso em Foco, intitulado Do pôster de Hitler às fitas na boca no Congresso: como o vitimismo é usado para erosão democrática, destaca que "quando a opinião pública se baseia em doxa (opiniões superficiais), em vez de episteme (conhecimento fundamentado), como analisado por Platão, o terreno está pronto para a manipulação emocional. Surge então a 'democracia performática, onde o ressentimento coletivo é induzido como meio de mobilização política".

A reflexão proposta remete diretamente à crítica platônica sobre a diferença entre opinião e conhecimento verdadeiro. Enquanto a doxa se ancora em percepções imediatas e frágeis, a episteme busca fundamentos racionais, capazes de sustentar decisões coerentes com a verdade e o bem comum (PLATÃO, 2006). Nesse contraste reside o risco central das democracias contemporâneas: a substituição da deliberação racional pela performance emotiva, que mobiliza ressentimentos e paixões em detrimento da construção coletiva de soluções.

No contexto brasileiro, essa discussão adquire relevância especial quando se observa o processo eleitoral e a escolha de representantes políticos em diferentes níveis, do vereador ao presidente da República. A fragilidade do discernimento crítico do eleitor abre espaço para a ascensão de discursos populistas, centrados mais na espetacularização do conflito do que na apresentação de projetos sólidos de governo, muitas vezes convertidos em uma "sopa rala" de promessas genéricas sem correspondência institucional. (NOGUEIRA, 2021).

Este artigo propõe analisar, sob uma perspectiva epistemológica, a função e o papel dos representantes políticos no Brasil, destacando como suas responsabilidades impactam o cenário político, econômico, social e cultural. Mais do que isso, busca refletir sobre a centralidade da educação na formação de cidadãos críticos e conscientes, capazes de romper com a lógica da doxa e fortalecer uma democracia sustentada pelo conhecimento e pela responsabilidade.

Doxa, episteme e democracia performática

A distinção entre doxa e episteme, elaborada por Platão em A República, é central para compreender as fragilidades das democracias modernas. A doxa se refere à opinião superficial, moldada por aparências e percepções imediatas, enquanto a episteme se ancora em fundamentos racionais e no conhecimento verdadeiro (PLATÃO, 2006). Em uma sociedade que privilegia a doxa, o espaço público se torna vulnerável à manipulação, pois a deliberação coletiva passa a ser substituída por discursos de efeito, guiados pela emoção em detrimento da razão.

No artigo publicado pelo Congresso em Foco, ressalta-se que esse cenário abre espaço para a chamada "democracia performática", caracterizada pela mobilização do ressentimento como estratégia política. Nesse modelo, não é a construção de políticas públicas consistentes que orienta a ação política, mas sim a encenação simbólica, na qual líderes exploram emoções como medo, raiva e vitimismo para galvanizar apoio.

Esse fenômeno não é novo. Hannah Arendt (2016), ao analisar a ascensão dos regimes totalitários, já alertava que a manipulação das massas por meio da simplificação da realidade e da mobilização de afetos coletivos cria terreno fértil para a erosão democrática. A narrativa performática reduz a complexidade da vida social a slogans e imagens fortes, capazes de criar identidade imediata, mas incapazes de oferecer soluções concretas. Trata-se de um verdadeiro cardápio político de "sopa rala": aparentemente nutritivo, mas vazio de substância.

No Brasil, observa-se a emergência de práticas semelhantes, em que debates políticos se transformam em espetáculos, e a adesão popular se constrói menos pelo conteúdo das propostas e mais pela capacidade retórica de mobilizar emoções. Como observa Miguel (2019), a política nacional tem sido marcada por "uma teatralização permanente, na qual os discursos buscam afetar diretamente as emoções, obscurecendo a reflexão racional".

A questão epistemológica, portanto, torna-se crucial: como promover uma cultura política que privilegie o conhecimento fundamentado (episteme) em vez da mera opinião superficial (doxa)? A resposta passa não apenas pela ética dos representantes, mas sobretudo pela formação crítica dos cidadãos, capazes de discernir entre espetáculo e substância, entre performance e compromisso real com o bem comum.

A epistemologia da escolha política

A escolha de representantes é, antes de tudo, um ato epistêmico: o eleitor precisa julgar quais problemas são prioritários, quais soluções são plausíveis e quem tem competência e legitimidade para implementá-las. Quando esse julgamento se ancora em doxa, abre-se espaço para a manipulação; quando se baseia em episteme, aumenta-se a chance de decisões democráticas mais racionais e justas (ESTLUND, 2008; LANDEMORE, 2013).

O problema é que a racionalidade política opera em meio a informações fragmentadas, tempo escasso e emoções mobilizadas estrategicamente (SIMON, 1957; KAHNEMAN, 2011). Nesse ambiente, discursos populistas oferecem atalhos fáceis e atraentes, mas frequentemente reduzem-se a uma "sopa rala" de soluções simplistas para problemas complexos.

As redes sociais potencializam esse quadro, amplificando narrativas indignadas e facilitando a propagação de fake news, que se espalham mais rápido do que informações verdadeiras (VOSOUGHI; ROY; ARAL, 2018). Esse ecossistema informacional fragmentado transforma ressentimentos difusos em capital político, reforçando a democracia performática.

Nesse contexto, a episteme exige do eleitor critérios mais rigorosos: verificar a viabilidade orçamentária das promessas, avaliar a coerência entre propostas e atribuições institucionais, e cobrar responsabilidade e transparência dos representantes. Como alerta Bobbio (1984), a democracia não pode sobreviver se reduzir-se a votos movidos por paixão e espetáculo; precisa estar ancorada em mecanismos de controle e responsabilização.

O Brasil vive o desafio de superar a democracia performática com uma cidadania crítica e fundamentada no conhecimento.

O Brasil vive o desafio de superar a democracia performática com uma cidadania crítica e fundamentada no conhecimento.Freepik

Representação política no Brasil entre doxa, episteme e democracia performática

A democracia brasileira revela o impacto direto da doxa na confusão entre funções institucionais e expectativas populares. Vereadores são cobrados por políticas nacionais, deputados assumem papéis de prefeitos, governadores prometem soluções de escala federal e presidentes, muitas vezes, se limitam a encenar gestos simbólicos de vitimização ou heroísmo. Essa distorção reforça a lógica performática já diagnosticada por analistas políticos e pelo próprio jornal.

Como observa Hannah Arendt (2016), o ressentimento coletivo pode ser manipulado como combustível político, fragilizando instituições e abrindo espaço para tendências autoritárias. Luís Felipe Miguel (2019) complementa que essa teatralização permanente obscurece o debate público e empobrece a democracia. É nesse ponto que a metáfora da "sopa rala" se mostra mais pertinente: o eleitor é convidado a consumir um caldo raso de narrativas, sem perceber que lhe faltam nutrientes reais de políticas públicas consistentes.

A alternativa está na episteme, isto é, na capacidade de compreender a escala de cada cargo, avaliar a viabilidade das propostas e exigir integridade e responsabilidade dos representantes. Marco Aurélio Nogueira (2021) destaca que, sem essa consciência crítica, o Estado se torna refém de narrativas, e a energia política é consumida em guerras simbólicas. Em consequência, a democracia performática ganha força, transformando o espaço público em palco de frustrações, ressentimentos e expectativas permanentemente não atendidas.

Educação e cidadania crítica

Se a democracia performática prospera quando prevalece a doxa, o caminho para superá-la está na formação de cidadãos críticos. Paulo Freire (2019) lembra que a educação é prática de liberdade, e só ela pode preparar sujeitos para questionar promessas superficiais e discursos ilusórios.

Habermas (1984) reforça que a legitimidade democrática depende de processos de deliberação orientados pela força do melhor argumento. Isso requer cidadãos educados não apenas em conteúdos técnicos, mas também em competências comunicativas, capazes de interpretar, argumentar e participar criticamente.

Para Edgar Morin (2002), a educação deve reconhecer o ser humano em sua complexidade, integrando razão, emoção e ética. Só assim o eleitor poderá resistir à "sopa rala" dos discursos políticos superficiais, percebendo que democracia não se resume a performances, mas se constrói cotidianamente na responsabilidade, no diálogo e na solidariedade.

Sem esse investimento em educação crítica, a democracia brasileira continuará vulnerável à encenação e ao populismo. Com ele, ao contrário, abre-se a possibilidade de uma democracia epistêmica, plural e substantiva, sustentada pela consciência cidadã.

Entre o espetáculo e a substância

O Brasil vive hoje um dilema: permanecer prisioneiro da democracia performática, alimentada pela doxa e por discursos de "sopa rala", ou avançar para uma democracia epistêmica, sustentada pelo conhecimento, pela deliberação racional e pela formação cidadã. Essa escolha não se dará apenas nas urnas, mas principalmente na construção de uma cultura política em que a educação crítica seja valorizada como eixo de resistência à manipulação emocional.

Platão advertiu, há mais de dois milênios, sobre os riscos de uma política orientada por opiniões superficiais. Hannah Arendt demonstrou como o ressentimento coletivo pode ser manipulado. Bobbio lembrou que a democracia só subsiste quando é acompanhada de responsabilidade. Paulo Freire, por sua vez, ensinou que a educação é a prática da liberdade. Se quisermos preservar a substância da democracia brasileira, precisamos ouvir essas vozes e transformar conhecimento em prática cotidiana.

Referências

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1984.

CONGRESSO EM FOCO. Do pôster de Hitler às fitas na boca no Congresso: como o vitimismo é usado para erosão democrática. Brasília, 11 ago. 2025. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/.

ESTLUND, David. Democratic Authority: A Philosophical Framework. Princeton: Princeton University Press, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 72. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

HABERMAS, Jürgen. The Theory of Communicative Action. Boston: Beacon Press, 1984.

KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

LANDEMORE, Hélène. Democratic Reason: Politics, Collective Intelligence, and the Rule of the Many. Princeton: Princeton University Press, 2013.

MIGUEL, Luís Felipe. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Unesp, 2019.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo: Cortez, 2021.

PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.

SIMON, Herbert. Models of Man. New York: Wiley, 1957.

VOSOUGHI, Soroush; ROY, Deb; ARAL, Sinan. The Spread of True and False News Online. Science, v. 359, p. 1146-1151, 2018.

WARDLE, Claire; DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Strasbourg: Council of Europe, 2017.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

Siga-nos noGoogle News
Compartilhar

Tags

democracia
ARTIGOS MAIS LIDOS
1

Patrícia Vargas Fabris

Nova lógica tributária exige revisão dos vínculos de trabalho

2

Denise Lapolla e Zélia Montal

Auxílio-Nutrição: passo necessário para a saúde e a dignidade

3

Rosana Valle

Julgamento de Bolsonaro: a vingança implacável do sistema

4

Luiz Hoffmann

A virada da SEAE no caso Tecon Santos 10

5

Eneá de Stutz e Almeida

As diferenças entre a Lei de Anistia e as propostas de agora

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigosFale Conosco

CONGRESSO EM FOCO NAS REDES