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Internacional
23/9/2025 17:00
A Assembleia Geral das Nações Unidas de 2025 foi aberta, como sempre, com discursos grandiosos sobre paz, cooperação internacional e respeito aos direitos humanos. Mas um silêncio ensurdecedor marcou mais uma vez o início do encontro: Taiwan, uma das democracias mais vibrantes da Ásia, continuou fora do plenário, sem voz, sem cadeira e sem reconhecimento.
Essa exclusão, que se repete ano após ano, já não pode ser tratada como um detalhe diplomático. Trata-se de uma omissão com graves implicações geopolíticas, morais e práticas.
Um erro que começou em 1971 - e persiste em 2025
A justificativa oficial continua sendo a Resolução 2758 da ONU, de 1971, que reconheceu a República Popular da China como representante legítima do assento chinês nas Nações Unidas. No entanto, é importante lembrar: a resolução não menciona Taiwan, muito menos determina que o país deva ser excluído de fóruns multilaterais.
Ainda assim, sob forte pressão de Pequim, Taiwan vem sendo sistematicamente impedido de participar, até mesmo como observador, em assembleias e agências internacionais - da Organização Mundial da Saúde à ICAO (aviação civil), passando, claro, pela Assembleia Geral da ONU.
Uma democracia silenciada
A exclusão de Taiwan do sistema das Nações Unidas não é apenas uma falha simbólica - é uma falha prática, com consequências reais para a segurança, a saúde e o bem-estar global. Taiwan é uma democracia plena, com governo eleito, liberdade de imprensa e forte participação cidadã. Trata-se de uma sociedade que encarna os princípios que a ONU diz promover. E, ainda assim, é silenciada sistematicamente, mesmo nos fóruns técnicos e não políticos da organização, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Interpol.
Durante a pandemia de covid-19, Taiwan foi um dos primeiros países a identificar os riscos de transmissão do vírus e a adotar medidas preventivas eficazes. Seu sistema de saúde pública respondeu com transparência, agilidade e inovação. O mundo inteiro poderia ter se beneficiado dessa experiência precoce - mas a OMS, por pressão da China, ignorou os alertas vindos de Taipé e impediu a participação técnica de especialistas taiwaneses, mesmo quando vidas estavam em jogo.
O resultado? Informações cruciais chegaram atrasadas a outros países. Profissionais de saúde foram privados de conhecimento técnico que poderia ter feito a diferença na contenção inicial do vírus. Em crises sanitárias globais, negar acesso ao conhecimento e à cooperação internacional por motivos políticos é uma negligência imperdoável.
A exclusão de Taiwan da Interpol representa outra falha grave. A ilha, que é um hub global de comércio e tecnologia, enfrenta desafios complexos relacionados a crimes cibernéticos, tráfico internacional e terrorismo. Ainda assim, Taiwan não tem acesso direto ao sistema de compartilhamento de dados da Interpol, nem pode participar plenamente das operações internacionais de segurança coordenadas por essa agência.
Isso cria brechas perigosas na rede global de segurança. Ao deixar Taiwan de fora, a Interpol dificulta o fluxo de informações críticas e cria zonas cinzentas onde criminosos transnacionais podem operar com mais liberdade. Não se trata de uma questão de reconhecimento político, mas de funcionalidade básica e eficácia operacional. Excluir um país com estrutura de segurança moderna, profissionais qualificados e vasto banco de dados por pressão geopolítica é um erro que compromete a todos.
A ironia é dolorosa: enquanto países autoritários ocupam assentos em conselhos da ONU e participam livremente de fóruns técnicos, Taiwan - uma democracia vibrante e colaborativa - é mantida à margem. Essa seletividade política não apenas mina os valores da ONU, como também prejudica a capacidade dessas instituições de responder aos desafios do século XXI.
Taiwan tem muito a oferecer. Sua exclusão enfraquece a resposta global a pandemias, retarda o combate ao crime internacional e envia uma mensagem perigosa: de que a política do medo e da coerção vale mais do que a competência, a cooperação e o mérito democrático.
A incoerência da comunidade internacional
A hipocrisia da comunidade internacional diante da exclusão de Taiwan da ONU tornou-se cada vez mais evidente - e desconfortável. De um lado, líderes de grandes democracias liberais, como Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido e vários países da União Europeia, elogiam publicamente o compromisso de Taiwan com os direitos humanos, a liberdade de imprensa, o Estado de Direito e a transparência governamental. Muitos desses mesmos países mantêm relações comerciais, culturais e até mesmo estratégicas com o governo taiwanês, ainda que não o reconheçam formalmente como um Estado soberano.
Mas quando chega o momento de traduzir esse apoio em ações concretas no sistema multilateral - como defender abertamente a participação de Taiwan na Assembleia Geral da ONU ou garantir seu acesso como observador em agências técnicas - o discurso político se esvazia. Em nome de uma política ambígua, geralmente chamada de "Uma só China", a maioria dos países evita o confronto direto com Pequim. Essa autocensura diplomática revela não apenas uma estratégia de contenção, mas também uma falta de coragem política.
O caso mais emblemático dessa incoerência é a relação dos países ocidentais com a China. Enquanto esses governos criticam, com razão, as violações de direitos humanos em Xinjiang ou a repressão em Hong Kong, hesitam em desafiar a postura autoritária de Pequim quando o assunto é Taiwan. O medo de retaliações econômicas por parte da China - um dos maiores mercados e centros de produção do mundo - tem falado mais alto do que os princípios democráticos que esses países afirmam defender.
É um paradoxo incômodo: Taiwan incorpora tudo aquilo que a ONU diz promover - democracia, desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero, inovação tecnológica e compromisso com a paz. No entanto, é impedido de participar, mesmo como mero observador, por pressões de um regime que representa justamente o oposto desses valores.
Essa dissonância não passa despercebida por quem observa os bastidores da diplomacia internacional. Cada vez mais, a juventude global, ativistas de direitos humanos, pesquisadores e jornalistas questionam por que a ONU - uma organização criada para promover o diálogo e a cooperação entre os povos - permite que a coerção de um único Estado-membro determine quem pode ou não estar à mesa.
Ao ceder repetidamente à pressão de Pequim, a ONU e muitos de seus membros comprometem não só a participação de Taiwan, mas a credibilidade de todo o sistema multilateral. Não se trata de escolher lados entre China e Taiwan, mas de escolher entre coerência e conveniência; entre princípios universais e acomodações políticas de curto prazo.
Solidariedade sem reconhecimento: o gesto de Taiwan ao Brasil
Em maio de 2025, enquanto o estado do Rio Grande do Sul enfrentava uma das piores tragédias climáticas de sua história recente, com enchentes que desabrigaram milhares e causaram prejuízos incalculáveis, Taiwan fez uma doação humanitária equivalente a cerca de R$ 1 milhão para ajudar os afetados. O gesto foi direto, eficiente e desprovido de qualquer tipo de exigência política - um exemplo claro de diplomacia humanitária.
O mais impressionante, no entanto, foi que esse apoio veio apesar da postura pouco cordial da diplomacia brasileira em relação a Taiwan. O governo federal, alinhado à política tradicional de reconhecimento exclusivo da China continental, evita qualquer tipo de menção oficial a Taiwan, mesmo em situações onde o bom senso e a empatia deveriam falar mais alto que a cartilha diplomática.
A ausência de relações formais entre Brasília e Taipé não impediu que Taiwan agisse como um parceiro maduro, solidário e comprometido com valores universais. A doação não foi feita por vaidade geopolítica, mas por princípios humanitários. O gesto contrasta fortemente com a indiferença de alguns Estados que, mesmo mantendo relações diplomáticas com o Brasil, não se mobilizaram com a mesma rapidez nem com o mesmo impacto.
Esse episódio levanta uma pergunta desconfortável: por que países que agem com responsabilidade, compaixão e senso de dever global continuam sendo ignorados nos espaços multilaterais apenas por conveniência geopolítica?
Taiwan já demonstrou repetidamente - em desastres naturais, pandemias e crises humanitárias - que está disposto a contribuir com a comunidade internacional. Sua atuação não é retórica, é prática. E, ainda assim, é mantido fora dos principais fóruns globais, como a Assembleia Geral da ONU, como se atos concretos de solidariedade valessem menos do que alinhamentos diplomáticos herdados da Guerra Fria.
O caso do Rio Grande do Sul é simbólico: um país silenciado nos corredores da ONU mostrou mais solidariedade do que muitos com assento garantido no plenário. Isso, por si só, deveria forçar uma reflexão urgente sobre os critérios que regem a inclusão ou exclusão de vozes no sistema internacional.
O que está em jogo
Permitir a participação de Taiwan - ainda que como observador - não significa um ataque à China, como Pequim costuma argumentar. Significa reconhecer uma realidade: Taiwan existe, funciona como Estado e contribui ativamente para o mundo. Silenciá-lo não o faz desaparecer. Apenas enfraquece a credibilidade das instituições internacionais.
A ONU precisa se perguntar: de que serve um fórum multilateral se ele exclui deliberadamente uma das sociedades mais avançadas do planeta? E o mundo, por sua vez, precisa decidir se continuará refém de pressões autoritárias ou se está disposto a defender, de fato, os valores que proclama.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].