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Democracia

Dar uma chance à paz: Democracia, justiça social e programas de governo no Brasil Contemporâneo

Como o fortalecimento dos programas sociais e da democracia pode reconstruir o pacto civilizatório brasileiro e oferecer ao país uma nova chance de paz, dignidade e esperança coletiva.

Eduardo Vasconcelos

Eduardo Vasconcelos

24/10/2025 13:00

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A verdadeira paz não é a ausência de guerra, mas a presença concreta da justiça social. O Brasil, após anos de fragmentação institucional e desmonte de políticas públicas, vive o desafio de reconstruir seu tecido social. Mais do que estabilidade econômica, o que está em jogo é a chance de devolver à população o direito de viver com dignidade. Moradia, educação, saúde, segurança e trabalho não são apenas indicadores sociais - são pilares de uma paz positiva, conceito que une democracia, equidade e desenvolvimento humano.

Paz como presença de justiça social: a visão de Johan Galtung

A ideia de paz, muitas vezes reduzida à ausência de conflitos armados, foi profundamente transformada pelo pensador norueguês Johan Galtung. Em seu artigo seminal Violence, Peace, and Peace Research, o autor propôs uma distinção entre "paz negativa" - entendida como ausência de violência direta - e "paz positiva", que se manifesta na presença de justiça social e equidade estrutural (GALTUNG, 1969).

Para Galtung, existe também a violência estrutural, caracterizada por sistemas sociais e econômicos que impedem as pessoas de satisfazer suas necessidades básicas. Essa forma de violência é silenciosa, mas persistente: manifesta-se quando a fome é naturalizada, quando a desigualdade é institucionalizada e quando o Estado falha em garantir direitos essenciais.

Assim, políticas públicas que asseguram moradia digna, alimentação, saúde, educação e emprego não são apenas instrumentos de governo - são mecanismos de construção da paz. O autor sintetiza essa visão ao afirmar que a paz positiva "não se alcança pela eliminação de armas, mas pela eliminação das causas da injustiça" (GALTUNG, 1969, p. 177).

No contexto brasileiro, onde as desigualdades históricas moldaram as relações sociais, o conceito de paz positiva adquire dimensão política. Dar uma chance à paz, portanto, significa reorganizar o Estado para garantir dignidade coletiva - um desafio que ultrapassa os limites partidários e exige um projeto nacional de reconstrução social.

Desenvolvimento como liberdade: a contribuição de Amartya Sen

A ampliação da noção de paz se conecta diretamente ao conceito de desenvolvimento como liberdade, formulado por Amartya Sen em Development as Freedom. Para o economista indiano, o verdadeiro desenvolvimento ocorre quando as pessoas têm condições reais de escolher o tipo de vida que desejam levar (SEN, 1999).

Sen argumenta que a pobreza não é apenas falta de renda, mas privação de capacidades, isto é, a impossibilidade de satisfazer necessidades fundamentais - como ser saudável, educado, produtivo e respeitado. Por isso, políticas sociais voltadas a suprir essas carências não são gastos, mas investimentos civilizatórios.

Ao garantir acesso à educação, saúde e segurança alimentar, o Estado amplia as liberdades substantivas e fortalece a democracia. Como enfatiza Sen (1999, p. 36), "a liberdade não é apenas o fim do desenvolvimento, mas também o meio para alcançá-lo". Nesse sentido, os programas sociais brasileiros não devem ser vistos como esmolas ou assistencialismo, mas como instrumentos que expandem capacidades humanas e previnem a violência estrutural.

A visão de Sen é profundamente democrática: a pobreza, ao limitar a autonomia das pessoas, também restringe sua participação política. Portanto, combater a miséria é proteger a democracia, e investir em direitos sociais é promover a paz.

As capacidades humanas e a justiça de Martha Nussbaum

Inspirada em Sen, a filósofa Martha Nussbaum desenvolveu a teoria das capacidades centrais, listando os elementos que constituem uma vida digna. Em Creating Capabilities (2011), a autora afirma que um Estado justo deve garantir a todos os cidadãos o acesso a pelo menos dez capacidades fundamentais, entre as quais se destacam: vida, saúde corporal, integridade física, afiliação, controle sobre o ambiente e educação.

Para Nussbaum (2011, p. 25), "uma sociedade que não assegura essas capacidades a todos os seus cidadãos falha no dever de justiça básica". A autora recusa a ideia de que o bem-estar possa ser reduzido a indicadores econômicos: a dignidade humana é o verdadeiro critério de justiça social.

Sob essa ótica, os programas sociais brasileiros - como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos - são expressões práticas dessa teoria. Eles não apenas redistribuem renda, mas ampliam as capacidades humanas de milhões de brasileiros, permitindo que exerçam direitos civis e políticos com autonomia.

A conexão entre Nussbaum e Galtung é evidente: ambos compreendem que a paz só é sustentável quando as estruturas sociais eliminam as causas da exclusão. O acesso universal à moradia, educação e saúde não é caridade - é justiça.

Segurança humana: liberdade do medo e da necessidade

O conceito de segurança humana, formulado no Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, 1994), redefine o significado tradicional de segurança. Em vez de se basear no poder militar ou na soberania territorial, o relatório defende que a verdadeira segurança deve ser medida pela proteção das pessoas, não dos Estados.

O documento introduz duas dimensões fundamentais:

  1. Freedom from fear - liberdade do medo, isto é, viver sem violência, opressão ou perseguição;
  2. Freedom from want - liberdade da necessidade, ou seja, acesso a bens essenciais como alimentação, moradia e saúde.

Conforme o UNDP (1994, p. 23), "o maior perigo para a segurança humana não vem de bombas, mas da pobreza, da exclusão e da desesperança". Essa definição amplia o sentido de paz, aproximando-o das políticas públicas e da dignidade cotidiana.

No Brasil, a aplicação desse conceito é particularmente relevante. Em um país onde a fome retornou a milhões de lares e a insegurança alimentar voltou a crescer nos anos recentes, reconstruir a paz exige reconstruir o Estado de bem-estar. As políticas sociais tornam-se, portanto, a expressão concreta da liberdade da necessidade.

Democracia, desigualdade e risco de conflito: Frances Stewart e Paul Collier

A democracia e a paz estão profundamente entrelaçadas. Frances Stewart (2008), em sua obra Horizontal Inequalities and Conflict, demonstra que desigualdades entre grupos sociais, regionais ou étnicos são fatores determinantes para o surgimento de conflitos internos. Tais desigualdades - chamadas de "horizontais" - corroem a coesão nacional e alimentam sentimentos de exclusão.

No Brasil, essa constatação ganha forma concreta: o apartheid social entre regiões, classes e raças é uma das mais graves expressões de violência estrutural. Programas de redistribuição e inclusão, portanto, não apenas reduzem a pobreza, mas fortalecem a democracia, ao aproximar grupos historicamente marginalizados do centro da cidadania.

Corroborando essa análise, Paul Collier e Anke Hoeffler (2004) demonstram, em estudo para a Oxford Economic Papers, que guerras civis e instabilidade política têm relação direta com baixa renda per capita, ausência de oportunidades econômicas e fragilidade institucional. Segundo os autores, "a falta de perspectivas de ascensão social aumenta o apelo de movimentos violentos e populistas" (COLLIER; HOEFFLER, 2004, p. 569).

Nesse sentido, os programas sociais implementados no Brasil nas últimas décadas - especialmente durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff - podem ser compreendidos como instrumentos de prevenção de conflito e de fortalecimento democrático.

A verdadeira paz nasce da justiça social e de políticas públicas que devolvam dignidade e esperança ao povo brasileiro.

A verdadeira paz nasce da justiça social e de políticas públicas que devolvam dignidade e esperança ao povo brasileiro.Freepik

Paz e necessidades humanas: da pirâmide de Maslow à infraestrutura moral de Lederach

O psicólogo Abraham Maslow (1943), ao propor sua teoria da motivação humana, apresentou uma hierarquia de necessidades em que as básicas - fisiológicas e de segurança - são pré-condições para as superiores, como autoestima e autorrealização. Essa perspectiva mostra que uma sociedade em que milhões vivem sem comida, saúde ou abrigo não pode esperar estabilidade política ou paz social.

Maslow (1943, p. 372) afirma: "Uma pessoa que sofre privações fisiológicas prolongadas não pode se concentrar em valores morais, democráticos ou espirituais". Traduzindo para o plano coletivo, um povo faminto é um povo vulnerável à manipulação, ao autoritarismo e à violência.

Essa ideia é retomada por John Paul Lederach (1997), que introduz o conceito de infraestrutura moral da paz. Para o autor, a construção da paz não se limita a acordos diplomáticos, mas depende da criação de relações de confiança, reconciliação e empatia social. Ele defende que comunidades precisam de instituições locais - escolas, hospitais, cooperativas - que sustentem o diálogo e a cooperação.

No Brasil, isso significa que o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), das escolas públicas e das universidades e Institutos federais é parte essencial da construção da paz. Como destaca Lederach (1997, p. 38), "a paz não é um evento, é uma cultura que se constrói no cotidiano das pessoas".

O Prêmio Nobel da Paz e a tradição da justiça social

A história do Prêmio Nobel da Paz reforça essa visão ampliada de paz. Criado em 1895 por Alfred Nobel, o prêmio tem como objetivo reconhecer indivíduos e instituições que contribuam "para o benefício da humanidade". Ao longo do século XX, o comitê norueguês consolidou uma tradição de laurear não apenas diplomatas e pacificadores, mas líderes que promoveram justiça social, direitos civis e educação.

Em 1964, o prêmio foi concedido a Martin Luther King Jr., em reconhecimento à sua luta pela igualdade racial por meios não violentos. Em 1965, o UNICEF foi premiado por sua atuação em favor das crianças, combatendo a fome e promovendo saúde e educação em escala global. Em 2014, Malala Yousafzai recebeu o Nobel por defender o direito das meninas à educação, desafiando regimes opressores.

Esses exemplos mostram que o comitê reconhece a paz como resultado da justiça social e do empoderamento humano, e não apenas da diplomacia entre Estados. Como afirmou King (1964), "a verdadeira paz não é apenas a ausência de tensão, é a presença da justiça".

Em 2025, o prêmio foi novamente marcado por esse espírito ao destacar lideranças latino-americanas que defendem a democracia diante de regimes autoritários, reafirmando que a paz e a democracia são inseparáveis.

O Brasil e a nova chance à paz: reconstruir o contrato social

Após um período de polarização política, desinformação e retrocessos sociais, o Brasil reencontra em 2025 um momento de reconstrução. Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o país busca restaurar a confiança nas instituições e revitalizar os programas sociais que, por quase duas décadas, foram a espinha dorsal da inclusão e da estabilidade.

O retorno do Bolsa Família, agora ampliado e com foco em segurança alimentar e educação infantil, reflete a tentativa de reconstruir o pacto civilizatório entre Estado e sociedade. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, o Mais Médicos e o PAA retomam o papel de instrumentos de paz positiva, ao reduzir desigualdades e devolver dignidade às famílias brasileiras.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2016), o Bolsa Família contribuiu para reduzir em mais de 15% a pobreza extrema no país entre 2003 e 2013. Estudos posteriores, como os de Ribeiro e Souza (2024), apontam correlação entre a expansão do programa e a redução de índices de criminalidade em municípios com maior cobertura. Essa relação entre inclusão social e segurança pública reforça a tese de que a paz se constrói a partir da justiça social.

Mais do que políticas econômicas, o atual momento simboliza uma nova chance ao Brasil - chance de reafirmar a democracia como projeto de país. Lula, em seus discursos, tem reiterado que "a fome é o inimigo número um da paz", ecoando os ideais de Galtung, Sen e Nussbaum.

A democracia brasileira, fragilizada por ataques institucionais e campanhas de ódio, precisa se reinventar a partir de seus fundamentos: igualdade, solidariedade e direitos sociais. A paz, portanto, não é o resultado da ordem imposta, mas da justiça construída.

A paz como projeto político e ético

Dar uma chance à paz implica reconhecer que a estabilidade nacional depende do bem-estar coletivo. A violência, seja ela armada ou estrutural, é sempre um sintoma de exclusão. O desemprego, a fome e a miséria não são apenas indicadores econômicos, mas expressões da ausência de paz.

Como lembra Sen (1999), a liberdade política só é sustentável quando acompanhada da liberdade material. Não há democracia onde o cidadão é refém da necessidade. E, como adverte Galtung (1969), não há paz onde as estruturas sociais reproduzem desigualdade.

O desafio brasileiro, portanto, é duplo: manter a democracia e transformá-la em instrumento efetivo de justiça social. O Estado precisa garantir que as instituições públicas - escolas, hospitais, universidades, centros de pesquisa - cumpram sua função civilizatória.

Nesse processo, os programas sociais devem ser vistos não como políticas compensatórias, mas como expressões de uma ética republicana da paz. A cada casa construída, a cada criança vacinada, a cada bolsa concedida, o país se aproxima de uma paz concreta - aquela que se sente na mesa, na rua e na escola.

Conclusão: a chance de transformar justiça social em fundamento da paz

O Brasil vive um momento histórico em que precisa decidir se quer ser apenas um país estável ou um país verdadeiramente justo. A estabilidade sem justiça é o silêncio dos oprimidos; a paz sem equidade é apenas trégua.

Dar uma chance à paz significa reconhecer que a dignidade humana é o verdadeiro indicador de desenvolvimento. A casa própria, o trabalho digno, a saúde acessível e a educação pública de qualidade não são promessas de campanha, mas condições para a convivência democrática.

Como afirma Nussbaum (2011), "a função do Estado é criar as condições para que todos possam viver uma vida que valha a pena ser vivida". E, como lembra Galtung (1969), "a paz positiva é o florescimento da justiça em movimento".

Se o Brasil quiser reencontrar a si mesmo, deve fazê-lo pelo caminho da inclusão, da solidariedade e da esperança. A nova chance que o país tem - e talvez a última por uma geração - é a de transformar justiça social em fundamento da paz e da democracia.


Referências

CHIODA, L. Stop the Violence in Latin America: A Look at Prevention from Cradle to Adulthood. Washington, DC: World Bank, 2016.

COLLIER, P.; HOEFFLER, A. Greed and Grievance in Civil War. Oxford Economic Papers, v. 56, n. 4, p. 563-595, 2004.

GALTUNG, J. Violence, Peace, and Peace Research. Journal of Peace Research, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Efeitos do Programa Bolsa Família sobre a Pobreza e a Desigualdade no Brasil: uma análise de 2003 a 2013. Brasília, 2016.

LEDERACH, J. P. Building Peace: Sustainable Reconciliation in Divided Societies. Washington: United States Institute of Peace Press, 1997.

MASLOW, A. A Theory of Human Motivation. Psychological Review, v. 50, p. 370-396, 1943.

NUSSBAUM, M. Creating Capabilities: The Human Development Approach. Cambridge: Harvard University Press, 2011.

RIBEIRO, L.; SOUZA, C. Social Policies and Crime Reduction: Evidence from Bolsa Família Expansion. BMJ Global Health, v. 9, n. 2, p. 1-10, 2024.

SEN, A. Development as Freedom. New York: Oxford University Press, 1999.

STEWART, F. Horizontal Inequalities and Conflict: Understanding Group Violence in Multiethnic Societies. New York: Palgrave Macmillan, 2008.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME (UNDP). Human Development Report 1994: New Dimensions of Human Security. New York: Oxford University Press, 1994.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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