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Saúde mental
25/12/2025 9:00
O Supremo Tribunal Federal tem nas mãos uma questão delicada, mas incontornável: a desativação dos hospitais de custódia, voltados aos presos com diagnóstico de transtorno mental. Ela foi determinada em 2023 pelo Conselho Nacional de Justiça para adequar o sistema penitenciário à Lei Antimanicomial, que só admite o encarceramento desses pacientes em casos excepcionais. Eles não poderiam mais, portanto, ser tratados em regime de internação, e sim em liberdade, dentro da estrutura do Sistema Único de Saúde.
O julgamento ganha ainda mais relevância diante de episódios como o de Gerson Machado, morto por uma leoa num parque em João Pessoa. Portador de esquizofrenia e com passagens pela polícia, ele não teve, segundo a conselheira tutelar que o acompanhava desde a infância, o acompanhamento que o Estado deveria garantir a uma pessoa num quadro de abandono e vulnerabilidade social como o dele. A possível negligência, ou falta de recursos, teria agravado os sintomas da doença e, infelizmente, custado sua vida.
Impossível, diante de mais essa demonstração da incapacidade de nossa rede pública de lidar com a saúde mental - mesmo com a dedicação de seus profissionais -, ignorar o possível impacto da norma do CNJ. Analisando somente a condição de muitos desses hospitais e os inegáveis benefícios da não internação, seria uma proposta irretocável. Mas, com ela, cerca de 2.500 condenados pelos mais diversos crimes serão libertados, devendo buscar por conta própria o tratamento para seus distúrbios - que, bem ou mal, vinham sendo atendidos nessas instituições.
Não se trata, aqui, de espalhar o pânico em relação a esses cidadãos. A melhor forma de evitar os delitos que eles possam vir a cometer não é atacá-los, e sim protegê-los da tendência ao descontrole, causada pela própria doença. Precisamos pensar em sua vida sem a custódia, ainda que deficiente, do Estado. Continuarão a se tratar? Conseguirão trabalho? Têm uma família disposta ou capaz de abrigá-los? Perguntas que a realidade insiste em contrapor às melhores intenções.
A resolução do CNJ não nasceu da noite para o dia, mas de um movimento que, já nos anos 70, buscava um novo modelo de atenção aos transtornos mentais no país. Inspirada por campanhas como a Psiquiatria Democrática, liderada pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia, a iniciativa fez do repúdio à internação o ponto-chave da Lei Antimanicomial de 2001, que, agora, pode devolver às ruas essas pessoas.
Essa postura, digamos, humanista nas políticas de saúde do país é bem-vinda, mas não raro esquece o mundo real. Os que propõem o fim desses centros se esquecem que eles muitas vezes são a única opção para controlar a doença e preservar a vida do enfermo. Antes de fechar as instituições que prestam esse serviço, é preciso oferecer alternativas para os casos que exigem cuidado intensivo e em tempo integral.
Resta, agora, aguardar a decisão do Supremo, que deve pesar tanto a reconfortante visão de uma abordagem mais inclusiva dos transtornos psíquicos quanto a previsível reação de uma parte significativa da sociedade, cada vez mais suscetível a qualquer ameaça, real ou não, a sua segurança. De qualquer forma, independente do resultado do julgamento, cedo ou tarde teremos que reinserir esses cidadãos - enfermos e vulneráveis, vale lembrar - no tecido social.
Não será simples: além da cruel desconfiança diante dos egressos do sistema penitenciário, eles vão encarar o estigma que ainda cerca essas doenças. A provável turbulência, porém, pode ter um efeito positivo: jogar luz sobre a urgência de, além de novos investimentos, uma discussão realista sobre nosso sistema de atendimento à saúde mental, que tende a encarar desafios ainda maiores nos próximos anos. Um debate, se possível, mais baseado na ciência que em posições políticas e ideológicas.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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