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Dulce Pereira
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olhares negros
26/5/2022 15:58
 
 Seminário "Racismo e os Impactos nos Territórios Quilombolas", 13 e 14 de maio de 2022, em São Luís do Maranhão. Evento organizado pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão e Projeto Vida de Negro na 42ª Semana do Negro do Maranhão com a participação de 35 lideranças de 26 comunidades quilombolas. Foto Dicy Rocha, arquivo CCN/Maranhão.[/caption]
Os quilombos de Alcântara no Maranhão; Oriximiná no Pará; Macacos, entre Simões Filho e Salvador e Boca do Rio em Aratu, as duas últimas na Bahia, contam essa história de abandono, morosidade, alienação dos órgãos de justiça, prevaricação dos órgãos do Estado em conivência as corporações ou subserviência a elas, omissão do executivo, indiferença da maioria do legislativo e demais poderes. Há invasores que são instituições do próprio Estado.
Mais de 17 mil pessoas são as e os quilombolas do município ancestral de Alcântara. Habitam cerca de 110 comunidades, ameaçadas e deslocadas na implantação do projeto de construção da base de Alcântara pela Marinha, nos anos 80. Perderam terras, acesso, capacidade de produção e paz. Agora, são violadas por um Acordo de Salvaguarda Tecnológicas (AST) com os Estados Unidos, assinado em março de 2019 pelo atual governo, por meio dos Ministério da Ciência, Tecnologia Inovação e Comunicação (MCTIC), Ministério da Defesa e Ministério das Relações Exteriores, que permite o uso comercial da Base Aérea de Alcântara.
Projetos da Marinha brasileira na região metropolitana de Salvador violam a constituição e acordos internacionais, com a ocupação de áreas do quilombo de Macacos na Bahia, que se consolida com a atuação de instituições do estado da Bahia. Limitam-lhes os acessos e as possibilidades de ir e vir, ameaçam-nos. Mortes de lideranças e uso de força para punir os quilombolas pela persistência em suas lutas são parte do cotidiano da comunidade. Há mais de 450 anos entre Simões Filho e Salvador, a comunidade de Macacos, trava desde 2010, quando foi construído o empreendimento, uma luta de Davi e Golias com a base Naval de Aratu.
No caso de Aratu, ademais, há autorização pelos órgãos do estado e federais, para que empresas que eliminam contaminantes nas áreas de proteção ambiental contaminam o mangue e outras áreas de preservação, continue explorando um porto, construído pela empresa que os confronta, a Bahia Terminais. Trata-se de uma estratégia de ocupação e espoliação territorial anterior à era cristã de ecocídio para forçar o deslocamento compulsório para a cobiçada ocupação do território, como explica Tidiane N'dyaie[3] sobre o "genocídio oculto", na África subsaariana. O crime do lançamento de contaminantes  no ambiente hídrico , que transforma a biota e expõe a comunidade a riscos de toxidade, é ignorado pelos órgãos ambientais, responsáveis, inclusive, pelas licenças às empresas.
Na Amazônia, particularmente, como ocorre no Pará, historicamente os quilombos sofrem a pressão dos "grandes projetos". Os quilombos de Oriximiná, da região do rio Trombetas, relata a pesquisadora Zélia Amador de Deus[4], no final da década de 1970, tiveram várias comunidades afastadas de seus territórios devido à implantação do projeto da mineração Rio do Norte, para a extração de bauxita. Uma grande cidade enclave foi construída, desarticulando várias comunidades. O enclave foi construído à margem direita do rio Trombetas. Como se não bastasse, em 1980, a ditadura militar, governo do general Figueiredo, implanta à margem esquerda do rio uma reserva biológica para reduzir a área e possibilidades de cultivo no território ancestral. Não resta aos quilombolas, a não ser se tornarem peões e empregadas domésticas dentro do enclave, reflete Zélia Amador. O mesmo ocorre em Goiás, Mato Grosso, Maranhão e pelo Brasil afora.
Um dos recursos utilizado pela comunidade quilombola tem sido encaminhar pedidos de defesa da vida e da integridade física da comunidade à Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH). A resposta do Brasil, entretanto, em vários casos de punição e recomendações da Comissão, tem sido ignorá-las.
A nação brasileira teve a integridade de seu território, em muitos casos, protegida pelos povos indígenas e quilombolas. A tomada de territórios, é operada como bem descreve Ruth Wilson Gilmore[5], por estratégia de abandono organizado do Estado. Exemplo no caso dos quilombos é o fato da Associação das comunidades quilombolas do município de Oriximiná (ARQMO), um dos territórios ancestrais de maior relevância ambiental e para a memória amazônica, luta para construir "melhor relação com a mineração", uma relação de menos subserviência. É jogada pelo Estado, como ocorre com crescente frequência no país, a pôr a raposa para cuidar dos ovos, para sobreviver. Sobreviverá ao ecocídio, epistemicídio e várias formas de genocídio, para reexistir?
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[1] OLIVEIRA, T.H. et al. O bisturi que coisifica, a tabela que classifica: a desinstrução da condição humana nas narrativas do trauma do holocausto nazista em Miklós Nyiszli e Primo Levi (1944-1946). 2019.
[2] ORWELL, George. Animal farm. Oxford University Press, 2021.
[3] N'DIAYE, Tidiane. Le génocide voilé: enquête historique. Editions Gallimard, 2008.
[4] Zélia Amador de Deus é fundadora do CEDEMPA. Doutora em Ciências Sociais, escritora, foi vice-reitora da Universidade Federal do Pará.
[5] Dra. Ruth Wilson Gilmore, abolicionista afroestadunidense, geógrafa, autora de vários livros, é fundadora e diretora do Centro para Território, Cultura and Politica e professoraa de Geografia em Ciências da Terra e Ambientais na Universidade da Cidade de Nova York.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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