Presidente Jair Bolsonaro com motociclistas  [fotografo] Reprodução [/fotografo]
Olurum convidou Xangô para debater um tema que o incomodava bastante, especialmente depois que recebera a visita de Tupã e Sumé. Os seus amigos queriam saber do orixá o que ele pensava sobre a responsabilização de um cacique por atos praticados coletivamente por ele e vários integrantes de sua comunidade.
O caso narrado tinha relação com a descoberta de que a liderança indígena negociava com alguns garimpeiros que, gananciosa e ilegalmente, destruíam a 
Floresta Amazônica em busca de outro. Tupã e Sumé divergiam sobre a punição, dizendo o Senhor dos Trovões que queria uma punição individualizada para o cacique, transformando-o, como já fizera no passado, em uma tartaruga jurará-açu. Sumé achava que a punição deveria ser coletiva, nela incluindo a  parte da comunidade que fora cúmplice do futuro réptil.
Elegantemente vestido em trajes marrom e 
Vermelho, 
Xangô chegou pontualmente. Tirou as botas que portava e, descalço, ingressou no terreiro de Olurum. Cumprimentou 
Emanuel, 
Jaci e 
Oxalá que conversavam animadamente, com um sonoro "saravá". Deixou o seu reluzente 
oxê de duas lâminas viradas em direções opostas sobre um altar e se aproximou de Olurum.
-  
Kaô kabelicê! - cumprimentou Olurum o convidado que acabara de chegar. - E que a Justiça sempre o acompanhe!
- Olurum me convocou e já estou aqui  - retribuiu Xangô, com a sua sábia modesta. - O que meu pai maior quer deste simples orixá?
- Quem é rei nunca perde a majestade - sorriu Olurum. - Queria saber de sua opinião sobre uma questão levantada por Tupã. A quem devemos punir diante de crimes cometidos de forma generalizada? O líder? Ou todas as pessoas que o seguem e apoiam?
-  "Quem deve paga e quem merece recebe" - respondeu, de pronto, Xangô. - Eu mesmo já ordenei condenações coletivas, assim como responsabilizei individualmente alguns reis.
- Ótimo! Teremos muito o que conversar - exaltou Olurum, afastando-se com Xangô dos amigos, que, curiosos, estavam atentos à conversa e aos ensinamentos que dela poderia extrair. - Acho que o povo brasileiro logo precisará resolver um dilema como esse que nos trouxeram Tupã e Sumé.
- 
E? koîpó aã?  Eles foram embora e nos deixarem sem respostas! - exclamou Jaci, arrancando uma sonora gargalhada em seus amigos. - Será que eles não querem conversar aqui para que Oxalá não faça a defesa das criaturas que criou?
-  O que vocês acharam do debate proposto por Tupã a Olorum? - despistou  Oxalá, para logo refletir sobre o tema em forma de perguntas. - Diante de um crime apoiado pela sociedade, a culpa é do líder ou da coletividade? O 
nazismo foi um bloco do eu sozinho? O 
fascismo? O 
genocídio do meu povo? As mortes evitáveis? O "eu" ou o "nós"? De quem é a culpa?
- Tem razão, Oxalá! A batalha em sociedade não é como um ringue em que o resultado da luta depende do talento individual do combatente - concordou Emanuel. -  A análise do comportamento individual nos atos coletivos é muito mais complexo.
- Mas não querer ouvir o que as vozes dizem com clareza, não é o mesmo que dar um falso testemunho para o seu próprio coração? - interrogou Jaci.
-  É uma boa interpretação do IX Mandamento - refletiu Emanuel. - Ela me fez lembrar do que Lucas escreveu: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!"
-  Recusar-se a ouvir o óbvio é dar, conscientemente, ouvidos aos espíritos obsessores que querem comandar a sociedade - concordou Oxalá. - É cômodo não se sentir culpado por ter escolhido mal, apoiado ou se omitido quando se sabia do caráter da liderança. Especialmente persistir no erro quando se sabe errado.
-  A sua observação se torna clara quando a pessoa sabe que a liderança nunca escondeu o que pensa da humanidade, que não foi omissa ao revelar os seus ódios ou que nunca teve receio de externar o seu desapego à verdade - reforçou Jaci. - Se eu fosse Xangô, diria a meu Pai que Sumé tem razão ao apontar a cumplicidade da parte da comunidade que apoiou o cacique traidor da floresta.
- Não é fácil punir! Meu Pai disse em Hebreus, que "Na verdade, toda correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza" - opinou Emanuel, para logo concluir. - "Mas, depois, produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela".
-  Essa é uma verdade absoluta! - concordou Oxalá. - O futuro dos que comentem crime contra a humanidade tem relação direta com o tratamento que se dá a eles no presente. Punir também é ato de sobrevivência.
- 
Emonã-temõ.mã!  -   suspirou Jaci, logo percebendo que Xangô voltara ao terreiro e, não contendo a sua curiosidade, faz ao orixá a pergunta que não queria calar. - 
E? koîpó aã?
-  Sim ou não? Sobre o quê, minha Oshupá?  -  perguntou Xangô, sem saber que o resultado de sua conversa era aguardado com curiosidade.
-  Ora pois, Xangô! - sorriu Jaci. - Sobre o conselho que vocês darão a Tupã. Quem deve ser condenado: o "eu" ou o "nós"?
-  Ora pois, minha Oshupá! Daí a Tupã o que é de Tupã!  -  respondeu sorridente, Xangô, enquanto ajustava o seu machado à cintura. - Ele e a história saberão julgar os culpados!
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