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Robson Carvalho
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País de excluídos
13/4/2022 10:03
Padre Júlio Lancelotti destruindo pedras colocadas sob viadutos para impedir o acesso de pessoas[/caption]
Em postura contrária a estes tipos de atitudes, uma das cenas que encheram os olhos das pessoas que têm um mínimo de sensibilidade foi a do padre Júlio Lancelotti, da paróquia de São Miguel Arcanjo, em São Paulo, a quem tive o prazer de entrevistar. Com idade um pouco avançada, segurou nas mãos um gigantesco martelo e começou a golpear paralelepípedos na tentativa de removê-los debaixo de um viaduto em São Paulo. A atitude foi seguida por muitos e a missão foi cumprida, finalizando com a colocação de flores em lugar das pedras.
O padre Júlio Lancelotti tem sido um dos principais protagonistas do país a dar visibilidade e tratar a questão com um olhar verdadeiramente cristão, em favor dos seres humanos abandonados e rejeitados muitas vezes pela própria igreja, como se pode ver na foto deste cartaz, tirada no interior da igreja de São Francisco em Florianópolis, desmotivando os "fiéis" a darem esmolas. Diz o cartaz: "pedimos, por gentileza, não dar esmolas no interior da igreja, nem no portão. Isso não dá dignidade...".
Sim, sou dos que pensam que até a caridade deve ser feita com responsabilidade, mas essa caridade muitas vezes organizada por instituições e grupos de voluntários e ONGs não chega a todos. E como fica a situação dos excluídos dos excluídos? A frase que desestimula um gesto de caridade dento da própria igreja chega a ser análoga a algo como "não dê comida aos animais" ou "não alimente os pombos; eles trazem doenças". Diz ainda que "não dá dignidade". Ora, mas então quem devolverá, ou, de onde virá a dignidade já foi roubada dessas pessoas? Do céu, depois da morte?
Aliás, como é possível falar em dignidade a quem não tem o que comer, nem onde morar? Pior que isso, esqueçamos o morar: são pessoas que não têm nem ao menos onde dormir ou fazer suas necessidades fisiológicas. Você consegue ter noção do que significa isso? Ser obrigado a cagar e mijar na rua? É algo tão estarrecedor que é como se dar esmolas fosse a causa da pobreza e das mazelas da sociedade.
Choca, do mesmo modo, a frase de um outro cartaz muito comum, espalhado por algumas secretarias de assistência social de algumas cidades do país: "dar esmolas colabora para a permanência das pessoas nas ruas". Então, a culpa é das esmolas... e se parar de dar esmolas, o problema acaba? E o tipo de política econômica neoliberal desenvolvida no país não tem nada a ver com isso?
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Mensagem em igreja desaconselha que fiéis deem esmolas[/caption]
Há outros dois exemplos terríveis: um é a visão preconceituosa e generalista de que a pessoa é pobre porque não estudou e não trabalhou porque não quis. Mas, podemos perguntar: a pessoa teve oportunidade de estudar? Teve oportunidade de trabalhar? Está ali porque quer, de livre, consciente e espontânea vontade? Alguém realmente é capaz de imaginar isso? O outro, é o problema das drogas, que existe de fato, mas, do mesmo modo, é necessário se questionar: os que se enquadram nesse caso estão nesta situação por decisão livre e consciente?
São problemas sociais, em parte fruto de crises econômicas que têm vomitado seres humanos nas ruas como dejetos imprestáveis a um sistema, que por muito tempo foi por eles alimentado, antes de os descartarem. Os preços dos alugueis e dos imóveis tem aumentado a cada dia em contrário à situação dos salários, cada vez mais defasados e devorados pela inflação e ao aumento do desemprego.
Quando numa sociedade há pessoas que são movidas por interesses mesquinhos e individualistas, enquanto você tiver algo a oferecer, haverá algum tipo de acolhimento, quando não, será desprezado. Como diz o professor Jessé Sousa, que prefacia o livro da professora Adela Cortina, esse é um fenômeno que marca a sociedade brasileira e precisa ser melhor compreendido e combatido. Devemos ter muito cuidado com essa questão, pois, como explica a professora, que também inclui os emigrantes entre os que sofrem com o mesmo problema, "todos nós temos uma pré-disposição para esta fobia" e as saídas para superação desses problemas se dará "através da educação, da eliminação das desigualdades econômicas, da promoção de uma democracia que leva a igualdade a sério e da promoção de uma hospitalidade cosmopolita". Agora que você já conhece mais sobre o assunto, consulte o seu coração e tente responder: há nele algum indício de aporofobia?
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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