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Congresso em Foco
24/10/2019 | Atualizado 25/10/2019 às 9:31
Cópia de carteira de identidade acessada pela reportagem no site da Secretaria de Cultura de São Paulo[/caption]
Os proponentes devem enviar os documentos e os projetos ao sistema, que salva os arquivos com um número identificador. Reside aí a falha. Cada candidato tem dois identificadores, nesse caso, uma ordem sequencial e previsível, que permite que o link de download seja reconhecido e os arquivos baixados da plataforma. Ou seja, mudando a sequência, é possível acessar os dados dos quase 30 mil inscritos. Embora tenha descoberto a falha no ProAC, o Congresso em Foco decidiu não publicar o link para evitar a exposição das informações privadas. Ao todo, são mais de 56 mil links ativos. Neles estão documentos pessoais e as íntegras das propostas.
Desde segunda-feira (21) o site procurou a Secretaria Estadual de Cultura por telefone e e-mail três vezes, pedindo informações e o seu posicionamento sobre o caso, mas a assessoria só respondeu na noite dessa quinta-feira (24), após a publicação da reportagem. Em nota (veja a íntegra), o órgão atribuiu o "erro técnico" à gestão anterior e informou que abriu uma sindicância para apurar o episódio. Afirmou, ainda, que bloqueou o acesso aos dados para preservar a privacidade dos inscritos no programa assim que foi alertado sobre o problema no sistema.
> Governo de SP abre sindicância para apurar vazamento de dados pessoais apontado por este site
Falha do Estado
O erro de programação na página do ProAC expõe uma falha do Estado no dever de zelar pelas informações sob sua custódia e deixa milhares de pessoas vulneráveis à ação de criminosos. Esses dados pessoais são protegidos atualmente pela Constituição e pela Lei de Acesso à Informação (LAI).
"A exposição desses dados por erros de programação, de protocolos inseguros, de armazenagem e de acesso causa dano à privacidade e cria vulnerabilidades para outros danos como o roubo de identidade usados em fraudes financeiras", afirma o advogado Danilo Doneda, professor de Direito Civil no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e um dos responsáveis pelo texto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que reforça o veto à divulgação de informações pessoais na internet.
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Documento com identificação pessoal pode ser acessado por qualquer usuário[/caption]
"Ainda que a LGPD só entre em vigor em agosto de 2020, a exposição de dados a terceiros viola desde a Constituição Federal no princípio da inviolabilidade à privacidade, passando pela LAI (Lei de Acesso à Informação) e pelo Código de Defesa do Consumidor", explica a também advogada Flávia Lefèvre, conselheira do Comitê Gestor da Internet (CGI) e membro do Intervozes, organização voltada para a efetivação do direito humano à comunicação.
O artigo 31 da LAI determina que "o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais".
Proteção de dados
Sancionada pelo ex-presidente Michel Temer em agosto do ano passado e alterada por Jair Bolsonaro este ano, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais LGPD define como dado pessoal qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Ou seja, qualquer dado que permita identificar uma pessoa ou que, com a união de outra informação, possibilite essa identificação. "A proteção de dados pessoais tem como fundamentos o respeito à privacidade, a autodeterminação informativa, a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem", prevê a lei.
Danilo Doneda vê uma preocupante indiferença dos agentes públicos com a adoção de medidas de segurança em relação aos dados que estão sob seu poder. Ele cita o vazamento de informações sigilosas dos estudantes do Enem pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), do Ministério da Educação, em 2010, e a falha no sistema Departamento Estadual de Trânsito (Detran) do Rio Grande do Norte que permitiu a divulgação de dados pessoais de 70 milhões de brasileiros com carteira de motorista no início de outubro.
"Tenho receio que, com a LGPD em vigor, pouca coisa mude. A lei já nasceu enfraquecida e nada garante que o órgão regulador dentro da estrutura da Presidência exerça as funções de controle e penalização dessas 'falhas'", considera.
Flávia Lefèvre lembra que os poderes públicos nas três esferas de governo são os que mais coletam dados e que a Lei Geral de Proteção de Dados, sem um regulador forte e independente, dificilmente adotará medidas para evitar danos à privacidade e garantir a preservação da intimidade das pessoas.
Subordinação à Presidência
O ceticismo está relacionado à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão criado para proteger as informações pessoais previsto inicialmente LGPD. Após vetos presidenciais, a ANPD foi instituída como parte da administração pública federal, integrante da Presidência da República, o que significa que o órgão não será independente e estará subordinado aos interesses do governo federal.
O advogado Bruno Bioni, pesquisador e diretor do Data Privacy Brasil, não tem uma visão tão pessimista quanto à LGPD. "Discordo que a lei terá pouca eficácia, ainda não foi implantada e temos que esperar para ver como ela será decantada e como será formada uma rede de atores da sociedade civil, da academia, do setor privado, do terceiro setor para se movimentar e fazer a lei 'pegar'. A lei sozinha não será capaz de impedir que esses vazamentos aconteçam, mas é um primeiro passo para mudar as condutas e sem ela não teríamos qualquer perspectiva de mudança", acredita.
Bioni ressalta que a autoridade de proteção de dados pessoais sob o guarda-chuva da Presidência não é o formato ideal. O que se desejava, segundo ele, era uma agência reguladora como uma autarquia que não pertencesse à administração pública direta, mas à administração indireta, com mais independência e autonomia financeira.
"Temos de ter a clareza de que só isso não vai resolver o problema. O Estado e a iniciativa privada tem que zelar pelos dados pessoais não apenas por estarem sujeitos a sanções, penalizações, multas, mas porque a relação deles com o titular da informação será calibrada pela capacidade promover a segurança caso contrário a confiança se esgarça e são criados obstáculos para elaboração de políticas públicas e para a viabilizar serviços para a população", defende o diretor do Data Privacy Brasil.
Temos que pensar em dados de modo individualizado e também como um bem comum. Fiscalizar, denunciar vazamentos como esses, ver como LGDP vai funcionar ou não, cobrar transparência do governo no uso e compartilhamento dos dados e reivindicar mais proteção se as leis não atenderem aos princípios de intimidade, privacidade e liberdade dos cidadãos.
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SEGURANÇA PÚBLICA
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