Entrar

    Cadastro

    Notícias

    Colunas

    Artigos

    Informativo

    Estados

    Apoiadores

    Radar

    Quem Somos

    Fale Conosco

Entrar

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigos
  1. Home >
  2. Notícias >
  3. Monteiro Lopes, o primeiro deputado negro que o país esqueceu

Publicidade

Publicidade

Receba notícias do Congresso em Foco:

E-mail Whatsapp Telegram Google News

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Monteiro Lopes, o primeiro deputado negro que o país esqueceu

Eleito em 1909, ele enfrentou racismo, articulou movimentos negros e defendeu trabalhadores, mas foi empurrado para fora da história oficial.

Congresso em Foco

20/11/2025 8:00

A-A+
COMPARTILHE ESTA NOTÍCIA

No Dia da Consciência Negra, o Brasil costuma revisitar figuras históricas consagradas, como Zumbi dos Palmares, Dandara e Luiz Gama, mas permanece devendo luz a um nome que deveria ecoar com igual força: Manoel da Motta Monteiro Lopes, o filho de africanos que ousou atravessar a Primeira República e sentar-se, negro e altivo, no plenário em que quase nada parecia lhe pertencer. O primeiro deputado federal declaradamente negro do país não apenas abriu uma porta: ele precisou empurrá-la com todo um movimento negro atrás de si, enfrentando um Brasil que ainda preferia fingir que a cor não existia.

Nascido em Recife, em 1867, foi juiz no Amazonas e advogado de operários no Rio de Janeiro. "Socialista não revolucionário", republicano convicto, abolicionista, orador brilhante e alvo constante de racismo, Monteiro Lopes foi muito mais do que "uma exceção" exótica no Parlamento. Era, nas palavras da historiadora Carolina Vianna Dantas, autora de uma tese de doutorado sobre o parlamentar, fruto e articulador de um meio negro politicamente vibrante que a historiografia tradicional quase apagou.

Monteiro Lopes exerceu mandato de deputado federal entre 1909 e 1910.

Monteiro Lopes exerceu mandato de deputado federal entre 1909 e 1910. Reprodução | Arte Congresso em Foco

"O que nos leva a ver o Monteiro Lopes como, digamos assim, uma grande exceção à regra, quase um mártir sozinho, é que a historiografia consolidada hoje sobre a Primeira República trabalha com determinados marcos da história política das elites brancas, e isso impossibilita ou dificulta muito a compreensão da organização dos negros, das formas de mobilizar e fazer política negra", diz a pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-Fiocruz, no Rio, em entrevista ao Congresso em Foco.

"Monteiro Lopes é fruto do movimento abolicionista, que é o primeiro movimento político de massa no Brasil. Ele é um abolicionista, um republicano. Vem desse movimento todo, que reunia muitos homens negros. Então, ele não estava sozinho."

Na tese "Manoel da Motta Monteiro Lopes, um deputado negro na I República", defendida em 2008 na UFF, Carolina joga luz sobre esse personagem histórico que o país pouco conhece.

Um filho de africanos que fez da educação um quilombo

Monteiro Lopes nasceu em uma família de origem africana que carregava no corpo o estigma da escravidão, mas tinha, no horizonte, um projeto de ascensão pela escola. O pai era alfaiate, operário especializado; a mãe, tudo indica, atuava no comércio, emprestando dinheiro e circulando com autonomia num espaço em que muitas mulheres minas se destacavam.

Carolina lembra que essa origem ajuda a entender o que viria depois. "Ele é um filho de africanos do Recife. A gente sabe que os africanos naquele momento não tinham reconhecimento social e status, tinham um status de inferiorização bastante grande, contudo, os pais dele, apesar disso, tinham alguma posse, embora não pudessem ter bens de raiz, por exemplo", ressalta.

Dessa casa saíram dois advogados e duas professoras. Enquanto estudava Direito, Monteiro já dava aulas, atuava em comunidades com grande presença de libertos e participava da campanha abolicionista convencendo negros a se alfabetizarem e se alistarem como eleitores.

"O Monteiro Lopes vem de uma família que consegue, a partir da educação, uma inserção social importante, é uma família que tem destaque na comunidade africana, no Recife, e o Monteiro Lopes começa a sua carreira política no Recife, junto a esses trabalhadores, e fazendo um trabalho de base em comunidades em que havia muitos libertos para que se alfabetizassem e que se alistassem para votar", relata Carolina.

Esse "chão social" - abolicionista, associativo, popular - o acompanharia pelo resto da vida.

Manaus, togas e travessias

Formado em 1889, ele exerceu a advocacia em Recife até ser convidado a chefiar a polícia do Amazonas. Por divergências políticas, não chegou a assumir o comando da corporação, mas foi nomeado promotor e depois juiz de direito em Manaus.

Monteiro Lopes começou sua militância na advocacia.

Monteiro Lopes começou sua militância na advocacia.Reprodução

Há lacunas nas fontes sobre esses anos, como destaca Carolina em sua pesquisa, mas o que se vê, ao seguir o fio, é um homem em trânsito permanente entre mundos: o das elites jurídicas e o dos trabalhadores, o dos clubes republicanos e o das irmandades negras.

Em meados da década de 1890, Monteiro Lopes se fixa no Rio de Janeiro. Abre escritório, volta a advogar, retoma laços com o associativismo negro e se joga de vez na política. Em pouco tempo, a imprensa o identifica como "advogado de irmandades", "defensor dos operários", "líder dos pretos". Em 1903, elegeu-se intendente, o equivalente ao cargo de vereador, no Rio. Já em 1905, sem vínculo partidário, tentou se eleger deputado federal. Eleito, não conseguiu ser diplomado nem tomar posse. Objetivo que só alcancaria quatro anos mais tarde, já pelo Partido Republicano Democrata.

Um republicano socialista "de dentro da ordem"

No ideário, Monteiro Lopes se via como republicano histórico e socialista não revolucionário, defensor de um Estado forte em direitos sociais, e não em repressão. Acreditava nos valores universalistas da República - igualdade perante a lei, cidadania para todos - e foi até o fim coerente com essa aposta.

Carolina resume sua posição. "Ele, junto com outras pessoas brancas e negras, apostou nos valores republicanos, universalistas, de que todos nascem iguais perante a lei, de que tem que ser cego à cor, que a República, os valores universais teriam que ser cegos à cor, ele acredita nesses valores de igualdade e luta por eles. Hoje a gente sabe quem ganhou, digamos assim, mas naquele momento isso não estava dado, era luta, era o que estava ali disponível naquele contexto e que ele investiu em acreditar e constituir alianças com brancos e com negros para lutar."

Na Câmara dos Deputados, sua pauta foi cristalina: propôs de maneira pioneira a criação de um Ministério do Trabalho, proteção contra acidentes de trabalho, pensões para famílias de operários mortos, proibição do trabalho infantil, equiparação entre operários da União e servidores públicos. Falava de jornada, salário, aposentadoria, moradia. Era um programa social ousado - ainda mais vindo de um deputado negro, crítico das oligarquias, que se dizia representante dos trabalhadores e dos "pretos" do país. Seu mandato, porém, foi interrompido precocemente: foi de abril de 1909 a dezembro de 1910, quando faleceu aos 43 anos, em decorrência de problemas renais e diabetes.

Dupla militância: negros e trabalhadores

No Rio, Monteiro frequentava cafés onde se cruzavam estudantes, jornalistas, militares, políticos e intelectuais. Construía laços com republicanos históricos, mas também com lideranças negras e operárias.

Para Carolina, ele encarnava uma "dupla militância": "Você tem um conjunto de entidades formadas por negros, por trabalhadores negros no Rio de Janeiro, a qual ele é muito ligado, digamos que era a clientela dele em termos políticos, e ele faz essa articulação com outras entidades e lideranças negras no Brasil todo".

Ao mesmo tempo, não havia unanimidade nem ali. Alguns anarquistas o criticavam por acreditar demais no Estado e nas instituições. Essa tensão interna, ressalta Carolina, também é parte do aprendizado. "Assim como grupos brancos, os negros também têm diversidade política entre si. Então, isso também é muito importante, ajuda a gente a entender o que é essa participação política negra na Primeira República, que é muito rica, que é intensa, que perdeu, digamos assim, se a gente pensar no macro poder, mas que estava ali lutando e tem diversidade, tem discordância entre si."

Insultos, charges - e apoio na imprensa

A entrada de um deputado negro em um espaço "muito precioso para as elites", como a Câmara, provocou reação violenta da imprensa conservadora: charges grotescas, piadas de mau gosto, xingamentos, tentativas de ridicularizar sua atuação.

Mas o cenário não era monolítico. "Quanto ao tratamento na imprensa, você tem uma maioria de órgãos da imprensa que vão tratá-lo de forma muito discriminatória, desvalorizá-lo das piores maneiras possíveis, inclusive com xingamentos, mas você tem determinados jornalistas e órgãos da imprensa que vão apoiá-lo. Então, aí está a contradição e que eu acho que é importante também da gente entender aquele período. Hoje, a gente sabe que quem venceu foram as elites brancas, mas naquele momento, na pós-abolição, isso não estava dado."

Charge de Monteiro Lopes feita por J. Carlos, Careta, de 29 de maio de 1909.

Charge de Monteiro Lopes feita por J. Carlos, Careta, de 29 de maio de 1909.Reprodução

Carolina explica que, quando humilhado, Monteiro respondia em comícios, artigos, ações públicas. Sua postura altiva virou referência para quem sofria discriminação. "Ele acabou se tornando uma figura a quem as pessoas recorriam quando sofriam discriminação", conta. Ele marcava comícios, ia aos jornais, transformava cada episódio em denúncia política.

Essa postura o levou a ser acusado, ironicamente, de "introduzir o racismo" no Brasil. "Tanto que ele era, às vezes, acusado, por membros dessa elite branca, de introduzir o preconceito no Brasil, porque traziam o discurso de que no Brasil há harmonia de raças, nos Estados Unidos é que tem segregação, tem ódio de raças, aqui não. E aí vem esse Monteiro Lopes começar a falar em pretos na política, em discriminação. Então, acusavam ele, olha só, de introduzir o racismo no Brasil, porque ele tira o véu do silêncio da questão racial, da opressão racial."

Estratégia de sobrevivência política

A historiadora ressalta que um dos episódios mais marcantes da trajetória de Monteiro Lopes foi a campanha para garantir que ele tomasse posse. Sem Justiça Eleitoral, a diplomação dependia dos próprios deputados da legislatura anterior. Circulou o boato de que o governo trabalhava para impedir um "preto" de se assentar no plenário.

A resposta foi uma operação política de "aquilombamento" em escala nacional, de acordo com Carolina. "E aí o que o Monteiro Lopes faz? Ele envia correspondência para todas as associações negras que se tinha notícia no Brasil, tanto no Nordeste, no Sudeste e no Sul, pedindo apoio e dizendo o que estava acontecendo. E aí ele articula ali um apoio com essas entidades que passam nos jornais, nos políticos locais a pressionar pela eleição dele. E aí, enfim, é quando ele é projetado, digamos assim, nacionalmente."

Segundo ela, a principal estratégia do parlamentar foi "se aquilombar". "Foi mostrar para essas elites, mostrar publicamente que ele não estava sozinho, e que os negros não precisavam de ninguém para falar por eles. Tinham suas próprias formas de se organizar, e muitas delas eram formas de se organizar indo à imprensa, eram formas de se organizar ocupando os jornais, ocupando as ruas, ocupando os teatros", observa.

Aquele movimento reacendeu o orgulho de ex-escravizados e idosos que viam, nele, a prova de que a abolição não estava completa. "Abolição se fez, mas ficou o preconceito", diziam a ele nas viagens pelo país, como resgata a historiadora.

Dor, altivez e orgulho negro

Os jornais e memorialistas permitem vislumbrar também a dimensão humana dessa trajetória. Numa carta a uma liderança negra do Sul, após ter sua diplomação ameaçada, Monteiro Lopes admite que ainda não havia se recuperado: o episódio o devastara.

"Pessoalmente, quando a gente tem acesso a registro mais privado, a gente consegue ver o quanto de dor e sofrimento ele passou. Mas nunca foi um sujeito que se encolheu, muito pelo contrário, muito combativo, um excelente orador, e que ia para as ruas, ia para os púlpitos, para os teatros", diz Carolina.

A resposta de Monteiro Lopes ao racismo misturava denúncia, organização coletiva e afirmação positiva da negritude. "Nos discursos, ele dizia: gente, negro não se envergonha por ser negro. Ele, inclusive, usava o termo negro de modo positivo, ressignificando o termo", explica a pesquisadora.

Segundo a professora da UFF e da Fiocruz, o deputado conclamava a população negra a reagir a toda a forma de discriminação:

"Vamos botar os filhos nas escolas, se discriminarem nossos filhos nas escolas. Vão aos jornais, abram um processo na justiça, porque a gente precisa colocar os nossos filhos na escola para que eles ocupem posições de comando no futuro. A gente tem uma história importante, os nossos estiveram nas guerras. Quando tem guerra no Brasil, ninguém pergunta, ninguém discrimina o negro para entrar na guerra combatendo pelo Brasil, mas vai discriminar para entrar na política? Então, temos que nos orgulhar da nossa história".

Monteiro Lopes procurava se vestir impecavelmente, usando a elegância como estratégia para ocupar espaços em que não queriam vê-lo, e fazia da tribuna um lugar de enfrentamento. No Congresso, sofria interrupções deliberadas, piadas sobre África, Congo, cachimbo - e respondia à altura.

Apagamento: quando o silêncio é um projeto

Mais de um século depois de sua morte, uma pergunta é inevitável: por que Monteiro Lopes praticamente não é lembrado na história brasileira, inclusive por lideranças negras?

Para Carolina Dantas, legado de Monteiro Lopes precisa ser valorizado.

Para Carolina Dantas, legado de Monteiro Lopes precisa ser valorizado.Arquivo pessoal

Para Carolina Dantas, uma série de fatores ajuda a explicar esse "desaparecimento". "Em primeiro lugar, o apagamento dele está muito relacionado às próprias bases que estruturam a historiografia. E que são bases, evidentemente, cortadas pelo racismo, pela branquitude. E são marcos que vão silenciar um conjunto de histórias, de experiências, de processos da população negra como parte desse projeto da supremacia branca."

Ela lembra que, desde os anos 1980, a historiografia sobre escravidão, cultura e pós-abolição vem tensionando esses modelos. Mas o problema está longe de resolvido. "A gente tem hoje um acúmulo de conhecimento, de experiências, processos históricos que trazem grupos, indivíduos negros atuando em todos os campos da sociedade. Enfim, só que o grande problema hoje está em romper com esses modelos explicativos historiográficos tradicionais, porque nesses modelos a história dos negros, seja pensando em trajetórias individuais ou em processos coletivos, entra como exceção, como desvio da norma, como o boxe no livro didático, como apêndice. Não entra de modo estruturante numa explicação do que é essa história do Brasil, construída também e protagonizada por pessoas negras em várias dimensões."

Além do racismo estruturante, ela destaca o peso do Estado Novo no esmagamento das experiências negras de organização política iniciadas ainda no século 19, e a própria forma como se escolheu contar a Primeira República: como uma história de elites brancas, em que trajetórias como a de Monteiro Lopes "não cabem".

Um legado para a democracia - e para o presente

Apesar do "apagamento", o legado de Monteiro Lopes é contundente, considera a historiadora. O pernambucano de família africana não foi apenas o "primeiro deputado negro". Foi um dos principais articuladores de um campo político negro que unia associações, trabalhadores e intelectuais em várias cidades do país, e dialogava inclusive com movimentos negros na Argentina e no Uruguai.

"Ele é um grande, um importante articulador desse meio negro no Brasil do final do século 19 para 20. Em função disso tudo, não tem como a gente falar da história da democracia no Brasil, da história política no Brasil, sem falar desses movimentos. E o quanto esses movimentos foram importantes para a conquista e ampliação dos direitos que a gente tem hoje. Embora seja uma história muito apagada, mas é uma história de mobilização política em prol do alargamento de direitos para negros e, evidentemente, também para brancos."

Num país em que negros são maioria da população, cerca de 55%, segundo Censo do IBGE de 2022, mas ainda minoria no Parlamento (cerca de 25% atualmente), revisitar a história de Monteiro Lopes é mais que exercício de memória: é um espelho incômodo. Mostra que, desde o pós-abolição, negros "não esperavam" que a liberdade "caísse do céu".

"Eles estavam protagonizando suas vidas, suas lutas, criando suas formas de exercício político, dialogando com a modernidade, ocupando essa modernidade muito criativamente naquele momento."

Siga-nos noGoogle News
Compartilhar

Tags

negros no brasil consciencia negra racismo Dia da consciência negra igualdade racial Montreal Câmara

Temas

Direitos Humanos

LEIA MAIS

Futebol Feminino

Comissão aprova projeto que incentiva o futebol feminino no Brasil

SEGURANÇA PÚBLICA

PL Antifacção: veja as principais mudanças e o que vai ao Senado

SEGURANÇA PÚBLICA

Davi Alcolumbre escolhe Alessandro Vieira para relatar o PL Antifacção

NOTÍCIAS MAIS LIDAS
1

Operação Compliance Zero

Veja quem são os executivos do Banco Master presos pela PF

2

CÂMARA DOS DEPUTADOS

PL Antifacção: veja como cada deputado votou

3

confusão

Deputado do PT troca chutes e socos com homem no centro de Curitiba

4

Linguagem simples

Entenda o que é linguagem neutra, proibida em lei sancionada por Lula

5

Operação Rosa Branca

Soraya Thronicke pode ter sido vítima de nudes falsos

Congresso em Foco
NotíciasColunasArtigosFale Conosco

CONGRESSO EM FOCO NAS REDES