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Opinião
Congresso em Foco
21/3/2022 16:02
Foto: Reprodução[/caption]
Assim, Moisés se referia com carinho a Anselmo, o descrevendo como um militante bem intencionado, cujo grande defeito seria gostar muito de aparecer. Aliás, sendo sargento e lhe convindo, portanto, exercer sua influência discretamente, Moisés transmitia a Anselmo o conteúdo político dos discursos inflamados que ele deveria proferir e depois ficava só observando o desempenho daquele que ele supunha ser seu melhor boneco de ventríloquo.
Tendo ido treinar guerrilha em Cuba após sua fuga, Anselmo ficou menos falado por aqui durante alguns anos. Moisés permaneceu irredutível na convicção de sua inocência até agosto de 1971, quando pagou caro por ela: depois de haver sobrevivido durante sete anos à perseguição da ditadura, foi atraído para uma emboscada por Anselmo e acabou sendo capturado vivo, hipótese que sempre descartava (ele me garantia que se faria matar antes disto).
Os suplícios que certamente sofreu na Casa da Morte de Petrópolis, sabendo que no final da linha estava sua execução, me davam pesadelos quando escrevia o Náufrago da Utopia e era obrigado a evocar de novo esses terríveis episódios. Nos piores momentos da minha temporada no inferno, eu tinha pelo menos a esperança de sobreviver e um dia enfrentar de novo aqueles inimigos. Moisés nem isto tinha.
Com sua morte, a autodissolução da VPR e o caos instalado entre os dispersos remanescentes da luta armada, Anselmo conseguiu incrivelmente permanecer ativo no seu ofício por mais um ano e meio.
Eis como Élio Gaspari relatou, em A Ditadura Escancarada, a mais lembrada de suas missões, até porque não hesitou em sacrificar a militante paraguaia com quem vivia e estava grávida dele, Soledad Viedma Barrett:
"A última operação de Anselmo, na primeira semana de janeiro de 1973, (...) resultou numa das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura. Um combinado de oficiais do GTE e do DOPS paulista matou, no Recife, seis quadros da VPR. Capturados em pelo menos quatro lugares diferentes, apareceram numa pobre chácara da periferia.
Lá, segundo a versão oficial, deu-se um tiroteio (...). Os mortos da VPR teriam disparado dezoito tiros, sem acertar um só. Receberam 26, catorze na cabeça. (...) A advogada Mércia de Albuquerque Ferreira viu os cadáveres no necrotério. Estavam brutalmente desfigurados."
Foi a segunda morte de Anselmo: a operacional. A partir daí, não conseguiria iludir mais ninguém na esquerda, então passou a ser um ocioso sustentado e protegido por delegados do Deops paulista, às vezes conseguindo um dinheirinho extra com entrevistas e livros que profissionais escreviam sobre ele ou no lugar dele.
Ainda o requisitaram para uma tentativa de desqualificação da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça: ele pediu anistia em 2004 e, caso esta lhe fosse negada, a rede de extrema-direita poderia fazer muito alarido alegando parcialidade do colegiado.
A comissão percebeu a armadilha; por seus critérios, Anselmo teria mesmo direito a uma reparação se houvesse trocado de lado apenas ao ser preso pelo delegado Sergio Fleury em maio de 1971, conforme sustentara em suas entrevistas e livros - isto porque sua vida teria saído dos trilhos a partir da instauração de um governo ilegítimo e, portanto, seria também uma vítima da ditadura, mesmo havendo se tornado seu ignóbil serviçal.
A possibilidade de agraciar quem levara à morte os verdadeiros resistentes (embora nem de longe suas vítimas chegassem a "100, talvez 200", como ele trombeteava repulsivamente) era tão desagradável para a comissão que ela retardou a marcação do julgamento do caso do Anselmo até lhe chegarem às mãos (em 2012) evidências conclusivas no sentido de que ele já era agente duplo quando foi dado o golpe e, portanto, não fazia jus a um centavo sequer.
A verdade foi estabelecida a partir de documentação secreta do Serviço de Inteligência da Aeronáutica, de papéis recebidos do Arquivo Nacional e de um depoimento do ex-delegado Cecil Borer no sentido de que Anselmo era mesmo um infiltrado, comprovando de viva voz o que sempre se suspeitara: não passava de farsa a alegada fuga do marinheiro da delegacia carioca na qual estava detido em maio de 1966, pois ele havia sido simplesmente solto.
Esta foi a terceira morte do Cabo Anselmo: a dos últimos fiapos de credibilidade que porventura lhe restassem. Só ingênuos dali em diante acreditariam em suas fantasias hediondas e só ultradireitistas fanáticos comprariam sua pseudo-autobiografia de 2015, Minha verdade, que merecidamente encalhou por não passar de um amontoado de mentiras já desmascaradas.
Ao tomar conhecimento de sua quarta morte, a imagem que veio à mente foi a transformação que ocorre com Dorian Gray após esfaquear o quadro, no romance famoso do Oscar Wilde. Será este o motivo de só terem anunciado o óbito depois do enterro, ou minha imaginação voou longe demais?
*Celso Lungaretti é Jornalista, blogueiro, escritor e anistiado político, que em 1969/70 foi comandante de Inteligência da VPR
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