Não houve acordo entre governistas e oposicionistas para a escolha do presidente e do relator da comissão parlamentar de inquérito (CPI) mista dos Correios, instalada ontem. Com isso, o início dos trabalhos da CPI foi adiado para a próxima terça-feira (14). Só após a definição da presidência e da relatoria a comissão poderá começar as investigações.
Os líderes governistas reivindicam os dois postos para o PT e o PMDB. Invocando o regimento comum, a oposição não abre mão da presidência ou da relatoria. O argumento é de que a indicação cabe aos maiores blocos nas duas Casas. Na Câmara, o PT, e no Senado, PSDB-PFL. Apesar de ter maioria na comissão (19 dos 32 membros do colegiado são de partidos aliados), o governo preferiu não submeter seus nomes a votação. Antes da reunião, os líderes partidários tentaram, em vão, chegar a um consenso em torno das indicações.
Os governistas não aceitaram a indicação do senador César Borges (PFL-BA), ligado a Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), para a presidência da comissão e sugeriram pefelistas mais próximos do Planalto, como Edison Lobão (MA) e Roseana Sarney (MA). A oposição não aceitou. "Ora, concordar com isso seria uma farsa", rebateu o líder do PFL, senador José Agripino (RN). "Desse jeito, esta CPI não vai terminar em pizza, vai começar em pizza", emendou o líder da minoria no Senado, José Jorge (PFL-PE).
O senador Jefferson Péres (PDT-AM), que presidiu a reunião por ser o mais idoso entre os titulares, suspendeu os trabalhos por uma hora para que os líderes se entendessem. Diante da manutenção do impasse, ele encerrou os trabalhos. "Suspendo a sessão na esperança de que nas próximas 72 horas acabe essa marcha da insensatez", anunciou Péres.
O governo pretende emplacar, no voto, as indicações do senador Delcídio Amaral (MS), líder do PT, e do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) para a presidência e a relatoria da comissão, respectivamente.
CPI para apurar compra de votos no governo FHC
Diante da resistência inicial do governo em relação à CPI dos Correios, o Congresso pode ter mais quatro comissões parlamentares de inquérito para investigar denúncias de corrupção. Ontem, dois pedidos de investigação foram protocolados: um para apurar a denúncia de compra de deputados feita pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ); outro para apurar a compra de votos desde o governo Fernando Henrique.
Os aliados querem investigar denúncia de compra de deputados, feita em 1997, para aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso. A oposição se insurgiu contra a iniciativa dos governistas.
"Aceito que se investigue denúncia no governo de Fernando Henrique ou de Pero Vaz Caminha, mas que se inicie pelo governo Lula", criticou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que a medida não é uma provocação ao PSDB. "Não se trata de declaração de guerra mas da defesa da nossa coerência", garantiu.
"O senhor Maurício Marinho, que foi flagrado recebendo R$ 3 mil de suborno, era funcionário dos Correios há 28 anos. Não acredito que ele tenha começado a agir assim agora. Queremos uma investigação ampla, que inclua os dois anos e seis meses do governo Lula e o passado também", disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
"Para ouvir o ex-ministro Sérgio Motta será necessária uma sessão espírita, já que ele não está mais entre nós. Podem investigar o que quiserem", retrucou Virgílio, ao se referir ao ex-ministro das Comunicações, acusado pela oposição à época como o responsável pela compra de votos em favor da emenda da reeleição. Motta morreu em 1998.
Além dessas duas comissões parlamentares, o Senado já tem um pedido para a criação da CPI dos Correios, apresentado pela oposição depois que o governo recorreu à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para barrar as investigações no Congresso. Os oposicionistas também coletaram assinatura para criar a CPI do Mensalão na Casa.
Polícia Federal prende suspeitos de gravação
Enquanto as investigações no Congresso não avançam, por falta de acordo entre os partidos, a Polícia Federal prendeu ontem quatro pessoas acusadas de gravar as cenas de pagamento de propina ao ex-chefe do Departamento de Contratação dos Correios Maurício Marinho. O episódio detonou a crise política enfrentada pelo governo.
Os agentes prenderam, em Brasília, o ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) José Santos Fortuna Neves. Também foram presos o militar da reserva da Marinha Arlindo Gerardo Molina, no Rio, o engenheiro João Carlos Mancuso Vilela e o advogado Joel Santos Filho, em Curitiba. Eles também são acusados de tentar extorquir o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), em troca das fitas que o envolvem num esquema de corrupção na estatal.
PTB não entrega cargos e recebe afago do PT
Mais uma vez o PTB não cumpriu a promessa de entregar os cargos e segue firme na base governista. Anteontem, o líder do partido na Câmara, José Múcio, havia dito que os petebistas romperiam com o governo por causa da declaração do ministro das Cidades, Olívio Dutra, que atribuiu a crise política às "más companhias" das quais o PT foi obrigado a se cercar para ter maioria no Congresso.
O presidente do PT, José Genoino, desautorizou ontem o ministro de falar em nome do partido e ressaltou o interesse do governo em manter a aliança com o PTB. "Para nós, essa aliança foi fundamental e é importante para a governabilidade e a execução do programa de mudanças do presidente Lula. Temos que consolidar a maioria absoluta na Câmara e defendemos a manutenção desse acordo", disse.
Genoino se recusou a comentar a entrevista do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, alvo das acusações do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Na quarta-feira, Delúbio disse que o partido, o governo e o Congresso estariam sendo chantageados. O presidente do PT não quis falar sobre quem seria o autor da chantagem. "Não vou repercutir a entrevista de ontem (anteontem). Também não vou falar das declarações do Delúbio", desconversou.
PFL aciona Ministério Público contra Delúbio
O PFL entrou ontem com notícia-crime na Procuradoria Regional da República da 1ª Região, em Brasília, contra o tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Os pefelistas querem investigar a denúncia de supostas captações de recursos em empresas estatais e o pagamento de mesada aos deputados do PP e do PL.
"Nós entregaremos os dados e fatos ao Ministério Público e, em função disso, abrirá ou não o processo contra o Delúbio Soares", disse o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC).
A estratégia do PFL é cercar o governo e impedir manobras do PT para proteger Delúbio, acusado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, de pagar mesada a deputados aliados em troca de apoio ao governo no Congresso. "Essa investigação poderá ajudar o trabalho da CPI dos Correios", afirmou o vice-presidente do PFL, César Maia, vice-prefeito do Rio.
O PFL também decidiu pedir proteção da Polícia Federal para Roberto Jefferson em razão da gravidade das denúncias feitas pelo deputado.
PL denuncia Roberto Jefferson no STF
Ainda ontem, o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), entrou com queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) por calúnia, injúria e difamação. O liberal acusa o petebista de ter ferido sua honra ao dizer que a mesada de R$ 30 mil era dada pelo PT a parlamentares do PL e do PP em troca de apoio político.
Costa Neto acusa o presidente do PTB de desviar o foco dos indícios de corrupção na Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). "As ofensas irrogadas, que colocadas de forma maliciosa e irresponsável são indissociável do cinismo, que em ato consciente e voluntário tinha um só objetivo, macular a honra alheia", diz o presidente do PL na ação.
Jefferson diz que não tem fitas
O presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), informou ontem, por meio de correligionários, que não tem gravações que possam incriminar integrantes do governo ou outros deputados. "Ele (Jefferson) pediu que avisasse ao país, à sociedade, que não tem fitas, que fita é coisa de araponga, e araponga ele não é", disse o líder do PTB na Câmara, deputado José Múcio (PE).
Deputados do PTB relataram, anteontem, ter ouvido de Jefferson a afirmação de que ele teria 52 gravações que, se divulgadas, comprometeriam parte do alto escalão do governo e da própria Câmara. De acordo com Múcio, Jefferson quer "tranqüilizar algumas pessoas que estão sendo vítimas de ameaças de que há fitas".
Conselho de Ética vai ouvir Jefferson na terça-feira
A mesma tranqüilidade não está garantida para a próxima semana, quando Jefferson, que permaneceu recluso em casa nos últimos, reaparecerá na Câmara. Na terça-feira ele será ouvido pelo Conselho de Ética da Câmara, em sessão aberta. No dia seguinte, em sessão secreta, o depoimento será prestado à Corregedoria da Casa.
Ambas as instâncias apuram a denúncia feita pelo presidente do PTB de que parlamentares estariam recebendo mesada de R$ 30 mil para votar com o governo. Jefferson reiterou ontem, por meio de correligionários, que vai confirmar e comprovar a veracidade de todas as declarações feitas ao jornal Folha de S. Paulo na última segunda-feira.
Lula pede transparência em investigações e reforma política
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem aos presidentes da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que o Congresso não pare de analisar projetos de interesse do país durante as investigações da CPI dos Correios. Ele também defendeu a apuração "transparente" das denúncias de corrupção, independentemente de quem possa ser atingido.
Além de prometer anunciar medidas de incentivo à economia nos próximos dias, Lula reiterou o compromisso do governo com a aprovação da reforma política. "A conversa foi muito boa. O presidente pediu que o Senado e a Câmara continuem votando e aprovando projetos, porque é importante para o país", resumiu Renan.
Lula prometeu adotar medidas para aumentar a competitividade da economia e desonerar as exportações e disse que pode rever o critério de edição de medidas provisórias, que têm prejudicado a votação de projetos de lei no Congresso.