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Congresso em Foco
20/4/2006 | Atualizado às 23:25
Andrea Vianna
Depois de estamparem as páginas dos jornais e produzirem verdadeiros espetáculos televisivos, os recentes escândalos políticos chegam às telas do cinema pelo olhar de Nelson Pereira dos Santos, um dos precursores do movimento estético e cultural que se propôs a mostrar a realidade brasileira: o chamado Cinema Novo. Cinco décadas depois de rodar o clássico Rio 40º, o cineasta volta a apostar na combinação da geografia com a atmosfera.
Em Brasília 18%, as referências não são a temperatura elevada, as favelas, nem o povo pobre que deu vida a um dos mais marcantes filmes da história do cinema brasileiro - embora esses componentes também sejam marcantes na ainda jovem capital federal. A cidade surge como cenário de crimes e escândalos políticos. O percentual, claro, diz respeito à baixa umidade relativa do ar característica da cidade. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
O filme, cuja estréia coincide hoje com o aniversário de Brasília, que completa 46 anos, também revela uma cidade partida: de um lado, a ostentação da aura de progresso e modernidade que a envolve desde a sua fundação; de outro, a tentativa permanente de se esquivar do mar de lama que ameaça submergi-la, em meio aos sucessivos escândalos políticos.
A pior das facetas
"Parece que as capitais federais estão fadadas a servir de cenário para a pior das facetas do povo brasileiro", diz Nelson Pereira dos Santos ao Congresso em Foco. Brasília 18% foi livremente inspirado no assassinato, em 1993, de Ana Elizabeth Lofrano dos Santos, mulher do assessor da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional José Carlos Alves dos Santos. Mas traz também referências a escândalos de corrupção envolvendo gente de esquerda, numa espécie de atualização do roteiro, brinca o cineasta.
Preso e acusado pelo assassinato da mulher, José Carlos levantou a suspeita de que o crime teria sido cometido por parlamentares que faziam parte de um gigantesco esquema de corrupção, que ficou conhecido como a "Máfia dos Anões". O economista não conseguiu convencer a polícia de sua inocência. Mas as suas denúncias levaram à instalação da CPI do Orçamento e à cassação e à renúncia de seis deputados (leia mais).
A associação da cidade para a qual todos os estados mandam seus representantes a escândalos políticos não é novidade no cinema brasileiro. Até por isso, Nelson diz não ter receio de que o filme reforce o estigma de Brasília como a "capital nacional da corrupção". "Não foi o meu filme que inventou isso", afirma.
A idéia, segundo ele, é focalizar a vida na corte, mostrando como interesses privados acabam cruzando com o dinheiro público. "Meu filme não fala da vida do cidadão brasiliense que trabalha, tem família, quer progredir na vida, realizar projetos. Eu quis mostrar a outra face, do jogo político, da disputa de poder", completa o cineasta, que é casado com uma brasiliense e se diz praticamente um candango. Nos anos 1990, foi vizinho do então presidente Fernando Collor de Mello, no Lago Sul.
Poder com descrença
Para a cineasta e professora do curso de audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), Erika Bauer (de O santo rebelde), retratar o jogo de poder da política nacional com a capital ao fundo é uma tendência diante dos fatos recentes da história do país.
"Vivenciamos um período em que a vida política aflora com mais intensidade. Não que antes fosse diferente, porque tivemos produções relevantes em outros períodos com abordagem política, mas o cinema acaba se tornando um canal para ironia, para o descrédito. Quase uma maneira de ver o poder com descrença", diz Érika.
Em 1995, a cineasta carioca Lúcia Murat (de Quase dois irmãos), filmou em Brasília o longa Doces poderes, que retrata o cotidiano de jornalistas e políticos em meio a uma campanha eleitoral. Nessa trama, que em muitos momentos lembra as eleições de 1989, uma jornalista que comanda a cobertura da campanha eleitoral é pressionada pela direção da emissora para beneficiar um determinado candidato. Um deputado, ex-militante de esquerda, faz alianças espúrias para emplacar o seu partido.
Para a cineasta, é importante desnudar a forma como o poder político se estabelece, sobretudo numa eleição, para que o espectador possa apreender o país em que vive. Lúcia acredita que é natural Brasília servir de cenário para filmes que retratam os bastidores do jogo político, o embate de forças e os esquemas de corrupção. "Brasília é o centro do poder federal, onde ocorrem esses fatos. Acho que cabe aos cineastas brasilienses mostrar o outro lado da cidade, de gente legal, trabalhadora, que se esforça. A gente que é de fora acaba conhecendo pouco. Eu filmei aí, tive a oportunidade de conhecer a Brasília além do poder. Sei que esse outro lado existe", diz Lúcia.
Brasília além do estigma
É esse lado que o cineasta paulista Renato Barbieri (de As vidas de Maria e A invenção de Brasília), radicado na cidade há dez anos, prefere retratar em suas obras. "Não estou dizendo que reina a pureza em Brasília, porque a cidade não é uma ilha. Mas no filme A invenção de Brasília, consigo retratar o que a cidade tem de bom", completa Barbieri, ao afirmar que nunca se sentiu estimulado a contar uma história sobre o lado sujo da política passado na capital federal.
"Pela visão que tenho da cidade, acho que acabaria contribuindo para reforçar um estigma que não é verdadeiro. Mas nada me impede de contar uma história de corrupção que, logicamente, terá Brasília como cenário. Contudo, mostrando a corrupção como um problema brasileiro e não como um problema de Brasília", diz.
Neste momento, Renato Barbieri, finaliza as filmagens do documentário Cidades inventadas para o canal History Channel, disponível na Net, Direct TV e Sky. O tema da produção são cidades que nasceram planejadas, como Brasília, Recife e Salvador. Barbieri ouviu personalidades de renome internacional, como o tricampeão de Fórmula 1, Nelson Piquet, o fotógrafo Rui Faquini e os integrantes do grupo de teatro Udi Grudi, sobre a opção de viver na capital federal.
"Todos eles têm uma carreira internacional e viajam muito para divulgar seu trabalho. No entanto, preferiram fixar residência em Brasília", conta Barbieri. "Por que não saíram daqui? Eles contam no filme porque ficaram na cidade por opção, e não por imposição".
Entre os argumentos dos entrevistados, está a opção pela qualidade de vida, em primeiro lugar. Em seguida, eles citam o caráter universal e cosmopolita da cidade, que desde a sua fundação, acolhe pessoas vindas dos mais diversos lugares.
"Com menos de um ano morando na cidade, eu já era considerado um cineasta de Brasília, pelos amigos e até pela mídia local. Você se sente muito confortável com isso, a cidade é acolhedora, antiprovinciana. É uma característica dos brasileiros em geral, mas Brasília reflete isso muito bem", conta Barbieri.
Brasília, por brasilienses
O cineasta paulista não está sozinho nessa tarefa de levar às telas o "lado bom" da cidade. No mês que vem o brasiliense José Eduardo Belmonte (de Subterrâneos) lança A concepção, o seu segundo longa-metragem. Com a participação de Matheus Nachtergaele no elenco, o filme fez sucesso na mostra competitiva do 38° Festival de Cinema de Brasília, um dos mais tradicionais do país, no ano passado.
Na trama, os bastidores políticos não aparecem nem como tema secundário. Mas não há como evitar associações entre o ambiente de poder da cidade e a sensação de vazio experimentada por um grupo de jovens ricos de Brasília, que não encontram qualquer sentido na vida.
Entediados, eles tentam viver cada dia como se fosse único, até que surge o personagem X, vivido por Nachtergaele. Profundo conhecedor da vida e do ser humano, ele acaba mostrando um outro lado da existência aos rapazes. A cada dia, X surge com uma cara e um estilo diferente e mostra aos meninos que o mundo pode funcionar como um grande teatro, em que personagens duram apenas 24 horas.
Desabafo coletivo
Para Nelson Pereira dos Santos, levar os desmandos do poder para as telonas, antes de estigmatizar a capital federal, serve, acima de tudo, como o desabafo de um brasileiro, falando em nome de milhões de outros brasileiros.
"As pessoas não vão aos botequins falar mal dos políticos, lamentar a crise? O assunto não está nas mesas das famílias? Ora, já que eu sou um cineasta, faço o meu desabafo no meu filme", conta Nelson. "Esse tipo de polêmica sempre acontece, é quase uma censura religiosa. Quando fiz Rio 40º (em 1955), em que eu mostrava gente pobre na favela, crianças abandonadas nas ruas, andando sem sapatos, proibiram o filme. Hoje eu vejo que não acabaram com as favelas, nem com as crianças abandonadas. Mas na época, eu fiquei como o vilão da história".
Generalizações que ofendem
A associação da capital dos brasileiros a roubalheiras e desmandos incomoda os moradores da cidade que vivem à margem da Praça dos Três Poderes e não aceitam ser vítimas de generalizações e chacotas. Gente que trabalha na iniciativa privada ou mesmo no poder público, ou que vive nas outras cidades do Distrito Federal, distante da Esplanada dos Ministérios. Em agosto do ano passado, a apresentadora Hebe Camargo, tradicional cabo eleitoral do ex-prefeito Paulo Maluf, acabou pedindo desculpas aos brasilienses após uma declaração que ela mesma classificaria depois como infeliz. Hebe começou seu programa de TV - exibido em horário nobre pelo SBT - chamando os correspondentes nos estados. Ao chamar uma jornalista em Brasília, observou, antes, que estava "com muito medo de ir à capital do país".
Naquele mesmo instante, a publicitária Thaís Versiani, brasiliense de 25 anos, desligou a TV e escreveu uma carta indignada à apresentadora, dizendo que "ver a cidade de Brasília atrelada à fama dos maus políticos é péssimo. A cidade tem dois milhões de habitantes, e a grande maioria é honesta. (...)". A publicitária também alertou a apresentadora de que os políticos, geralmente os autores das falcatruas, vêm de todos os estados brasileiros, eleitos por cidadãos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, e Bahia, entre outras unidades federativas.
Dois meses depois de Hebe, foi a vez da modelo e apresentadora Daniella Cicarelli falar mal de Brasília, durante entrevista no Programa do Jô. Ela contava ao apresentador como aprendeu bem a roubar no jogo de cartas. "Roubo profissionalmente. Parece que nasci em Brasília".
Em resposta a Cicarelli, a agência de publicidade brasiliense Mr. Brain bolou uma campanha com o seguinte slogan: "Toda modelo é burra". Embaixo da frase, vinha a alfinetada: "Daniella Cicarelli, viu como é injusto, quando alguém generaliza uma opinião?".
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