O senador
Magno Malta divulgou nesta quarta-feira (14/06) seu voto em separado ao relatório final da CPI dos Bingos. Malta discorda da possibilidade de legalização do jogo prevista no documento inicial e, ao contrário, pediu que todas as liminares que permitem o funcionamento de casas de jogos sejam derrubadas e a jogatina definitivamente fechada no Brasil.
O voto de Malta, que não pede o indiciamento de ninguém, deve ser apoiado pela bancada do PT durante a votação do relatório fianl, prevista para ocorrer na próxima semana.
Leia abaixo a íntegra do voto em separado de
Magno Malta:
VOTO EM SEPARADO
Sobre o Relatório Final da CPI dos Bingos, apresentado pelo Senador Garibaldi Alves Filho, no que diz respeito à apresentação de projeto de lei que regulamenta a exploração do jogo de bingo no País.
I - RELATÓRIO
No Relatório Final dos trabalhos da CPI dos Bingos, o Senador Garibaldi Alves Filho sugere, entre outras medidas, a apresentação de projeto de lei regulamentando a exploração do jogo de bingo no País.
II - ANÁLISE
II.1- Da CPI:
A CPI dos Bingos foi instalada mediante requerimento de nossa iniciativa, subscrito por vinte e três senadores, com o objetivo de investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado.
Embora os depoimentos colhidos por esta CPI, em sua maioria, não estivessem relacionados ao fato determinado que motivou sua criação, os depoentes que abordaram o tema deixaram evidente que os estabelecimentos de bingos são fartamente utilizados pelo crime organizado. Os Procuradores da República Ronaldo Meira de Vasconcelos, José Pedro Taques, Celso Três e Roberto Santos Ferreira, profissionais que militam diariamente na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, nos termos do art. 127 da Constituição, relataram a esta CPI as inúmeras irregularidades detectadas nas casas de bingo, bem como a associação dessas casas com o crime organizado.
Além disso, há uma grande quantidade de material enviado a esta Comissão, especialmente denúncias do Ministério Público, que evidenciam essa lamentável associação do crime organizado com o jogo, inclusive o bingo.
II.2 -Disposições Constitucionais e Legislativas:
Nos termos dos incisos I e XX do art. 22 da Constituição Federal (CF), compete privativamente à União legislar sobre direito penal e sobre sistemas de consórcios e sorteios.
O Supremo Tribunal Federal (STF), julgando Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de leis estaduais que criavam loterias, decidiu pela inconstitucionalidade dessas leis, tendo em vista a competência privativa da União para legislar sobre "sorteios" estatuída no referido inciso XX do art. 22 da CF, que abrange "loterias" e "bingos", de acordo com o entendimento da maioria dos Ministros daquela Corte de Justiça.
Portanto, somente a União é competente para legislar sobre loterias e bingos, bem como sobre direito penal.
O Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (LCP), estabelece, no caput do art. 50, que é contravenção estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público.
Já o Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, determina, em seu art. 1º, que a exploração de loteria constitui serviço público exclusivo da União, vedando a criação de loterias estaduais e autorizando, apenas, a manutenção das loterias estaduais existentes à época da entrada em vigor daquele diploma legal e, ainda assim, limitadas as emissões às quantidades de bilhetes e séries em vigor naquela oportunidade.
A lei federal, durante algum tempo, excepcionou a ilicitude da exploração do jogo de bingo.
A Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993 (Lei Zico), autorizou as entidades de direção e de prática desportiva a explorar o jogo de bingo.
A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), revogou a Lei Zico e também permitiu a exploração de jogos de bingo, em todo o território nacional, por entidades de administração e prática desportiva, diretamente ou através de empresa comercial, mediante credenciamento junto à União.
A Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000 (Lei Maguito), revogou, a partir de 31 de dezembro de 2001, os artigos da Lei Pelé que permitiam a exploração do bingo, determinando, porém, que fossem respeitadas as autorizações que estivessem em vigor até a data de sua expiração. As últimas autorizações tiveram seu prazo expirado no final de 2002.
Portanto, a legislação federal autorizou a exploração do jogo de bingo de 1993 a 2001. Desde então, tendo em vista a revogação das leis especiais que autorizavam o exercício dessa atividade, sua exploração voltou a constituir contravenção penal, nos termos do artigo 50 da Lei das Contravenções Penais.
A despeito da legislação federal citada, que estabelece que a exploração de loteria constitui serviço público exclusivo da União, e que veda, desde 1967, a criação de novas loterias estaduais - autorizando, apenas, a manutenção das loterias estaduais existentes em 1967, limitadas as emissões às quantidades de bilhetes e séries em vigor naquela oportunidade -, bem como da lei penal, que tipifica a exploração de loterias sem autorização legal como contravenção penal, a maior parte dos Estados da Federação criou loterias estaduais e regulamentou a sua exploração. Quanto aos jogos de azar, inclusive o jogo de bingo, esses Estados também legislaram sobre a matéria, enquadrando a exploração desses jogos como modalidade lotérica.
Para respaldar essa exploração, basearam-se em pareceres de renomados juristas, cujo entendimento é de que a loteria é um serviço público comum à União e aos Estados. A tese por eles defendida é de que a Constituição não atribui à União competência privativa para legislar nem para explorar esse serviço público, o que implica, tendo em vista a competência residual estabelecida pelo § 1º do artigo 25 da Constituição, que os Estados podem legislar livremente a respeito.
Essa tese ficou prejudicada com a mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal de que a competência para legislar sobre loterias é privativa da União. O Superior Tribunal de Justiça também tem decidido no mesmo sentido.
A legislação vigente proíbe, portanto, a exploração do jogo de bingo. As casas de bingo que se encontram em funcionamento estão respaldadas em liminares concedidas pela Justiça.
De uma forma geral, os seguintes crimes estão normalmente relacionados à exploração dos jogos de bingo:
a) crimes contra a ordem tributária: condutas elencadas no art. 1º da Lei nº 8.137, de 1990; arrecadação da venda das cartelas ou nas máquinas de videobingo (MEPs); tributação do valor do prêmio pago ao vencedor;
b) crime de contrabando (art. 334 do Código Penal): importação das máquinas de exploração do jogo de azar;
c) crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613, de 1998): pagamento de prêmios; investimento nos próprios estabelecimentos;
d) crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal): pagamento de salários "por fora" aos empregados;
e) crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207 do Código Penal) e permanência irregular de estrangeiros (Lei nº 6.815, de 1980).
II.3 - Do Relatório:
Embora seja epigrafado pelo relator, em seu relatório preliminar, quanto à legislação internacional e do mercado de jogos na América tendência mundial de legalização dos jogos de azar, há que se levar em conta a vocação natural do Brasil que, dado as peculiaridades de um País de plataforma continental, com vocação para o turismo - pelas belezas naturais, e inegável gosto pelo esporte - e não para jogatina, com fronteiras abertas a quase todos os países da América do Sul, que é visado como entreposto para tráfico de diversos males, como droga, armas, e ainda vidas humanas e todo tipo de contrabandos combatidos em todo mundo, não pode se dar ao luxo de legalizar o bingo.
Com um país de mais de cento e oitenta milhões de brasileiros, a legalização arrecadaria valores altos. Se a legalização gerasse fiscalização garantida não teríamos que investigar o "Caso Getech", com processo licitatório direcionado, e que se deu debaixo da competência de uma das instituições mais respeitadas do País, a Caixa Econômica Federal. De que adianta arrecadar tributos, gerar empregos, proporcionar diversão às custas e em detrimento da permissividade, da evasão de divisas, da exploração sexual, da lavagem de dinheiro oriundo de drogas, armas, corrupção, sonegação e coisas do gênero, colocando-o sob o manto da legalidade cujo risco é alto demais para experiências.
Os atos que permeiam a CPI devem ser respaldados por lei sob pena de serem anulados. È o caso dos fatos e investigações que fugiram ao fato determinado que motivou a criação dessa CPI e que, por esta razão, de nada adiantará encaminhar pedidos de indiciamento ao Judiciário. Antes, devemos remeter ao Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais, Polícia Federal e Policias Estaduais todo o material colhido pela CPI, confiando na capacidade, competência e respaldo legal que estes possuem e que a CPI não os tem. A sociedade está esperando, e cobrando uma resposta para esses casos, porém a efetiva punição dos culpados cabe ao Judiciário, em quem tenho plena e total confiança.
Não posso deixar de aplaudir a retirada do jogo de azar da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941) para realocá-lo no Código Penal, que onde deve estar o jogo: um crime! Bem como a inclusão da nova figura típica no rol dos crimes antecedentes de lavagem de dinheiro (Lei 9.613, de 3 de março de 1998).
Infelizmente, várias liminares têm sido concedidas pelo Poder Judiciário, assegurando o funcionamento de casas de bingo.
Levantamento da Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado durante a CPI dos Bingos constatou uma grande resistência à legalização desse tipo de jogo. Apenas 19,3% dos entrevistados declararam-se a favor da legalização das casas de bingo e das máquinas caça-níqueis. Se o jogo fosse legalizado, apenas 15,2% disseram que freqüentariam os locais de aposta. Disseram-se indiferentes à legalização 30% dos entrevistados e 48,2% foram contra a idéia.
É preciso proibir, definitivamente, a exploração desses jogos, que tantos males têm trazido à sociedade. Neste sentido, tramitam no Senado três projetos, um deles de minha autoria, PLS 121, de 2004, proibindo terminantemente a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como de máquinas eletrônicas, eletromecânicas ou mecânicas conhecidas como caça-níqueis, independentemente dos nomes fantasia.
Não vemos, portanto, como possa esta CPI concluir seus trabalhos com a apresentação de projeto de lei regulamentando a atividade. Tal conclusão contraria tudo o que já se sabia sobre o jogo de bingo, confirmado ao longo dos trabalhos desta Comissão, incluindo pesquisa de opinião pública.
Antes, deve-se proibir, em todo o território nacional, a exploração de quaisquer modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, eletromecânicas ou mecânicas conhecidas como "caça-níqueis", implicando inclusive na retirada da natureza de serviço público conferida à exploração dos jogos de bingo.
Precisamos legislar possibilitando anular todas as licenças, permissões, concessões ou autorizações para a exploração dos jogos de azar, direta ou indiretamente expedidas pela Caixa Econômica Federal, por autoridades estaduais, do Distrito Federal, ou municipais, e permitir a Caixa Econômica Federal proceder à rescisão unilateral e imediata dos contratos vigentes ou revogar os atos autorizativos do funcionamento dos respectivos estabelecimentos de exploração dos jogos de bingo e máquinas "caça-níqueis".
III - VOTO
Por todo o exposto, manifestamo-nos pela rejeição do relatório final apresentado pelo relator, tendo em vista a apresentação de proposta que regulamenta, por lei, o jogo de bingo no país. Portanto, nos posicionamos pela aprovação deste voto em separado com os encaminhamentos que apresenta, com a exclusão dos fatos não relacionados ao fato determinado que motivou a criação da CPI, e pela recepção do PLS 121, de 2002, de minha autoria, como proposição da CPI.
IV - ENCAMINHAMENTOS
1) Encaminhe-se às autoridades competentes (Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais, Polícia Federal, Polícias Estaduais) todo o material colhido pela CPI, inclusive o que se refere aos episódios não relacionados ao fato determinado estabelecido pelo requerimento 245 de 2004 que deu ensejo a criação desta comissão, tais como: Caso G-Tech, Loterj, Máfia do Lixo, Caso Toninho de Campinas, Caso Celso Daniel, Tráfico de Influência (Serpro, Cofiex, Banco Prosper), Dólares de Cuba, Corrupção nas Prefeituras do Interior (CEPEM, Paulo Okamotto, Roberto Teixeira), Caso Francenildo. E o material apurado de todos os empresários citados em envolvimento ilícitos como os angolanos José Paulo Teixeira Cruz de Figueiredo, Artur José Valente de Oliveira Caio, José Mario Roberto Ventura, e os Senhores Roberto Carlos da Silva Kuzweil, Ademirson Ariovaldo Silva. Recomenda-se ainda que a apuração de eventuais irregularidades seja conduzida com o máximo rigor, profundidade e celeridade, dada a gravidade das mesmas.
2) Encaminhe-se ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais de Justiça Estaduais, assim como às instâncias da Justiça Federal, recomendação deste Parlamento pelo fechamento de todas as Casas de Bingo e reconsideração das atuais liminares que permitem o seu funcionamento.
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 121, DE 2004
Proíbe a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, eletromecânicas ou mecânicas conhecidas como "caça-níqueis", independentemente dos nomes de fantasia, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Fica proibida, em todo o território nacional, a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, eletromecânicas ou mecânicas conhecidas como "caça-níqueis".
Parágrafo único. A vedação de que trata o caput deste artigo implica a retirada da natureza de serviço público anteriormente conferida à exploração dos jogos de bingo.
Art. 2º Ficam anuladas todas as licenças, permissões, concessões ou autorizações para a exploração dos jogos de azar de que trata esta Lei, direta ou indiretamente expedidas pela Caixa Econômica Federal, por autoridades estaduais, do Distrito Federal, ou municipais.
Art. 3º A Caixa Econômica Federal deverá proceder à rescisão unilateral e imediata dos contratos vigentes ou revogar os atos autorizativos do funcionamento dos respectivos estabelecimentos de exploração dos jogos de bingo e máquinas "caça-níqueis".
Art. 4º A prática de ato proibido nos termos do art. 1º sujeita o infrator a multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), sem prejuízo da aplicação de medidas penais cabíveis.
Art. 5º A aplicação da penalidade administrativa de que trata o art. 4º desta Lei será imposta pelo Ministério da Fazenda, após a lavratura de auto de infração.
Parágrafo único. O Ministério da Fazenda deverá remeter cópia do auto de infração a que se refere o caput deste artigo ao Departamento de Polícia Federal, para adoção das medidas de sua competência.
Art. 6º A omissão na aplicação das disposições desta Lei sujeita o agente público que lhe der causa às penalidades de demissão ou de despedida por justa causa, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8º Ficam revogados os arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000; o art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001.
JUSTIFICAÇÃO
O Senado Federal acaba de rejeitar a Medida Provisória nº 168, de 2004, por falta de atendimento dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência para justificar a sua edição.
A presente proposição tem por finalidade reapresentar a matéria a esta Casa, sob a forma de projeto de lei.
Cabe observar que a norma do art. 67 da Constituição - segundo o qual a matéria rejeitada somente pode constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional - não se aplica neste caso, tendo em vista que o mérito da Medida Provisória não foi analisado pelo Senado, que a rejeitou por falta de atendimento dos pressupostos de relevância e urgência.
Desde que a Lei Zico (Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993) passou a autorizar a exploração dos jogos de bingo, essa atividade sempre esteve fortemente associada a ilícitos penais, tais como sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, entre outros.
Um outro resultado negativo da autorização da exploração dessa atividade e dos jogos "caça-níqueis" é o significativo aumento do número de jogadores compulsivos no Brasil, propensos a condutas irresponsáveis, comprometendo, para financiar o vício, não só seu patrimônio pessoal mas também o de seus familiares. Em casos extremos, o jogo compulsivo tem resultado na tentativa de suicídio por parte de seus praticantes.
A despeito de tentativas anteriores de proibir essa modalidade de jogo, o que se verifica é que a sucessão de normas regulando a matéria resultou em insegurança jurídica no que diz respeito à legalidade de sua exploração.
Várias liminares têm sido concedidas pelo Poder Judiciário, assegurando o funcionamento de casas de bingo.
É preciso proibir, definitivamente, a exploração desses jogos, que tantos males têm trazido à sociedade, motivo pelo qual contamos com os ilustres Pares para a aprovação deste projeto.
Sala das Sessões,
Senador
Magno Malta