A revista
Veja que começou a circular neste sábado (13) revela que Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity, tem uma espantosa lista com nomes de brasileiros poderosos que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais. Entre eles, o presidente Lula, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, o senador Romeu Tuma (PFL-SP) e os ex-ministros José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken.
A semanal de maior circulação no país chamou o assunto na capa, mas não como principal tema. Tal privilégio coube ao lançamento do filme
O Código da Vinci. Mas dedicou à matéria, assinada por Márcio Aith e com reportagem de Fábio Portela, a seguinte chamada de capa: "Daniel Dantas, o banqueiro-bomba. O seu arsenal tem até número de suposta conta de Lula no exterior". "Suposta" porque
Veja não atesta a veracidade da lista.
A revista também publica entrevista que o colunista Diogo Mainardi fez com Dantas. O banqueiro usa cuidadosamente as palavras para relatar que recebeu uma proposta de suborno do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. "O que houve foi uma sugestão de que, se déssemos uma quantia expressiva ao partido, eles poderiam nos ajudar a resolver as dificuldades que estávamos tendo com o governo", disse.
Quando depôs em reunião conjunta das CPIs dos Correios e do Mensalão, em setembro do ano passado, Dantas negou que tivesse sido pressionado a pagar propinas ao governo federal ou ao PT. Na última quarta-feira, dia em que a CPI dos Bingos ouviu um confuso depoimento do ex-secretário do PT Silvio Pereira, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), trouxe a público documentos em que o Opportunity acusa o governo de ter feito exatamente isso, como condição para ajudá-lo a se manter no controle da operadora de telecomunicações Brasil Telecom (BrT).
Nos documentos, que constam de processo judicial em Nova York no qual o Citibank acusa o banco brasileiro de ter agido com má-fe e contra os seus interesses na gestão da BrT, as fontes da denúncia são o advogado do Opportunity e Verônica Dantas, irmã e sócia de Daniel Dantas. Eles dizem que o banco foi perseguido pelo governo Lula por ter se recusado a pagar propinas de "dezenas de milhões de dólares" cobradas pelo PT entre 2002 e 2003.
A lista
Segundo
Veja, a lista foi produzida por Frank Holder, ex-diretor da agência internacional de espionagem Kroll, com a ajuda do ex-ministro argentino José Luis Manzano. Ela apresenta uma série de números de contas, seus titulares, os nomes dos bancos e os saldos dos principais líderes petistas. A revista conta que teve acesso à lista em setembro de 2005, mas só resolveu divulgá-la depois que o nome de Dantas foi recolocado na cena nacional.
Assim a revista esclarece os procedimentos que adotou: "Por todos os meios legais,
Veja tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos. Diante de tal indefinição, e tendo em vista que o nome de Dantas voltou a aparecer na CPI,
Veja decidiu quebrar o acordo feito com o banqueiro do Opportunity e Manzano. O compromisso inicial era preservar o nome de ambos, caso se pudesse comprovar a veracidade das contas".
Conforme a revista, Holder disse a princípio que a lista foi obtida pela Kroll no curso da investigação da companhia de laticínios Parmalat. O ex-dirigente da Kroll disse que teriam sido recuperados, nessa investigação, documentos que comprovariam detalhes do pagamento de propina da Parmalat a autoridades dos dois países. Depois de autoridades judiciais em Milão, encarregadas do caso Parmalat, alegarem desconhecimento de tal fato, Holder mudou a versão. Afirmou que as contas foram rastreadas por hackers pagos pelo ex-ministro argentino José Luis Manzano.
Manzano confirmou ter entregue "algumas contas de brasileiros" a Holder, e autorizou seus funcionários a fornecer novos papéis que mostravam como as contas dos petistas foram descobertas. Nesses papéis, teria surgido o nome de Duda Mendonça.
A revista reproduziu a lista do "arsenal de Dantas" com os nomes dos bancos e os números das contas bancárias riscados. Ela atribui os seguintes valores em euros: Antonio Palocci Jr, 2,126 milhões; Márcio Thomaz Bastos, 1,477 milhão; Paulo Lacerda, 1,121 milhão; Romeu Tuma, 1,109 milhão; Luiz Gushiken, 902,1 mil; Lula, 38,5 mil; José Dirceu, 36,2 mil.
As armas de Dantas
A lista, segundo a revista, seria "a mais explosiva" das armas que Dantas acumulou "para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio".
Veja não faz referência ao fato de Dantas ser réu em vários processos em andamento na Justiça e de ter sido responsabilizado pelos atuais gestores da Brasil Telecom por um desvio superior a R$ 500 milhões na Brasil Telecom, empresa que o Opportunity controlou até 30 de setembro de 2005. Mas também não pinta o banqueiro com traços de santo.
Diz a reportagem:
"Dantas alega estar apenas defendendo-se de pressões e achaques dos petistas que queriam tirá-lo do comando da Brasil Telecom. Ainda que existam fortes evidências nesse sentido, o banqueiro não cabe na fantasia de vítima. Principalmente quando se sabe que usou dinheiro para acercar-se de pessoas próximas do presidente Lula e de José Dirceu. Dantas tentou seduzir Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, e seus sócios da Gamecorp. Antes de o grupo ser vendido à Telemar, o banqueiro pagava a Lulinha e sua trupe 100 000 reais mensais, para que fornecessem conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom. Por último, ofereceu uma bolada para tornar-se sócio da Gamecorp. No fim, game over para Dantas: Lulinha preferiu os agrados da rival Telemar. Dantas deu também 1 milhão de reais ao advogado Roberto Teixeira, padrinho de um dos filhos de Lula. Até hoje, ninguém explicou o que o compadre fez para merecer tanto dinheiro. Teixeira se limita a dizer que foi em troca de um serviço 'sigiloso'. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também mereceu atenção especial. Amicíssimo do deputado cassado por corrupção José Dirceu, ele foi contratado por Dantas a peso de ouro. Levou 8 milhões de reais para 'assessorar' o banqueiro. Com isso, Dirceu, que foi ministro-chefe da Casa Civil de Lula, tornou-se mais sensível aos pleitos do Opportunity. Tem mais. Dantas deu a Marcos Valério as contas publicitárias da Telemig Celular e da Amazônia Celular, num total de 130 milhões de reais. Além de fazer anúncios para Dantas, o carequinha levava ao banqueiro as propostas não republicanas de Delúbio Soares. Em 2004, o banqueiro colocou na sua folha de pagamentos a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, petista histórico e marqueteiro das campanhas de Lula em 1989 e 1994. A Matisse foi contratada para 'reposicionar' a marca da Brasil Telecom. Mas o que fez mesmo foi ajudar a 'reposicionar' Dantas frente ao governo petista".
De certo modo, a matéria encampa a versão de Dantas de que o governo Lula e o PT tinham o plano de defenestrá-lo da BrT para entregar o controle da operadora à Telemar, o que a legislação em vigor proíbe. Também conta só parte da história ao afirmar que o empresário baiano foi afastado da empresa por obra exclusiva do Citibank. O afastamento era perseguido desde o governo Fernando Henrique por diversos fundos de pensão, que atribuíam a Dantas práticas ilegais e lesivas ao seu patrimônio, que lhes teriam trazido um prejuízo bilionário.
A bomba ambulante
De acordo com a reportagem, Dantas "está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da 'organização criminosa' que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país". O texto acrescenta: "Se quiser realmente esclarecer os fatos, o dono do Opportunity poderia contar publicamente o que pagou e o que deixou de pagar aos petistas".
A matéria sustenta que o banqueiro foi procurado por Ivan Guimarães, ex-presidente do Banco Popular, em setembro de 2004: "Queria falar sobre a investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra o Opportunity. Dias depois, a comissão julgaria um processo contra o banco, acusado de burlar regras do Banco Central ao admitir brasileiros num fundo de investimento das Ilhas Cayman. O Opportunity poderia ser inabilitado pela CVM, mas acabou recebendo uma pena leve. Esse Ivan é mesmo terrível".
O texto finaliza: "Dantas poderia contar às CPIs como Yon Moreira da Silva, ex-diretor de Negócios Corporativos da Brasil Telecom, lhe apresentou a idéia de comprar parte da Gamecorp, a empresa de Lulinha. Aliás, o próprio Yon pode colaborar com as investigações. Depois que as circunstâncias vergonhosas do caso Gamecorp foram denunciadas por VEJA, o ex-diretor da Brasil Telecom declarou que a Telemar fizera um bom negócio e pagara um preço justo para tornar-se sócia do filho do presidente. O que Yon não conta é que essa declaração lhe foi implorada pelo próprio Palácio do Planalto - mais especificamente pelo então ministro
Jaques Wagner, que, falando em nome do presidente Lula, pediu a Dantas que o ajudasse a preservar o filho do presidente. Como se vê, o obscuro Dantas daria uma ótima contribuição ao país se saísse de uma vez das sombras. Coragem, Dantas!"
Já Mainardi abre sua entrevista com o dono do Opportunity como segue: "Daniel Dantas não fala. Para quem não fala, até que ele falou muito. O suficiente para mandar um monte de gente para a forca. Em primeiro lugar, Lula e seus ministros. Passei quatro horas no escritório de Daniel Dantas, no Rio. No fim, arranquei dele meia hora de entrevista. Vale sobretudo como registro histórico. Lendo com cuidado, dá para ver o instante exato em que o Brasil acabou". Segundo o colunista, "Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros".
Na entrevista, Dantas diz que, em julho de 2003, Delúbio pediu "entre US$ 40 e US$ 50 milhões", a título de "ajuda" ao PT, a Carlos Rodenburg, então diretor do Opportunity. A primeira tentativa teria ocorrido ainda antes.
"Durante a campanha presidencial de 2002, Ivan Guimarães foi ao nosso escritório e entregou um kit do partido ao Carlos Rodenburg com o objetivo de conseguir algum apoio financeiro. Rodenburg mandou devolver o kit, porque não sabia quem era Ivan Guimarães. Isso foi interpretado pelo PT como um ato hostil, mas nós éramos politicamente neutros e não tínhamos nada contra o partido".
O banqueiro fala que o governo quis tirá-lo do comando da BrT "porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha". E diz por que procurou investir na Gamecorp, empresa do filho de Lula: "Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo".
Por fim, afirma que "houve uma sincronia entre os fatos" quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou um empréstimo para a Brasil Telecom ao mesmo tempo em que a operadora, então comandada por Dantas, contratava o advogado Kakay, amigo de José Dirceu.