Em documento encaminhado à Justiça para contestar o pagamento de cerca de R$ 110 milhões cobrados pelo empresário Marcos Valério, o PT aponta irregularidades nos supostos empréstimos bancários considerados até aqui pelo partido como a origem do dinheiro do caixa dois petista, revela a Folha de S. Paulo.
Ao longo de 13 páginas da contestação à cobrança, os advogados do PT questionam a versão apresentada em conjunto por Marcos Valério e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares ao afirmar que os supostos empréstimos foram concedidos "ao arrepio das mais comezinhas regras bancárias" - como, aliás, já haviam concluído as investigações da CPI dos Correios e do Ministério Público.
Desde que o escândalo do mensalão veio a público, em junho de 2005, o PT se nega a assumir que deva às empresas de Valério. Até aqui, porém, o partido não havia contestado que as operações com os bancos BMG e Rural fossem a fonte de recursos repassados a petistas e aliados políticos do governo. Taticamente, o PT endossou a versão de Delúbio e Valério sobre a origem de dinheiro. Mas, na hora de contestar a cobrança, o partido mudou o discurso.
"Você conhece algum banco que empreste dinheiro desse jeito (na forma dos contratos fechados entre os bancos e as empresas de Valério)?", questionou o advogado Luiz Bueno de Aguiar, que defende o PT na ação de cobrança. "Os empréstimos foram irregulares por parte dos bancos e das empresas", respondeu em seguida, informa a repórter Marta Salomon.
"A origem do dinheiro (do caixa dois)? Eu não faço a menor idéia. Nem mesmo a CPI deu conta", disse Márcio Luiz Silva, outro advogado que assina a contestação à cobrança, sugerindo que os empréstimos tenham sido forjados para justificar trânsito ilegal de recursos.
Pensamento político
Confrontado com a contradição, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, alegou que os advogados do partido têm "ampla liberdade" para argumentar no processo de cobrança. "Temos de separar o que é lide judicial do que é pensamento político", disse o deputado. "O PT nunca disse que o Rural e o BMG fizeram empréstimos regulares. Se os bancos eventualmente estabeleceram relação contratual confiando na palavra de quem quer que seja, problema dos bancos."
Segundo Berzoini, caberá à Justiça apurar a origem do dinheiro do caixa dois do PT. "A origem do dinheiro é uma questão a ser resolvida fora desse processo (de cobrança)", completou.
Em reportagem divulgada em 16 de julho do ano passado, o PT destacou a versão então apresentada por Delúbio e Marcos Valério: "Delúbio ressaltou que os recursos repassados por Marcos Valério não têm origem nos cofres públicos. "Não é dinheiro público. É de empréstimo bancário", reforçou o partido na época.
Legítima defesa
Em documento apresentado à Justiça de Brasília no início de março, os advogados do PT negam os depoimentos de Delúbio Soares. "Eu insisto em dizer que esses depoimentos (de Delúbio) foram feitos em legítima defesa. Você não pode esperar de quem está se defendendo de uma acusação de ilícito penal sério, grave, que responda necessariamente com a verdade. É um primado do direito", afirmou o advogado Márcio Silva.
Cobrança de fachada
"Há evidências de que ele (Marcos Valério) entrou com essa ação para dar um ar de credibilidade à defesa dele, para ligar o lé com o cré. Como (o processo) vai demorar, é uma ação que demanda perícias e exames, para o fim de estratégia da defesa dele pode até surtir efeito", disse o advogado.
De acordo com documentos apresentados por Valério, os bancos BMG e Rural emprestaram ao esquema, entre fevereiro de 2003 e julho de 2004, pouco mais de R$ 55 milhões. Reajustada, a dívida se aproximaria de R$ 110 milhões.