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Congresso em Foco
1/5/2006 | Atualizado 2/5/2006 às 8:56
Edson Sardinha e Ricardo Ramos
Licenciado em Filosofia, História e Sociologia, o deputado Carlos Abicalil (PT-MT) tornou-se um dos mais destacados advogados do governo Lula ao longo dos dez meses das investigações da CPI dos Correios. Em seu primeiro mandato parlamentar, Abicalil foi jogado para a linha de frente da guerra política em meio ao bombardeio de denúncias disparado contra o PT. Mesmo antevendo o agravamento da crise política até as eleições de outubro, o deputado comemora os desdobramentos das investigações. "Os fatos viraram o jogo, não foi nem o governo."
Dono de uma fala pontuada pelo estilo professoral, o petista não fugiu do confronto com velhas lideranças políticas e assumiu teses polêmicas, como a de que não houve compra de apoio da base aliada no Congresso ou a de que o PT foi seduzido pelo empresário Marcos Valério a partir de um esquema de caixa dois montado pelos tucanos em Minas Gerais.
Quase um mês após a conclusão da CPI, Abicalil continua fiel ao exercício de defender o partido ao qual se filiou há 14 anos e o presidente da República. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, o petista diz que, apesar do momento delicado, o PT e Lula dão um exemplo de ética ao país. "O PT sai com uma lição exemplar entre os partidos brasileiros".
Na avaliação dele, em meio à crise, o partido tem quatro motivos para se orgulhar: a troca imediata de seu comando logo após as denúncias, a abertura de suas contas, a não-interferência nas investigações e a comprovação de que não houve apropriação individual indébita. "À exceção da fatídica doação de um jipe ao ex-secretário-geral do PT (Sílvio Pereira)", afirma, "não há nenhum outro caso, até o presente momento, que tenha sido de apropriação individual, de enriquecimento ilícito ou coisa semelhante".
"O PT não tem nenhuma razão para se esconder ou omitir-se nesse processo de debate dos procedimentos que adotou", considera. "E o presidente Lula também, do mesmo modo. Demitindo quando tinha que demitir, afastando e determinando absoluta liberdade para a Polícia Federal apurar muito antes da crise do mensalão", afirma o deputado.
Ministério Público
Abicalil encontra motivos para elogiar o governo petista até quando o assunto é o inquérito do mensalão, encaminhado pelo Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF), em que o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, aponta a existência de uma "quadrilha" para "manter o PT no poder". "O que o procurador fez foi, em primeiro lugar, marcar a grande distinção do corpo de Estado que divide o país hoje, diferentemente do corpo de Estado que dirigia o país anteriormente", diz, ao ressaltar a independência do Ministério Público e da Polícia Federal no caso.
O dilema de Palocci
A atuação da PF também é realçada por ele ao analisar as investigações contra o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. "Eu não conheço uma investigação da Polícia Federal, com este nível de relevância e importância para a vida nacional, que, em 11 dias, tenha esclarecido os fatos com tanta crueza, evidência e presteza", afirma. Defensor até o último momento da manutenção de Palocci no governo, Abicalil se diz decepcionado com o envolvimento do ex-ministro na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
Mas, sempre fiel à defesa dos companheiros, tenta encontrar razões para o gesto do ex-homem-forte da economia no caso. "Foi em função da vulnerabilidade pessoal que ele sofria, tendo em vista a insidiosa campanha da oposição de, em vez de apurar os bingos, investigar a vida pessoal do ministro para atacá-lo."
Congresso em Foco - A denúncia encaminhada pelo Ministério Público ao STF não indica que o relatório da CPI dos Correios estava mais próximo dos fatos do que o apresentado pelo PT?
Carlos Abicalil - Não. O que o procurador fez foi, em primeiro lugar, marcar a grande distinção do corpo de Estado que divide o país hoje, diferentemente do corpo de Estado que dirigia o país anteriormente. Ele nem mediu o cronograma eleitoral. Acho que esse é um nível de amadurecimento que nós, a sociedade brasileira, merecíamos desde a Constituição. A oposição tenta pinçar do relatório, que é complexo, aquelas expressões que coincidem com as falas que eles mantiveram no palco de disputa, sob os holofotes da mídia, que era a CPI. O que, necessariamente, não quer dizer a mesma coisa. O fato de se indiciar personalidades que mantiveram mandatos, outras que não tiveram mandato, e se restringir, nesse processo, de 2003 para cá, não coloca fim ao tema, uma vez que há outro processo, de 2003 para trás, que ainda está em curso e cujas denúncias não foram oferecidas, mas que estão avançando celeremente, alcançando a raiz do esquema do senhor Marcos Valério em Minas Gerais.
Isso quer dizer o quê?
Que este é um cenário que marca a distinção de conduta dos órgãos de Estado. Como a Polícia Federal e a Receita Federal atuaram nesses eventos? Distintamente do período anterior, realizando aquilo que é o seu papel institucional, profissional e técnico para o qual estão habilitados quadros profissionais que têm elevada formação e que têm responsabilidade pública. Diferentemente do cenário que havia anteriormente no outro governo, como, por exemplo, no caso Lunus, envolvendo uma pré-candidata à presidência da República (Roseana Sarney), cuja "determinação de estourar o esquema" foi feita pelo próprio gabinete da presidência da República. Outra consideração é que agora se dará a peça de defesa e o devido processo legal. O indiciamento não é, como a oposição afirma, a condenação definitiva das pessoas. O que a oposição pretende aproveitar são exatamente os termos daquele relatório que coincidem com o seu discurso, como se tudo já estivesse esclarecido e todos já fossem condenados por aquilo que efetivamente corroborou o seu discurso anterior.
Mas não há uma diferença gigantesca entre o relatório do PT e a denúncia do procurador?
A diferença fundamental é aquilo que o procurador confirma como sendo a prática de pagamento para parlamentares supostamente orientando sua visão em torno de projetos da Câmara. A oposição diz que ali já se afirma a existência do mensalão, o que não é o que está sendo dito pelo procurador. Todos os instrumentos de defesa dos envolvidos, inclusive aqueles que o Conselho de Ética acaba de remeter como acessórios ao Supremo Tribunal Federal (STF) - à exceção de quem renunciou antes de ser processo - inferem despesas partidárias ou de campanha eleitoral, no caso da maioria dos representados, ou de programa partidário, em dois casos explicitamente.
A quais casos o senhor se refere?
O caso de um que foi absolvido, o Roberto Brant (PFL-MG), que diz que pagou o programa institucional do PFL, e o do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), presidente do PP, que diz que foi para pagar advogado de um de seus filiados, que, inclusive, tinha mandato (parlamentar) àquela altura. Portanto, em todos os casos de representação aqui na Câmara, a apresentação das suas defesas foi rigorosamente confessando um crime de natureza partidária-eleitoral, um crime fiscal, e não necessariamente de quebra do seu direito e independência de voto de consciência no exercício do mandato.
O caixa dois não soa para a sociedade apenas como uma estratégia de defesa, para reduzir o escândalo a um crime de natureza menor?
Quem tem que fazer a sua defesa vai procurar sempre se pautar por aquilo que é menos grave. O que nós temos é que ter claro, seja no procedimento político da Câmara, seja no procedimento jurídico que vem agora, que o papel da advocacia é exatamente dar suporte às versões que estão apresentadas, que não necessariamente resultarão no esclarecimento completo dos fatos. Nós temos neste momento lidando com versões e, por isso, os advogados dizem que aquilo que está nos autos é que tem validade. E nem sempre o que tem validade é aquilo que ocorreu. A confrontação dessas opiniões, de quem acusa e de quem defende, é que vai chegar à conformação ou não de um determinado crime e, a partir dessa conformação, o entendimento de uma penalidade, prevista em lei.
Então o senhor quer dizer que os fatos não foram como os alegados pela defesa?
Não creio que a defesa de que foi feita por muitos dos envolvidos aqui esteja muito longe do que efetivamente ocorreu quando se tratou de campanhas eleitorais ou de financiamento partidário. Tenho quase convicção de que os fatos transcorreram assim. Mas é bom que a sociedade saiba que o que foi destampado aqui foi um modelo que estava vigente há pelo menos 11 anos com todas as comprovações evidenciadas, que envolveu 12 partidos políticos ao longo dessa história e cuja origem é tucana. E que ainda precisa ser investigado para trás, e que essa investigação não pertenceu à CPI dos Correios, mas que segue na Polícia Federal. Isso não esgota - e eu quero dizer com clareza - todos os sistemas de financiamento ilícito para campanhas eleitorais. Que, aliás, em qualquer esquina do país nós ouvimos dizer há muito que existem.
O ministro-relator da denúncia do mensalão, Joaquim Barbosa, disse que o STF dificilmente terá tempo hábil para decidir se a acata ou não antes das eleições. O senhor acha que isso favorece ou desfavorece o presidente Lula em relação às eleições?
Em primeiro lugar, o presidente Lula não pertence, não está incluído no relatório, não tem nenhum envolvimento. Nunca houve uma devassa igual à que nós estamos vivenciando nesses 12 meses de investigação sobre uma personalidade política, como é o caso do presidente Lula. E, rigorosamente, não há nada que possa envolver, do ponto de vista criminal e de responsabilidade, o presidente Lula até o presente momento. Portanto, eu creio que a tentativa de atingir o presidente Lula vai continuar do ponto de vista da oposição, mas no aspecto jurídico não se tem rigorosamente nada. Mas há um símbolo que foi criado pelo fato de se listarem 40 indiciados. E a oposição tem utilizado esse símbolo. Alguns permanecerão no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que é um trabalho que o ministro Barbosa terá que fazer. E outros não pertencerão ao ambiente do Supremo, inclusive, os deputados já cassados. Não pertencem mais ao foro específico do Supremo. Por essa razão que eu acredito é que o anúncio que o ministro faz é absolutamente coerente com o trabalho que precisa realizar e separar. A oposição desejaria que tudo tivesse rito sumário e que, portanto, antes do 4 de julho, do início da campanha, tivesse a condenação explícita, de preferência que pudesse fotografar grades na frente de personalidade, mesmo que viessem a ser inocentadas. Eu tenho convicção de que o Supremo agirá com a prudência que cabe a um órgão dessa magnitude, aplicando o rigor da lei, independentemente se ela está servindo a amigos e inimigos do trânsito e da disputa política e partidária.
A CPI dos Bingos está nos fim dos trabalhos. O relator já disse que não há nenhum elemento que possa responsabilizar o presidente Lula, como pretendia a oposição antes. De alguma forma, o governo conseguiu virar o jogo. Foi a última CPI em que o governo teve desvantagem?
Os fatos viraram o jogo, não foi nem o governo. O governo não teve maioria naquela CPI. Então, quem virou o jogo foram os fatos e, mais, a avaliação da opinião pública. Uma pesquisa CNT/Sensus identificou que quase dois terços da população desconfiam de procedimentos da CPI e, em particular, desta CPI (dos Bingos), que virou um espetáculo bizarro. O fato determinado para ser investigado - que era o envolvimento do jogo de bicho/bingos - não ocupou quase nenhum espaço dessa CPI. A gente observa, inclusive, a coincidência de requerimentos idênticos apresentados lá atrás, na CPI do Banestado, que não tinham relação com o banco, reapresentados na CPI dos Bingos. Como o mundo também tem um fim, e aquela CPI ficou conhecida como a do Fim do Mundo, eu tenho convicção de que nós teremos vida depois dela. E mais do que isso: o presidente Lula tem honra antes e depois dela. E o relator, acho, está dizendo a verdade: não alcançou em nenhum momento, nem o Lula, nem o filho do Lula, nem a esposa do Lula, nem o compadre do Lula. E isso objetivamente consagra, por um lado, uma pressão da opinião pública determinada a não se intimidar com espetáculos que queriam manchar a imagem do presidente e uma compreensão popular de que estava em curso uma campanha de difamação, de desengano e de desesperança sobre a maioria do povo.
Diante desse cenário, o senhor arriscaria a dizer que a crise política está chegando ao fim?
Crise política em período de eleição não chega ao fim. Ao contrário, ela será exacerbada. Inclusive os conteúdos dos programas institucionais gratuitos que já estão sendo divulgados, nacional ou regionalmente, demonstram que estamos longe de uma superação de uma crise, e de um debate que seja propositivo para o Brasil. Nós desejamos fazer um debate propositivo, como fizemos em 2002, em 1994 e em 1998. Eu tenho certeza de que boa parte da consciência brasileira está desejando esse tipo de campanha. E não a campanha que insista no bizarro, no xingamento, no baixo nível, na desesperança, no engano, ou na proposta de que, retornando determinados tipos de conduta, como privatização, redução do Estado e do gasto social, demissão de servidores públicos, abandono dos projetos estratégicos de desenvolvimento nacional.
Essa crise atingiu vários auxiliares próximos do presidente Lula: os ministros José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci. Como o presidente pode recompor isso, já pensando na campanha e num eventual segundo governo?
Eu tenho dito, em primeiro lugar, que o PT deu o exemplo. Não conheço nenhum partido, entre os 12 envolvidos no esquema do Marcos Valério, que tenha modificado a sua direção pelo voto direto dos seus filiados, em plena crise. Em segundo lugar, o procedimento de abrir os seus sigilos e suas contas, o que nenhum outro partido fez até o presente momento. Em terceiro lugar, as instituições republicanas atuaram exatamente com autonomia e independência, como foi o caso da Polícia Federal e do Ministério Público, demonstrado aqui, em todos os momentos que foram necessários, lançar mão desses instrumentos de atuação do Estado brasileiro. Em quarto lugar, em nenhum dos casos que envolviam petistas, foi confirmada qualquer apropriação individual indébita, à exceção da fatídica doação de um jipe ao ex-secretário-geral do PT (Sílvio Pereira). Ele, aliás, foi imediatamente afastado do cargo de direção do PT. Não há nenhum outro caso, até o presente momento, que tenha sido de apropriação individual, de enriquecimento ilícito ou coisa semelhante. Todos os casos até agora demonstram, pelos indiciamentos que estão em andamento e pelas apurações que se sucederão, que houve, no máximo, aquilo que poderia ter sido tráfico de influência, advocacia administrativa, ou coisa assemelhada.
Mas, mesmo que tenha sido só isso, não é grave a denúncia contra militantes históricos do PT?
Tenho certeza de que esses senhores e militantes que construíram o PT nesses 26 anos têm muito mais acertos na vida do que erros, como foram efetivamente revelados. E tenho também certeza de que saberão defender-se no devido processo legal. Portanto, o PT sai com uma lição exemplar entre os partidos brasileiros. Abriu todos os procedimentos administrativos, internos e externos, sua prestação de contas e suas movimentações bancárias. Com o risco, de abrindo-se, também revelar as suas deficiências. Esse é o grande patrimônio ético que nenhum outro partido tem e que é, em parte, resultado das nossas raízes históricas nesses 26 anos.
O padrão ético do PT ficou em xeque após os escândalos. Como superar isso?
É evidente que o padrão ético exigido do PT é resultante da nossa história. E, por isso, eu digo que a democracia brasileira também ganha com essa experiência, uma vez que soube exigir de nós, que tivemos de construção dessa expectativa e da gestão pública, a reparação a partir da nossa própria prática. Portanto, eu creio que o PT não tem nenhuma razão para se esconder ou omitir-se nesse processo de debate dos procedimentos que adotou.
O presidente Lula também não tem motivos para se envergonhar? Ele agiu como deveria?
E o presidente Lula também do mesmo modo. Demitindo quando tinha que demitir, afastando e determinando absoluta liberdade para a Polícia Federal apurar muito antes da crise do mensalão. O primeiro desses esquemas desmontados, que atingiu em cheio o Ministério da Saúde, tinha 11 anos de prática, já vinha sendo investigado há algum tempo e envolveu inclusive no ano último ano, o de 2003, algum dirigente petista - que foi imediatamente e sem titubear demitido. E alguns deles, inclusive, foram demitidos injustamente, porque depois veio a se comprovar que ele não tinha participação naqueles desvios de hemoderivados, conhecida como Operação Vampiro. A outra operação, na área do meio ambiente, chamada Operação Curupira, desbaratou dentro do Incra uma quadrilha que funcionava há 17 anos. Metade dela era de servidores de carreira e ex-dirigentes, inclusive envolveu alguns quadros dirigentes já no período do presidente Lula. Então, esses fatos, esses atos, essas atitudes, essas decisões, nos dão suficiente instrumento para fazer a disputa inclusive no quadro ético.
Agora, só o fato de a Polícia Federal ter encontrado indícios de que o ex-ministro Palocci seria o responsável pelo vazamento do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa não causa decepção ao PT?
Claro, causa. E nesse sentido ficou bastante claro também que o ministro teve a sua suscetibilidade privada ferida. E a decisão não foi uma decisão de Estado, foi de governo. Foi em função da vulnerabilidade pessoal que ele sofria, tendo em vista a insidiosa campanha da oposição de, em vez de apurar os bingos, investigar a vida pessoal do ministro para atacá-lo. Vamos lembrar que, desde setembro, a CPI trabalha com uma linha de investigação sobre a vida privada do ministro. Se ele tinha ou não visitas com garotas de programa. Quantas vezes ele teria ido, se ele pagou ou não pagou.
Mas, deputado, a CPI dos Bingos estava investigando a "mansão do lobby".
A "casa do lobby" foi um acidente de percurso. Não era esse o interesse.
Desculpe-me, deputado, mas a CPI queria saber o que o ministro fazia naquela casa...
Não. Essa é a justificativa que eles queriam. Mas qual foi o caminho percorrido? Foi flagrar uma situação pessoal do ministro. O que justificava o depoimento do caseiro? Que, aliás, tudo demonstra, já tinha envolvimento com a oposição, desde o mês de dezembro anterior - a revista Carta Capital se não estou enganado - está neste encalço, verificando que já havia contatos extraordinários de investigação da CPI com este caseiro muito antes, portanto, de ter se configurado a "casa do lobby" ou coisa parecida. E qual era o alvo da acusação precipitada? Qual era a curiosidade dos que estavam no plenário alguns dias antes? É só observar como as coisas foram detonadas. Sem terem elementos factuais consistentes para incriminar o ministro em alguma ação de responsabilidade administrativa, partiram para um elemento de contexto moral, que efetivamente atingia o ambiente familiar e a vida privada do ministro Palocci.
Mas, mesmo com a quebra de sigilo (interrompido)...
Agora, é lamentável e injustificada a atitude que, por essa vulnerabilidade, ele veio a tomar. E ele está respondendo por isso em tempo recorde, porque a Polícia Federal levou 11dias para esclarecer toda a cadeia causal, desde a abertura de sigilo até a divulgação, quem determinou e quem efetivamente teria promovido o vazamento. Eu não conheço uma investigação da Polícia Federal, com este nível de relevância e importância para a vida nacional, que, em 11 dias, tenha esclarecido os fatos com tanta crueza, evidência e presteza.
O ex-ministro Palocci sempre foi o preferido da oposição. Ele não caiu também por causa das denúncias de irregularidades envolvendo a gestão dele em Ribeirão Preto?
Não tenho dúvida de que essas denúncias o deixaram mais suscetíveis. Mas quem está na vida pública, quem administrou, e o fez contrariando interesses, vai ter de enfrentar isso. Não conheço um prefeito de cidade importante que o PT governou que não tenha contra si inúmeras denúncias por interesses que foram feridos em sua gestão. Especialmente de prefeituras de regiões ricas, como é o caso de Ribeirão Preto, onde esses interesses estavam instalados há 20 ou 30 anos com o mesmo grupo. E a alteração dos grupos, mexe com esse tabuleiro. O fato de alguém estar respondendo judicialmente, que teve responsabilidade pública, por algum tipo de indício ou denúncia, tem, por um lado, a natureza do cargo que exerceu e, por outro, os interesses que foram feridos. Se houvesse já uma condenação do ex-prefeito Palocci, nós teríamos que efetivamente de reconhecer que o presidente errou em escolhê-lo. Mas não havia. E eu quero dizer que em todas as administrações públicas importantes, eventualmente secretários de Estado, municipais, prefeitos e governadores que estão exercendo o seu cargo, têm atrás de si denúncias e apurações que estão em curso.
Mas o PT, quando havia uma denúncia contra ministro nos governos anteriores exigia do governo a imediata demissão do acusado.
Claro, claro... Agora, veja o tempo médio que o Fernando Henrique usou para demitir ministros e compare com o tempo médio que o presidente Lula precisou para demitir ministros envolvidos. Há uma distância bastante razoável, inclusive a revista Época, fez outro dia uma linha do tempo, comparando os tempos de decisão entre os dois presidentes e casos relevantes para a economia nacional.
Em relação à próxima eleição, a candidatura Alckmin até agora não empolgou, mesmo ele tendo tido uma exposição muito grande na mídia. O senhor acredita na possibilidade de o PSDB lançar um outro candidato, de substituí-lo no processo?
Eu acredito que o outro pré-candidato concorrente dele (José Serra) não desistiu. E acredito que ele também trabalha nos bastidores para que isso tenha um desdobramento positivo. O Alckmin tem feito balões de ensaio no seu discurso. Ontem (quarta-feira), diante da marcha dos prefeitos, ele afirmou projetos do governo do presidente Lula como sendo necessários - um dos quais estava inclusive sendo submetido à votação, que era o projeto estruturante da educação básica, no Senado. Diferentemente do que ele tinha feito menos de uma semana atrás. O que ainda mostra uma indefinição de qual seja o discurso adotado pelo PSDB como partido e como programa e pelo próprio candidato tucano, nesse enfrentamento da disputa interna que ele está tendo. O fato de o PFL adiar a sua decisão sobre o vice para depois da convenção do PMDB revela uma tibieza de quais sejam as bases fundamentais do projeto que eles pretendem apresentar à nação. Eles sabem que, na ausência de um projeto, eles terão de jogar com personalidades, e eu acho que o que está carecendo mesmo ao projeto do PSDB-PFL é uma proposta para o Brasil, apresentado as suas diferenças claras em relação àqueles que são os resultados sociais e econômicos que o presidente Lula conseguiu em três anos e meio de governo. Creio que a principal dificuldade é esta.
Não há espaço para uma terceira via na corrida ao Planalto?
Eu não posso desconsiderar que o PMDB está com 15% de intenções de voto em média neste último trimestre. É um partido nacionalizado, em que pese a enorme dificuldade em ter um projeto nacionalizado. O PMDB sofre tensões de um partido grande, mas também de uma cultura regional muito forte. E efetivamente ele está com perspectiva de ter nove governos estaduais no próximo pleito, onde, nesses estados, a possibilidade de ter um candidato próprio os prejudica. E essa é uma dificuldade para eles equacionarem. Ter nove governadores e um terço dos governos estaduais do país. O PMDB é o maior partido no Senado e recentemente depois de muito entrevero, voltou a ser o maior na Câmara. Nós não podemos desprezar isso. Creio que a tensão entre os governadores e o projeto nacional não se resolverá nem no dia 14. A história recente do PMDB nos mostra isso. Vamos lembrar que, em 2002, o PMDB tinha Rita Camata como vice de José Serra. E os governadores que ganharam a eleição não fizeram a campanha de Serra. Basta olhar o resultado eleitoral de seus estados e como se comportaram em seus palanques. Então a verticalização, por exemplo, não interfere no comportamento do PMDB. Isso já foi comprovado. Mesmo com o fim da verticalização, essa dinâmica não seria diferenciada. Além disso, outros terão que enfrentar a cláusula de barreira em 2006. O que vai resultar num quadro partidário após a eleição muito diferente do atual. Nós vamos ter aqui diversos partidos elegendo representantes que não terão direito de bancada nem permanecerão com o seu registro partidário. Que vai alterar em muito o funcionamento da Casa. O que imporá um cenário de relação política e partidária diferente de toda a experiência que tivemos desde a Constituinte pra cá.
O governo Lula se afastou programaticamente da grande aliança que se costura na esquerda: o PPS rompeu, o Psol é formado por dissidentes, em sua maioria do PT, o PV também. Isso não é um sinal de que o PT caminha irreversivelmente para a centro-direita?
Vamos separar o partido do presidente Lula e do governo. O governo é necessariamente de coalizão. O presidente Lula jamais conseguiria governar com 12 entre 81senadores ou 91 entre 513 deputados. Mesmo se nós conformássemos a aliança inicial com o PCdoB, agregaríamos apenas nove deputados. Isso é efetivamente inexeqüível. O governo é diferente do partido. O governo, por imposição da maioria do eleitorado brasileiro, tem condições diferentes de executar aquilo que era seu programa, apresentado em função da relação objetiva de forças que encontrou no Congresso. Bom, aí está um problema grave na história republicana brasileira, que é uma dissociação do voto do Executivo com o do Legislativo. Não estou falando de vinculação de voto formal, e sim de concepção do eleitor tradicional, que acha que a personalidade é mais forte do que a relação política que dará depois a esse projeto. Então, alguns - que você chamou de dissidentes e que hoje formam o Psol ou que foram para o PDT - não compreenderam qual é a dinâmica de um governo cuja proposta originária tinha determinado conteúdo, e a da composição eleitoral tinha outro. Alguém imaginava que o PSDB seria o partido das privatizações com o título de social-democracia? Não. Isso foi um desafio específico que o outro governo fez. E eu tenho certeza de que parte da base do outro governo continua sendo parte da base deste governo.
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