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Congresso em Foco
27/4/2006 | Atualizado às 22:56
Edson Sardinha
Os sindicatos brasileiros trocaram as bandeiras trabalhistas pelas partidárias e perderam espaço para as entidades que representam as chamadas minorias sociais, como os negros e os homossexuais. A avaliação é do deputado Walter Barelli (PSDB-SP), ministro do Trabalho no governo Itamar Franco e ex-diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (Dieese), instituto que desenvolve atividades de pesquisa e assessoria para o movimento sindical.
Para o tucano, o governo Lula acentuou a crise de representatividade dos sindicalistas, iniciada há mais de 15 anos, e frustrou o movimento ao deixar de lado reivindicações históricas dos trabalhadores. "O movimento foi enfeitiçado no processo eleitoral e ainda não acordou totalmente do feitiço. Os sindicatos estão cuidando de aspectos do dia-a-dia", criticou. "Existe ainda o feitiço. Lula tem o carisma. Tem pessoas que não conseguem se desvincular dessa imagem forte", completou o ex-secretário do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo no governo Mário Covas.
De acordo com o ex-ministro, mesmo as centrais sindicais que só declararam apoio a Lula no segundo turno, como a Força Sindical, ainda se sentem desconfortáveis em criticar o atual governo. Esse quadro de estagnação, segundo ele, se acentuou com as altas taxas de desemprego registradas no país ao longo da última década e com a fragmentação das entidades de classe.
Festa em vez de reivindicação
"O movimento sindical brasileiro foi de luta algumas vezes. Precisa de grandes bandeiras e de sindicalizados motivados para lutar por essas bandeiras. Não sei quais as bandeiras que vão estar tremulando no 1º de Maio. É provável que sejam as partidárias", afirmou, em referência aos megashows programados pelas centrais sindicais para o Dia Internacional do Trabalho. Espetáculos grandiosos com artistas e premiações que, na avaliação dele, ofuscam o discurso reivindicatório que sempre caracterizou as atividades do movimento sindical.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o deputado também observou, com entusiasmo, a ascensão de movimentos ligados às minorias sociais, que estariam ocupando o espaço deixado pelos sindicatos, nas principais lutas políticas do país.
"Os problemas não estão ocorrendo tanto dentro das fábricas ou dos escritórios. Ocorrem dentro da sociedade e são o conjunto das discriminações, da mulher, do negro, das preferências sexuais. Alguns sindicatos perceberam isso e têm trabalhado nos segmentos", disse.
Veja a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco - Por que o movimento sindical não mobiliza mais o trabalhador brasileiro?
Walter Barelli - Há vários fatores para isso. A questão próxima é que uma das centrais sindicais, a CUT, passou a ser poder. Apesar de ser um dos fundadores da central, Lula, no governo, não é um guardião das teses do sindicalismo. Nenhuma das iniciativas dele é na área de trabalho. Fez só o chamado programa Primeiro Emprego, que está praticamente falido. Tentou fazer a reforma sindical, mas a própria CUT se dividiu em relação às propostas. Essa é uma causa próxima.
Mas, quais são as outras causas, já que nem todas as entidades apóiam o governo Lula?
Em relação às outras entidades, há sempre um clima difícil para o movimento sindical quando se tem desemprego. O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) publica que o desemprego aumentou no último mês para 16% na região metropolitana de São Paulo, que é de onde partiram os grandes movimentos dos trabalhadores. O que alimenta a vida sindical são as conquistas. A conquista maior, que era ter um sindicalista no poder, não teve o resultado que se esperava. E, por outro lado, os sindicatos têm muita dificuldade de se mover.
Por que isso ocorre?
Quando você vê algum tipo de movimento, como o negro, percebe que ele não está sendo encaminhado de uma forma sindical. São sempre parcelas da sociedade que estão trazendo novas expressões. Mesmo a questão referente às cotas não é assumida de forma partidária. Há muita divisão em relação a esse tipo de assunto. Os funcionários públicos continuam fazendo greves, mas as greves não são mais efetivas. Veja a da Anvisa. É seriíssima, prejudica o país, mas o governo não está dando a devida atenção. Os próprios grevistas estão recebendo seus salários nesse período. É uma greve diferente da greve dos trabalhadores. Se o trabalhador fizer greve durante um mês, ele não recebe salário, o que é uma pressão econômica. No caso da Anvisa, o governo não se sente motivado a encarar esses protestos, que acontecem dentro do próprio governo. A Anvisa é uma agência do governo, dirigida por militantes do PT. Os funcionários da Anvisa fazem greve porque não estão de acordo com promessas não cumpridas pelo próprio governo. Isso desmoraliza também o encaminhamento da central de onde provém o sindicato que representa o pessoal da Anvisa.
Mas o que essas entidades poderiam fazer de diferente?
Os que podem se movimentar são os servidores públicos. Essas greves que estão ocorrendo agora não incomodam. O governo não se sente ofendido pela greve da Anvisa, embora certos setores econômicos estejam enfrentando problemas econômicos por causa dela. Mas isso não é suficiente pra forçar o governo a sentar a uma mesa e buscar uma negociação a respeito. Vivemos um clima sindical muito complicado. O movimento sindical está dividido em várias centrais. Vai fazer grandes comemorações em São Paulo no dia 1º, mas no estilo de showmício. As pessoas vão atrás do show, não da mensagem política. A Força Sindical criou isso. Como a festa movimentou cerca de um milhão de pessoas em São Paulo, a CUT passou a fazer o mesmo na Avenida Paulista.
É um sinal de que as entidades sindicais perderam a legitimidade?
O importante é ter bandeiras. Se o movimento sindical ainda tem bandeiras, não as tem levantado. É muito difícil dizer qual é a agenda importante do movimento sindical brasileiro. Ele até discute propostas, mas as coisas não andam. O problema todo é que o movimento vai para as ruas quando tem uma grande causa a ser defendida. Todas as centrais sindicais estavam com Lula no segundo turno. Hoje nem todas estão. Mas, ainda assim, estão muito comprometidas com um governo que, na fala com a população, não está tratando de questões importantes, como o combate ao desemprego, a regulamentação do trabalho e a invasão no Brasil de produtos estrangeiros. Durante muito tempo, o movimento sindical tinha na sua agenda uma larga política industrial para gerar emprego. O Brasil está numa apatia de movimentação, acentuada nos últimos quatro anos. O movimento foi enfeitiçado no processo eleitoral e ainda não acordou totalmente do feitiço. Os sindicatos estão cuidando de aspectos do dia-a-dia.
O senhor vê algum paralelo, em relação ao atual momento, na nossa história?
O movimento sindical brasileiro foi de luta algumas vezes. Precisa de grandes bandeiras e de sindicalizados motivados para lutar por essas bandeiras. Não sei quais as bandeiras que vão estar tremulando no 1º de Maio. É provável que sejam as partidárias. Em São Paulo, por exemplo, as grandes movimentações serão do PT, com a CUT, e do PDT, com a Força Sindical. Este governo tinha 17 ex-dirigentes sindicais como ministros, além do presidente. Afinal de contas, onde estarão eles no 1º de Maio? Ficaram empolgados pelo poder e agora não se interessam mais em participar de uma assembléia sindical? Vão estar nos seus sindicatos de origem ou isso é coisa para os que não conseguiram ascender politicamente?
Mas o senhor acredita que essas entidades vão reverter esse processo?
Essas instituições da sociedade são uma espécie de Fênix, renascem das cinzas. Hoje estão abafadas. Mas, com uma grande causa, elas acordam. Se tiverem capacidade de renovar, as coisas podem avançar.
Isso tende a ocorrer caso Lula não seja reeleito?
Não sei. Existe ainda o feitiço. Lula tem o carisma. Tem pessoas que não conseguem se desvincular dessa imagem forte. No Congresso, só alguns deputados saíram do PT. Nas assembléias legislativas, o movimento foi ainda menor que aqui.
Mas a ascensão nos sindicatos de outros partidos, como o Psol e o PSTU, não indica uma insatisfação do movimento com o governo Lula?
Os que têm propostas que têm eco, ou pelo seu radicalismo ou por seu próprio conteúdo, sobressaem. O PSTU não tenho visto tanto. Mas o Psol conseguiu ocupar muito esse movimento do servidor público, que percebe quem está sendo coerente com teses do passado e diz "esses não traíram o que a gente pensava".
Quais são os principais desafios para a renovação do movimento sindical?
Essa crise de representatividade do movimento sindical acompanha a crise da economia brasileira. Você pode localizá-la de alguma forma na década de 90. Já está com 16 anos de duração, mas o que ainda continua a movimentar a sociedade é salário e emprego. Porém, há outras questões fundamentais que estão sendo inseridas socialmente, como as reivindicações das chamadas minorias sociais, os homossexuais, os negros, as mulheres e os idosos. Hoje os segmentos são fortes.
Por que isso ocorre agora?
Quando houve a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, deixou-se muito de se falar em classe. Mas a classe, no sentido marxista, continua existindo. Continua havendo a classe operária, que é cada vez mais uma classe de serviços, a chamada classe média. Os problemas não estão ocorrendo tanto dentro das fábricas ou dos escritórios. Ocorrem dentro da sociedade e são o conjunto das discriminações, da mulher, do negro, das preferências sexuais. Alguns sindicatos perceberam isso e têm trabalhado nos segmentos. O negro operário é irmão do branco operário. Mas ele pode dizer: "você ganha mais do que eu, tem mais facilidade para receber uma promoção, não somos classes diferentes, mas tenho direitos que não estão sendo observados e você tem de lutar comigo por esses direitos". O crescimento do movimento negro é uma coisa importante.
Uma das saídas, então, seria ampliar o foco, não limitá-lo a questões da própria categoria?
A categoria é importante, mas o conflito interno na empresa existe. Numa época de desmobilização, articula mais tratar o assunto através dos segmentos mais espoliados e explorados dentro da classe operária. É uma forma de agir, ter bandeiras e forçar a renovação dos sindicatos. Outra coisa que os sindicatos sempre esqueceram foi trabalhar a questão do desemprego. Temos um desemprego superior a dois dígitos, que vem também lá da década de 90. Hoje os sindicatos têm pouco a ver com o desempregado. O nosso seguro-desemprego protege o cidadão por muito pouco tempo. Grande fato recente de mobilização popular foi o movimento impulsionado pelos jovens na França. O movimento brasileiro tem tudo para mobilizar o jovem, mas não vai buscá-lo. Precisa ter bandeiras, saber quais são as importantes.
Por que o PSDB não consegue entrar nos sindicatos? É um partido elitista?
O PSDB é o único partido social-democrata que não nasceu no sindicato. A social-democracia nasce, como o comunismo e o socialismo, do movimento operário. As primeiras divisões foram entre os que preferiram ficar só na questão operária. Outros quiseram a social-democracia como transformação da sociedade. Já a social-democracia brasileira foi formada por militantes políticos que saíram de um partido de oposição que não se deu bem na situação, o PMDB, para falar novidades. Mas o PSDB não conseguiu ter uma cunha no movimento sindical.
Por quê? É uma deficiência do partido?
Quando ele nasceu, um dos atuais dirigentes da CUT era do PSDB. O Kjeld (Jacobsen), que foi secretário de relações internacionais da CUT e da Marta Suplicy, era tucano. Depois virou petista. Há muitos dirigentes sindicais que são do PSDB. Não existe uma central sindical que seja do PSDB, embora na SDS (Social Democracia Sindical) tenha muita gente do partido, assim como na Força Sindical. Tem muita gente que vota no PSDB, até manifesta simpatia pelo partido, mas nós ainda não conseguimos organizar um núcleo forte de dirigentes sindicais tucanos. Isso que eu falei que está faltando ao movimento sindical, os tucanos têm: um bom movimento de negros, de mulheres e de jovens. Meio que por instinto, o partido descobre que é por aí que consegue conquistar pessoas e trazer bandeiras.
As centrais sindicais, mesmo aquelas que criticam o governo Lula, não demonstram qualquer saudade do governo tucano de FHC. Como o partido vai trabalhar pra se livrar dessa imagem?
O PSDB tem contra si a pecha de neoliberal e privatista, além da discussão sobre a flexibilização (dos direitos trabalhistas). A oposição ao PSDB usa essas três questões sem precisar qualificar muito o debate. Mas hoje a população inteira tem telefone, não precisa esperar, tem linha na hora, tem celular, nossa telecomunicação é avançadíssima. Ninguém diz que tudo isso é fruto de privatização. Não dava pra fazer nada. Tinha de sustentar empresas que estavam todas sucateadas e inchadas.
Mas isso não significou o corte de muitos postos de trabalhos?
Emprego é uma coisa, empreguismo é outra. Estou dando o exemplo bem-sucedido das telecomunicações. Outros, como o da energia elétrica, não foram tão bem-sucedidos. Quem conduziu foi o PFL. A coisa não andou nem naquele nem neste governo. Quem fez as políticas sociais foi o governo tucano. O Lula só mudou o nome. O PSDB não conseguiu mostrar para a população, na última campanha, que o governo tucano não foi um governo contra a sociedade. Tinha um projeto, discutiu ele, buscou um valor como absoluto num primeiro momento, sacrificou muita coisa em nome da a estabilização econômica. Avançou muito na educação. Estávamos pensando na educação fundamental. O atual passou a pensar na superior, que também é importante, mas temos de ter um projeto para pôr toda a população na escola, que é importante também para o novo tipo de emprego que o mundo precisa.
O senhor tem dito que a reforma sindical encaminhada ao Congresso representa um retrocesso para o movimento sindical. Por quê?
Quando fui ministro, eu não podia intervir em nenhuma assembléia ou ato sindical. Podia saber que um sindicato estava roubando, mas não era o Ministério do Trabalho que tinha de intervir, eram os próprios associados ou o Ministério Público. Apoiei os sindicatos, mas, intervenção, nunca fiz. O projeto de reforma sindical determina que o sindicato deve ser registrado no Ministério do Trabalho. Hoje, pela Constituição, os sindicatos têm autonomia, eles fazem a sua própria lei. Pelo projeto, passariam a ser reconhecidos pelo ministério. O estatuto seria definido com a participação do ministério do Trabalho. Isso é um absurdo.
Isso tira a independência dos sindicatos?
Lógico. Você pode criar várias correntes de transmissão. A Convenção 89, da OIT, prevê liberdade e autonomia sindical. Não podemos voltar atrás nisso. Governo tem dificuldade em entender o que é liberdade sindical. Nascemos todos dentro desse novo modelo getulista, hoje autônomo, não atrelado ao governo. É um retrocesso.
O senhor vê chance de a proposta ser aprovada?
Ela está sepultada. O (Luiz) Marinho (ministro do Trabalho) pode anunciar no dia 1º de maio o reconhecimento das centrais sindicais, algumas coisas pinçadas do projeto, mas não a proposta enviada ao Congresso. Acho que o projeto até tinha coisa boa, como a negociação coletiva, que era a nossa prática. Mas juntaram coisas que representavam um recuo no tempo.
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