Reportagem da Folha de S. Paulo revela que o governo desviou R$ 26,1 bilhões (83%) dos R$ 31,5 bilhões arrecadados com a contribuição que deveria pagar obras em infra-estrutura de transportes, a Cide. Esses recursos, obtidos entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, deveriam ser investidos em hidrovias e rodovias, mas quitaram despesas diversas e aumentaram o superávit primário. Nesse período, rodovias, ferrovias e hidrovias receberam apenas R$ 5,4 bilhões do governo federal.
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico é cobrada desde 2002 e incide sobre a venda de combustíveis. Por lei, todo o valor arrecadado tem de ser investido em transporte e no subsídio de combustíveis. Os R$ 26,1 bilhões restantes ajudaram a formar o superávit primário e pagaram, entre outras coisas, passagens e benefícios a funcionários do Ministério dos Transportes e salários e indenizações do governo federal.
Em 2005, o Ministério dos Transportes usou R$ 2,2 bilhões de recursos que tiveram origem na Cide. Desse montante, R$ 1,78 bilhão foi destinado à infra-estrutura. O restante serviu para pagar salários, encargos sociais e até mesmo a dedetização da unidade do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) de Pernambuco, com dispensa de licitação, no valor de R$ 750.
O Ministério dos Transportes afirma que apenas seguiu o Orçamento estipulado pelo Ministério do Planejamento. Os desvios, contudo, não começaram no governo do presidente Lula, lembra a reportagem de Leandro Beguoci. Acompanham a Cide desde sua criação. Em 2002, último ano do governo FHC, R$ 1,29 bilhão da taxa foi usado para pagar indenizações e restituições em diversas partes da administração federal. Esse valor corresponde a 39% dos R$ 3,3 bilhões de despesas pagas com dinheiro da Cide naquele ano.
Ao todo, o governo gastou, em 2005, R$ 4,9 bilhões de recursos da contribuição. Em obras, incluindo as realizadas sob o comando dos ministérios dos Transportes e das Cidades, o governo usou R$ 2,3 bilhões. Foi o maior percentual (46,9%) já gasto com obras desde que a Cide foi criada. Porém, o restante continuou a pagar aposentadorias e auxílio-transporte, por exemplo.
De tudo o que o governo arrecada por meio da Cide e de outras contribuições com destino definido, como a que financia o sistema prisional, 20% é direcionado a um fundo chamado DRU (Desvinculação de Recursos da União).
Esses recursos não precisam, necessariamente, ser investidos em infra-estrutura. Estão retidos de forma legal por uma medida aprovada pelo Congresso que tem validade até 2007 e diz respeito não só ao pagamento de despesas correntes do governo federal mas também à diminuição de sua dívida.
Mas, além dos recursos da DRU, o governo também reteve outros R$ 11,5 bilhões.
Os recursos retidos de forma ilegal podem levar a União a ser processada por dar fim diferente a uma contribuição criada com fim específico - no caso, os R$ 11,5 bilhões, em vez de financiarem obras no setor de transportes, entram nos cálculos do superávit primário, a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada, fora a despesa com juros.
Sobre o desvio de verbas da Cide, o Ministério dos Transportes responsabilizou a pasta do Planejamento. A assessoria dos Transportes afirma: "Quem estrutura o Orçamento da União por fontes de recursos é o Ministério do Planejamento. Seguimos apenas a orientação para aplicar recursos da Cide em outras despesas".