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Segurança pública
23/9/2025 13:00
O assassinato de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo e um dos maiores especialistas do Brasil na atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC), é mais um trágico exemplo do fracasso do governador Tarcísio de Freitas na segurança pública. Embora parte da imprensa brasileira tergiverse na responsabilização do governador e no tratamento da relação direta entre o crime organizado e as falhas na política de segurança pública de São Paulo, as duas pontas estão relacionadas.
De um lado, o estado mais uma vez se vê de frente a um assassinato brutal, somando-se aos muitos episódios recentes que geraram comoção e indignação popular e que demonstram que a política linha dura conduzida pelo secretário Guilherme Derrite não trouxe a sensação esperada de segurança; de outro, parece cada vez mais evidente que São Paulo se tornou uma terra sem lei para o crime organizado, enquanto o governador parece pensar muito mais na campanha pela anistia do seu padrinho político, Jair Bolsonaro, do que em governar. No meio do caminho, a constatação do fracasso da dupla Tarcísio-Derrite e o risco de episódios como esse resultarem, ao contrário, em mais abusos da força policial, como aqueles vistos na Operação Escudo, realizada na Baixada Santista em 2023.
Atingido por tiros de fuzil após ser perseguido por um automóvel a poucos metros da Prefeitura de Praia Grande, na mesma Baixada Santista, onde ocupava o cargo de secretário de Administração desde 2023, Ruy Ferraz era uma autoridade respeitada em diferentes círculos. Foi um dos pioneiros no combate ao crime organizado, atuou por 40 anos na Polícia Civil até comandá-la entre 2019 e 2022, durante o governo de João Doria, e um dos responsáveis pelas primeiras investigações sobre o funcionamento operacional do PCC e, como tal, jurado de morte pela facção por causa da transferência de seus líderes para presídios federais. Além disso, foi um professor respeitado e seu exemplo inspirou a criação do Núcleo de Combate ao Crime Organizado no Setorial Nacional de Segurança Pública do PT.
É importante aguardarmos o resultado das investigações sobre a motivação de seu assassinato, apesar de todas as evidências de um crime encomendado por facções. Mas, de antemão, sua morte inspira algumas reflexões. A primeira delas, claro, é o tamanho do fracasso da política de segurança pública do governador Tarcísio de Freitas, hoje bastante maculada pelos erros da Polícia Militar, a política de estímulo à truculência policial como caminho para proteger a população - uma falácia, como sabemos, sem nenhuma evidência de que é a melhor política para conter a violência.
A segunda é o status de São Paulo como território sem lei operado pelo PCC - vide a execução, no fim de 2024, de um empresário no aeroporto internacional de Guarulhos, e a recente operação que descortinou os laços entre a facção criminosa e a Faria Lima. A terceira conclusão é a infiltração do crime organizado na polícia. À época da morte do empresário, três policiais foram denunciados, reforçando as suspeitas de contaminação das forças policiais pelo crime.
Destaco duas outras conclusões relevantes. Uma delas foi sublinhada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, em entrevista ao jornal O Globo: a chamada PEC da Segurança Pública, em tramitação no Congresso Nacional, pode ser uma resposta a essa contaminação das forças policiais e ao necessário enfrentamento integrado do crime organizado, porque prevê a criação de corregedorias e ouvidorias autônomas, instituições que não estarão subordinadas ao secretário de Segurança Pública, ao governador ou ao ministro. A PEC é também uma solução para unir o governo federal e os governos estaduais, respeitando a autonomia dos estados, no enfrentamento do crime organizado. Com atuação sofisticada, com inteligência e asfixia financeira, como ressaltou o ministro Lewandowski. A PEC inclui na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), fixa as atribuições das guardas municipais e amplia as funções da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Na mesma entrevista, o ministro Lewandowski informou que enviará ao presidente Lula um projeto que reforça diretamente o combate financeiro ao crime organizado. Ele descreve, por exemplo, o olhar setorizado, já que o crime vai buscando brechas nos combustíveis, no transporte público, na construção civil, na coleta de lixo e, mais recentemente, nas fintechs - e promete atacar setor por setor onde as facções já se enraizaram.
A segunda conclusão é que precisamos urgentemente pensar na criação do Ministério da Segurança Pública. Pelo tamanho do problema, ganharemos eficácia com a criação de um ministério específico destinado à segurança pública. Isso permitirá não apenas dar visibilidade à política pública como também garantir efetiva prioridade ao assunto e desfazer o mito de que a esquerda não se preocupa com a segurança pública e a garantia de proteção da população contra a violência e o enfrentamento com firmeza do crime. É preciso também aperfeiçoar o trabalho da Polícia Federal, que precisa atuar de forma integrada com as outras forças policiais no combate ao crime organizado. Como disse o presidente Lula há alguns meses, não podemos permitir que os bandidos tomem conta do Brasil, nem que a república de ladrão de celular assuste as pessoas nas ruas, nem o avanço sem controle do crime organizado sobre a política e sobre as instituições de Estado.
As facções criminosas são o principal veículo da violência e insegurança que assola São Paulo e o Brasil em geral. É claro que crimes individualizados violentos preocupam muito, assim como o crescimento da violência contra a mulher e o aumento contínuo da letalidade policial, mas nada se compara à expansão do crime organizado. Esta é a epidemia do nosso século. Sem inteligência, não há como combater o tráfico, que já espalhou por todo o País e, nos últimos anos, deixou de ser um problema só das regiões metropolitanas e cidades médias para assustar as pequenas cidades, de 20 mil a 30 mil habitantes. Esse poderio, no entanto, só foi consolidado porque parcela das forças policiais foi comprada pela corrupção, o que foi facilitado enormemente pela politização das forças policiais, em especial das PMs - uma politização estimulada sobretudo pela direita brasileira.
A violência desmedida, o despreparo e a autorização do comando da Segurança Pública para que a polícia mate são os elementos visíveis que abrem o caminho para a corrupção, a ação sem controle externo e os laços cada vez mais íntimos entre policiais e o crime organizado. Nesse sentido, São Paulo virou um laboratório fértil, desmentindo a ideia difundida por herdeiros do bolsonarismo, de que só a direita sabe enfrentar o crime, a violência e a insegurança. Os sucessivos episódios paulistas demonstram que o principal candidato da direita e de Bolsonaro vem falhando incrivelmente nesse terreno.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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