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Economia e direito
26/9/2025 9:00
Até quando professores aposentados, famílias vítimas de erro médico e trabalhadores terão de esperar décadas para receber indenizações já reconhecidas pela Justiça? A recente aprovação da Emenda Constitucional nº 136, conhecida como PEC dos Precatórios ou PEC 66/23, transformou a incerteza em regra. O prazo fixo de quitação até 2029 foi substituído por um sistema de teto vinculado à arrecadação de estados e municípios. Isso significa que o pagamento dessas dívidas dependerá da capacidade de arrecadação local, e pode se arrastar por gerações.
O impacto não é abstrato. Ele recai sobre pessoas comuns que vivem de salários baixos, aposentadorias modestas e direitos previdenciários atrasados. Uma professora que esperava receber diferenças salariais, a família que perdeu um ente querido em hospital público, o servidor que venceu a ação contra o ente público empregador: todos se tornam reféns de um calendário fiscal que pouco dialoga com a realidade da vida dessas pessoas.
Um ponto importante é que, no papel, o mecanismo parece criar regras mais claras e previsíveis. Mas, na prática, empurra os pagamentos para décadas à frente. Transforma o credor em um agente passivo de um processo lento e desconectado da realidade. Quem aguarda há anos por um valor reconhecido judicialmente agora enfrentará mais etapas, tetos e cálculos que, no fim das contas, representam atraso legalizado.
Outro ponto sensível é a forma de correção monetária. A emenda prevê que, se a soma do IPCA com os juros ultrapassar a Selic, a atualização será feita por esta última. Em um cenário de juros altos, isso reduz o valor final que chega ao credor. Em outras palavras, o Estado escolhe a métrica que lhe convém, enquanto quem depende do pagamento vê seu crédito corroído e seu poder de compra diminuído.
A PEC também reabriu o parcelamento de dívidas previdenciárias de estados e municípios em até 25 anos. Em 2022, esse passivo já ultrapassava R$ 190 bilhões. Em vez de resolver, a medida adia. O caixa da Previdência, que já funciona no limite, será ainda mais pressionado. Não há como sustentar um sistema de proteção social com sucessivos refinanciamentos que só passam a conta para frente.
Por trás de todos esses números estão pessoas. Não são cifras frias em planilhas da Fazenda. São cidadãos que dependem desses valores para pagar remédios, manter a casa, garantir alimentação. Cada adiamento gera um problema social imediato e também um efeito econômico: recursos que poderiam circular na economia real ficam presos em disputas orçamentárias.
A mensagem que se transmite é perigosa. Se o Estado cria mecanismos para postergar indefinidamente dívidas já reconhecidas pela Justiça, que valor ainda resta às decisões judiciais? O Judiciário perde autoridade, a confiança nas instituições se fragiliza e a percepção de que "cumprir decisão é opcional" se instala. Modernização e justiça fiscal não podem ser justificativas para institucionalizar o calote.
A Ordem dos Advogados do Brasil já levou a questão ao Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Caberá à Corte analisar se a nova regra fere princípios constitucionais como segurança jurídica, isonomia e separação de poderes. São pontos de inconstitucionalidade claros, que exigem um exame criterioso. O STF não pode permitir que a exceção vire política permanente.
O que está em jogo não é somente a contabilidade de estados e municípios. É a confiança do cidadão de que sua vitória na Justiça terá valor real, de que o direito conquistado será respeitado. Ao preferir o alívio momentâneo dos cofres públicos à dignidade dos credores, a PEC dos Precatórios expõe um risco institucional grave: o de transformar a espera em regra e a frustração em política de Estado.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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