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Defesa do consumidor
12/12/2025 11:00
O Congresso Nacional derrubou no início do mês de dezembro o veto presidencial a alguns dispositivos da Lei 15.153/2025. Um deles abre, na prática, a possibilidade de que os Detrans (departamentos estaduais de trânsito) ofereçam à população o uso de plataformas digitais privadas para a assinatura da transferência de veículos, sem autorização controlada pelo Estado, o que pode abrir mais uma brecha para fraudes, clonagens e até para transferências forçadas de veículos.
O projeto de lei, cujo objeto principal era a criação da CNH Social, um programa destinado a custear a primeira habilitação para pessoas de baixa renda com recursos das multas de trânsito, recebeu uma emenda "jabuti" e foi sancionado com este dispositivo, que representa importante retrocesso para a defesa dos consumidores. O governo federal vetou o dispositivo que permitia o uso dessas plataformas, mas, com a derrubada do veto, a mudança continua valendo.
Na razão apresentada para vetar este inciso, o governo argumenta que "em que pese a boa intenção do legislador, os dispositivos contrariam o interesse público ao permitir a fragmentação da infraestrutura de provedores de assinatura eletrônica, o que poderia gerar potencial insegurança jurídica diante da disparidade de sua aplicação perante diferentes entes federativos".
Antes da nova lei, quem comprava ou vendia um carro era obrigado a comparecer a um cartório ou a validar a operação por meio do e-Notariado, uma ferramenta eletrônica ultrassegura mantida pelo Colégio Notarial do Brasil. Também era necessário realizar vistoria presencial do veículo em empresa credenciada, com profissionais capacitados que analisavam alguns itens, como número de chassi, motor e placa.
O cenário se agrava ainda mais com outra inovação perigosa introduzida pela Lei 15.153/2025, que alterou normas do Código Brasileiro de Trânsito (CTB). Ela autoriza que as vistorias dos veículos possam ser feitas virtualmente, por meio de fotos, vídeos e formulários online.
A vistoria presencial é um importante fator de segurança no comércio de veículos porque impede a adulteração, clonagem e outras falcatruas. É evidente que uma vistoria presencial permite identificar fraudes que não são visíveis em fotos e vídeos. Com a acelerada evolução das ferramentas de inteligência artificial e sua crescente popularização, é cada vez mais difícil diferenciar a realidade da manipulação.
O discurso da desburocratização, que à primeira vista parece fazer sentido, na verdade oculta um leque de possibilidades para fraudadores, golpistas e criminosos. A derrubada do veto constitui um retrocesso perigoso para a segurança jurídica e para o patrimônio de milhões de brasileiros que compram e vendem veículos todos os anos. Mesmo o proprietário que não está negociando seu carro corre o risco de descobrir que ele já não lhe pertence porque foi transferido a outra pessoa.
Além disso, há a questão da responsabilização. Os notários, donos dos cartórios de notas, são pessoalmente responsáveis pelos atos oficiais que praticam. Quem se utilizar de plataformas digitais, muitas delas sediadas fora do país, não terá condições de responsabilizá-las pelas eventuais falhas na prestação do serviço.
Dados do último relatório da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP) apontam que o Brasil ocupa a segunda posição mundial em quantidade de ataques cibernéticos, com 700 milhões de tentativas por ano (1.379 ataques por minuto), entre eles os famosos golpes do Pix e outras fraudes eletrônicas. Diante da infinita criatividade dos criminosos brasileiros, internacionalmente reconhecida, foi um contrassenso o Congresso derrubar o veto presidencial.
Para a maioria das famílias brasileiras, o automóvel é o bem de maior valor ou o segundo maior, depois da casa. Trata-se de um produto que custa de dezenas a centenas de milhares de reais. Portanto, a operação de compra e venda de um veículo envolve riscos significativos e valores consideráveis, fatos que justificam cautelas e procedimentos confiáveis de validação.
No atual estágio de evolução tecnológica, não se pode confundir modernização com a eliminação de controles. Desburocratizar processos é importante, mas há operações de alto risco em que a segurança do cidadão deve prevalecer em relação à facilidade. Comprar um carro, um imóvel ou fazer um empréstimo consignado são operações financeiras que requerem cuidados adicionais. O tempo para análise de documentos, certificação da vontade das partes e do equilíbrio e legalidade do negócio jamais é um desperdício. Nesses casos, a praticidade nunca poderia atropelar a segurança.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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