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Gisele Agnelli
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Crise internacional
20/6/2025 | Atualizado às 10:42
Escrito em parceria com José Renato Ferraz da Silveira*.
Quando o analista de política internacional britânico Simon Tisdall descreveu Donald Trump, Benjamin Netanyahu e Ali Khamenei como "três velhos furiosos que podem matar a todos", ele não usava de metáfora barata. Estava diante de uma realidade nua e crua: três líderes septuagenários (ou mais) atolados em delírios de grandeza, cercados por crises internas, e dispostos a acender a faísca de uma guerra regional com impactos globais. Mais do que um conflito, o que vemos é a falência da política internacional enquanto espaço de racionalidade e mediação.
De um lado, Trump, o "grande negociador" e seus fracassos tanto como mediador individual de conflitos internacionais como de sua própria política econômica interna. Apelidado de TACO, algo como "Trump sempre amarela". Do outro, Netanyahu atolado em escândalos, enfrentando uma insurgência cívica em Israel e disposto a tudo para preservar seu poder. No centro do palco, Khamenei, símbolo de um regime fossilizado, uma autocracia religiosa, em queda de legitimidade e divorciado de sua juventude.
Netanyahu tem feito da guerra uma rotina. Desde os anos 1990, anuncia que o Irã está "a meses" de desenvolver uma bomba nuclear, uma ameaça que, como aponta o próprio serviço de inteligência dos EUA, nunca se concretizou. Sua obsessão pelo Irã é ideológica e estratégica: destruir Teerã seria, em sua visão, eliminar o elo vital do Hezbollah e enfraquecer o Hamas. Mais do que isso, cria uma cortina de fumaça para seu autoritarismo crescente: ataques ao Judiciário, à mídia e à democracia israelense. Em sua retórica, o Irã não é apenas um inimigo, é uma ameaça "existencial", palavra que escancara uma lógica necropolítica, como diria Achille Mbembe. Governa-se a partir da morte, da exceção, da destruição do outro como modo de garantir o próprio poder.
Trump prometeu acabar com as guerras. Prometeu ser o pacificador da Ucrânia, o negociador do século no Oriente Médio, o homem dos "great deals". Na prática, abandonou o acordo nuclear com o Irã (JCPOA), deu carta branca para Israel atacar alvos iranianos e agora ensaia uma entrada bélica justificada por "ações pontuais". Com o Congresso dividido e sem apoio formal para declarar guerra, resta-lhe o expediente do ataque aéreo: lançar a bomba penetrante capaz de destruir instalações subterrâneas iranianas - ação militar que só os EUA são tecnicamente capazes de executar hoje.
Mas Trump não lidera. Ele performa. Atua como "idiota útil" de Tel Aviv, manipulado por Netanyahu, e movido por vaidades narcisistas. Um cachorro que late muito e recua quando a treta começa, como na guerra tarifária com a China ou nos impasses diplomáticos com a Europa. O problema é que, desta vez, o cão que só ladra pode morder...
O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, tem 86 anos e lidera um regime cada vez mais desconectado da sua base social. A repressão às mulheres, aos dissidentes e à juventude fez do regime dos aiatolás uma estrutura política de força bruta, não de fé. A decisão de manter o enriquecimento de urânio sem necessidade civil imediata foi um erro estratégico, um pretexto entregue de bandeja aos falcões israelenses. A teocracia iraniana já não governa em nome de Deus. Governa em nome da sua sobrevivência, à base de cárcere e chumbo. É um regime autoritário que diz odiar o imperialismo, mas que se espelha em sua face mais brutal.
Assistimos, ao vivo, à repetição trágica de 2003. Os EUA sabem que o Irã não possui bomba nuclear. Assim como sabiam que o Iraque de Saddam Hussein não possuía armas de destruição em massa. A narrativa é idêntica. Os meios, os mesmos. E o resultado, se ocorrer a invasão, será semelhante: destruição, caos e mais radicalização. Como lembra Tisdall, esse novo conflito não é sobre segurança internacional. É sobre insegurança emocional. É sobre velhos ressentidos que se recusam a deixar o poder, mesmo que isso custe a vida de milhares.
O trumpismo rachou o Partido Republicano. De um lado, os republicanos saudosos da "liderança global dos EUA", à la Bush. Do outro, os isolacionistas de "America First", como Tucker Carlson e Steve Bannon, que rejeitam qualquer gasto militar no exterior. O vice-presidente J.D. Vance, figura-chave desse novo trumpismo, se encontra no epicentro da contradição: entre o trumpismo belicista e o trumpismo antimilitarista.
Trump, Netanyahu e Khamenei são sintomas de um colapso mais profundo. O colapso do Estado racional, do multilateralismo funcional, da diplomacia baseada em regras. Em seu lugar, ascende o Estado performático, onde a vaidade substitui tratados internacionais, o cálculo e a morte substituem a política.
Estamos perdendo a cada novo conflito, aquele mundo baseado em tratados e no direito internacional que, a despeito de suas imperfeições, nos fazia sentirmos mais seguros. Se quisermos evitar a próxima catástrofe, será preciso fazer o que Simon Tisdall propõe: parar de olhar para bombas e começar a olhar para os homens que as seguram. Ou, melhor ainda: colocá-los de lado e abrir espaço para quem quer construir pontes, não escombros.
Como lembrou Michelle Bachelet em 2012, nenhuma mesa de negociação, nenhum conselho de segurança, nenhum tratado de reconstrução deveria existir sem pelo menos 30% de mulheres com poder de decisão. A ausência de mulheres nos processos de guerra e paz não é só um problema ético, é uma tragédia estratégica. Estudos já provaram que acordos com participação feminina são mais duradouros, mais justos e mais preventivos. Hoje, menos de 15% das lideranças diplomáticas que discutem este novo conflito são mulheres.
Em compensação, temos três senhores da guerra à frente de um dos momentos mais instáveis da ordem internacional desde 1945.
*José Renato Ferraz da Silveira é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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