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Cris Monteiro
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Cultura e sociedade
28/11/2025 12:00
Nas últimas semanas, a discussão sobre a vinda do cantor Kanye West a São Paulo expôs algo maior do que a simples realização, ou o cancelamento, de mais um show que a capital costuma receber. A presença de um artista que já se declarou nazista, que tem histórico de falas e músicas com referência direta ao nazismo, e que vende produtos com simbologia nazista, como camisetas e acessórios, deveria ser suficiente para afastá-lo de qualquer espaço público ou privado. E, de fato, foi isso que aconteceu: nenhum local da cidade aceitou sediar o evento, levando a própria produtora a cancelá-lo.
Mas o cancelamento não resolve o problema. Pelo contrário, ele revela algo ainda mais inquietante sobre nós enquanto sociedade. Kanye West não é um anônimo. Não é um blogueiro com alguns seguidores nas redes sociais. Ele é um dos artistas mais famosos do mundo, com alcance global e influência cultural gigantesca. Ainda assim, ou justamente por isso, milhares de pessoas se dispuseram a pagar até R$2 mil para vê-lo cantar em São Paulo. E fizeram isso cientes de suas declarações, de suas letras, de seus produtos e da reverência aberta a um regime responsável pelo extermínio de milhões de pessoas.
O problema, neste caso, não é apenas o artista. É a sociedade que o aplaude. A glamurização do mal já virou hábito. Basta observar o que acontece no Brasil sempre que séries sobre crimes reais chegam ao streaming. Criminosas como Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga passam a ser tratadas como figuras pop, acumulam seguidores e até recebem apelidos afetuosos de fãs. Não é a série o problema, é o público que romantiza assassinos como se fossem personagens fascinantes, ignorando a brutalidade dos fatos em nome do entretenimento.
O caso do funkeiro Oruam é outro exemplo, um cantor que nas músicas, nos vídeos e na própria imagem pública faz referência ao mundo do crime e à ostentação ligada ao tráfico. Muitos já apontam que esse tipo de conteúdo alimenta uma narcocultura que cresce no país. E, mais uma vez, o problema não é só ele, é o público que consome, repete, normaliza e ainda celebra essa estética como se fosse algo admirável.
O mesmo padrão aparece agora com Kanye West. Gente que relativiza o fato de ele se declarar nazista para poder chamá-lo de "gênio", pagar caro por um ingresso e posar como fã. Gente que trata discurso de ódio como se fosse "polêmica criativa". Gente que não enxerga nazismo como violência histórica.
Nós estamos normalizando a barbárie. E, obcecados por celebridades, conferimos imunidade moral a quem tem palco e visibilidade, mesmo quando essa visibilidade está diretamente ligada ao discurso mais violento e repugnante do século XX.
Por isso, impedir um show como esse não se trata de censura. É responsabilidade. A liberdade de mercado não pode servir de salvo-conduto para financiar o nazismo. E a liberdade artística não é um escudo para proteger quem transforma ódio em performance e genocídio em espetáculo.
O cancelamento do show não encerra a discussão. Enquanto parte da sociedade estiver disposta a pagar caro para aplaudir o intolerável, enquanto multidões continuarem tratando discursos genocidas como entretenimento, enquanto fãs seguirem romantizando a violência, seja numa tela ou num palco, o problema seguirá vivo.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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