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Cezar Britto
Cezar Britto
11/5/2021 | Atualizado 10/10/2021 às 16:05
- Eu pensei em dizer que deveríamos consolar os que sofrem dizendo que nada pode apagar do mundo a vida que aconteceu para alguém, ainda que o seu corpo ateste o contrário - suspirou Jaci. - E quando a vida nasce para alguém, independentemente da sua duração, um fenômeno fantástico ocorre de forma contínua e indissolúvel, fazendo com que a vida seja uma certeza.
- Não foi o seu amigo xamã quem disse que acreditava no dom da transmutação da vida em outras vidas? - indagou Oxalá. - Não foi ele quem disse que as descobertas, os sorrisos, os espaços conquistados ou perdidos ao longo de uma vida não são destruídos pela morte do corpo. Da mesma forma as decepções, os choros e as dores de quem amamos, pois nos marcam com tão intensidade que ficam tatuados em nossas vidas como se fossem por nós diretamente adquiridos.
- Exatamente! Ele nos disse que uma vida tem o poder de fazer novas vidas, alterar o destino de outras, absolver as características de várias, incorporar-se à de algumas ou até mesmo construir um outro tipo de vida - continuou Jaci, relembrando as indagações de seu antigo visitante. - Como dizer que uma mãe não renasceu em sentimentos e experiências durante a gravidez? Mesmo o nascimento de seu filho não conseguirá apagar de sua memória a certeza de que fora capaz de produzir uma nova espécie de luz. A vida que dela brotou também fez dela um novo ser. Como dizer que um filho não contribui e modifica a vida de um pai, fazendo-o sentir um pouco do gosto de ser Deus, por ter reproduzido alguém à sua imagem e semelhança? Como retirar de nossa carga genética, emocional ou cultural as vidas de nossos antepassados? Como esconder o que aprendemos com os amigos, os amores e os professores que já passaram por nossas vidas?
- Definitivamente a nossa vida é também o somatório de outras vidas. - continuou, Jaci, diante do silêncio de seus amigos. - Enquanto estivermos vivos as gerações do ontem e do hoje estarão vivas conosco. E enquanto as pessoas com quem convivermos estiverem vivas, nós também teremos a certeza de que continuaremos vivos, mesmo após o incerto dia em que dirão que morremos. E estes com quem compartilhamos a nossa vida, transferindo um pouco de nós, certamente viverão conosco em outras vidas, até a eternidade. É a vida transmudada em outras vidas, eternamente.
- Obrigado Jaci! - agradeceu Oxalá - Eu estava precisado dessa conversa. Quando eu encontrar Iansã contarei do que você me disse. Acalenta-me saber que a vida permanece ativa, mesmo depois que o corpo se foi. A tarefa de quem fica é manter acesa a chama que alimentou aquela vida, fazendo com que ela continue útil e imortal.
- Não há o que agradecer Oxalá! - sorriu Jaci. - Eu mesma ouvi você soprar aos ouvidos das pessoas que buscavam consolo nos terreiros, após as perdas físicas sofridas, que era importante conservar e colecionar as fotografias na manutenção da lembrança dos traços físicos. Reviver e relembrar as aventuras, as ideias, os sonhos e lições ensinadas também. E que não deixar morrer a história de quem fisicamente partiu é uma missão geracional de quem ficou.
- Sempre reaprendo, nestas horas em que a morte nos faz lembrar da fragilidade do corpo, que devo cada vez mais compartilhar a minha vida - concordou Emanuel. - Quanto mais abrirmos a vida para o próximo, mais vivos continuaremos transmudados em outros corpos e corações.
- O antídoto para a morte seria continuar nascendo e crescendo em outras vidas - arrematou Jaci.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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