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Cezar Britto
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Justiça
8/8/2025 18:00
Quando a advocacia nacional me concedeu a honra de presidir a OAB, enfrentamos uma das graves lesões à cidadania no que se refere à questão dos precatórios brasileiros. Na época, tramitava no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 12, também conhecida como PEC do Calote, que transformava em moeda podre, sem prazo certo de pagamento, o valor devido em razão de sentença judicial. A PEC pretendia consolidar o calote das dívidas contraídas por Estados e Municípios - exatamente aquelas que deveriam ser a mais valorizadas, pois são protegidas pelo manto constitucional da coisa julgada.
Em reação ao calote institucionalizado na PEC do Calote, a OAB organizou vários encontros, articulações e campanhas, que culminaram, no dia 6 de maio de 2009, na Marcha em Defesa da Cidadania e do Poder Judiciário. A Marcha saiu da sede da OAB, tendo como destino a Câmara dos Deputados, e contou com a participação de mais de 136 entidades da sociedade civil. Reuniu aproximadamente quatro mil caminhantes, entre as já conhecidas tricoteiras do Rio Grande do Sul (o grupo de mulheres que protesta há anos contra o não pagamento dos precatórios enquanto fazem o tricô).
Infelizmente, seis dessas grandes lutadoras, assim como os advogados gaúchos Paulo de Tarso Bresch da Silveira e Paulo Rogério Amoretty, morreram no trágico acidente aéreo da TAM, ocorrido no aeroporto de Congonhas em 17 de julho de 2007, quando participariam de ato público na cidade de São Paulo contra o calote proposto pelo Parlamento brasileiro.
O Congresso Nacional, na calada da noite, em tempo recorde, aprovou o calote oficial dos precatórios, rasgou a força coercitiva da sentença judicial e promoveu um dos maiores atentados à tão falada soberania do Poder Judiciário. O Parlamento, descumprindo a sua missão constitucional, ignorou as reivindicações da sociedade e, por meio da Emenda Constitucional 62, confirmou o desejo de calotear os precatórios, transformando, mais uma vez, a sentença judicial em moeda podre, desvalorizada e sem valor econômico para a cidadania que acreditou no Poder Judiciário.
Registre-se que a sentença judicial, fragilizada, já sofrera sério abalo com a Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu a possibilidade do parcelamento compulsório dos precatórios fixados em decisões judiciais. Vencida no campo da insensibilidade política, a OAB ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4357, quando o STF, finalmente, julgou inconstitucional a EC 62.
Com essa decisão acreditou-se que os governantes passariam a honrar a dívida fixada em sentença judicial, coberta pelo manto sagrado e constitucional da coisa julgada, imune a falsificações e garantida como direito fundamental do cidadão. Ledo engano! Os governantes continuaram livres para confiscar direitos, mesmo aqueles expressamente reconhecidos constitucionalmente como fundamentais. Seguiram autorizados, inclusive, a reduzir aposentadorias, sonegar garantias sociais, confiscar vencimentos, apreender propriedades, vingar-se de adversários, ameaçar discordantes, desviar recursos e reduzir repasses orçamentários. Ficou tudo como dantes no quartel-general de Abrantes.
É que sabem os impunes descumpridores de sentença judiciais que o Congresso Nacional, quando compelidos ao pagamento dos precatórios, aprovaria uma nova emenda constitucional ampliando o calote anteriormente aprovado. Uma não, várias! É o que demonstram as desrespeitosas Emendas 94/2016, 99/2017, 109/2021 e 114/2021. Através delas, os parlamentares se recusaram a propor medidas efetivas para conter o crescimento dos chamados esqueletos jurídicos que assombram a cidadania brasileira. Fragilizaram o Poder Judiciário e aniquilaram a segurança jurídica ao tornarem letra morta o princípio fundamental da coisa julgada. Interessou apenas ao Parlamento manter as coisas como estavam, perpetuando que governadores e prefeitos sigam descumprindo, impunemente, as decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores, servidores públicos, aposentados, pensionistas, donas-de-casa e à cidadania comum que ousou lutar por seus direitos na Justiça.
A bola da vez é a NOVA VERSÃO DA PEC DO CALOTE, rebatizada de Proposta de Emenda à Constituição 66/2023, que, sob o pretexto de alterar as regras de pagamento de precatórios por estados e municípios, eterniza o pagamento das dívidas judiciais. Com ela, a cidadania continuará a rezar para não ser agredida por agentes e servidores públicos que não honram as funções, ansiosos por propina, que embargam dolosamente obras, cobram multas extorsivas ou, por simples desleixo, não zelam pela coisa pública. Torcerá para que administradores públicos mal-intencionados não persigam, chantageiem e intimidem seus adversários conforme os humores da ocasião. Ou se conformará com a transferência da dívida para outra geração de sucessores políticos, premiando o mau administrador que zombou da Justiça e feriu a dignidade da pessoa humana.
Apontada como inconstitucional pela OAB, caso seja aprovada, a PEC 66/2023 estabelecerá dois tipos de Poder Judiciário: um, destinado à cidadania, querendo mesmo ser "acessível, ágil e efetivo", nos moldes concebidos pela Constituição Federal; o outro, assumidamente cruel, moroso, desrespeitoso, protegendo o Estado, fazendo repristinar a velha filosofia da Carta-Estatal do autoritarismo. Um, com prazo de validade para o cumprimento das decisões judiciais. O outro, com decisões a perder de vista, ignorando o princípio da razoável duração do processo. Um para valer, coercitivo, igual para todos. O outro, um verdadeiro e ofensivo faz-de-conta.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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