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Soberania digital

Felca, Trump e fatiamentos digitais

STF, pressão dos EUA e denúncias de Felca reacendem disputa sobre soberania digital e regulação das redes.

James Görgen

James Görgen

18/8/2025 12:00

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De tempos em tempos, o tema das plataformas digitais volta à tona como uma moeda de troca na relação entre as empresas de tecnologia estrangeiras e o Estado brasileiro. Nas últimas semanas, porém, o assunto ocupou as manchetes de forma pouco usual. Foram três episódios bastante expressivos em termos de impacto social e político que confirmaram como o país é mesmo o laboratório de testes da atuação das chamadas big techs (BTs) e que o desfecho destas experiências está longe de um fim. Ao mesmo tempo, os eventos mostraram que existe uma tempestade perfeita se formando que pode levar a uma regulamentação mais abrangente dos chamados provedores de aplicação da internet.

Comecemos do início. Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) e colocou no lugar uma tese de repercussão geral que prometia uma regra-tampão até que o legislativo aprovasse um projeto capaz de dar conta da responsabilização civil das plataformas digitais.

Por mais que parte de analistas não se dê conta, esta decisão fez algumas placas tectônicas se mexerem dentro do Congresso e até na Casa Branca. Cerca de um mês depois, uma carta aterrissava na mesa do presidente Lula assinada pelo Presidente Donald Trump. Tendo como consequência uma elevação das tarifas de produtos exportados para os Estados Unidos e uma investigação comercial, que terá um desfecho em setembro, a missiva colocava supostas restrições do Judiciário brasileiro à atuação das BTs estadunidenses como uma das justificativas das sanções. Quase que instantaneamente, a menção trouxe novamente o debate sobre soberania digital e responsabilização das redes digitais à ordem do dia.

Passado outro mês, um vídeo do influencer Felipe Bressanim, conhecido como Felca, traz à tona um verdadeiro - e antigo - câncer da Internet que é a exploração de crianças e adolescentes em termos de adultização e erotização precoce, tendo as redes sociais como alavancas de grupos internacionais de pedófilos e outros criminosos. De imediato, como deveria ser em sociedades saudáveis, uma comoção tomou conta do País. O vídeo ultrapassou 40 milhões de visualizações enquanto este texto é escrito e todos passaram a falar e debater sobre o tema.

Da oportunidade

A repercussão foi tanta que o Congresso Nacional resolveu pautar medidas para criar uma legislação de proteção de crianças e adolescentes no ambiente online. Da noite para o dia, brotaram dezenas de projetos de lei punitivistas na Câmara dos Deputados e até uma CPI no Senado deve ser instalada para endereçar o problema. Um bom texto que já tramitava nas duas Casas, o PL 2628/2022, de autoria do Senador Alessandro Vieira (MDB/SE), ganhou os holofotes como possível eleito para liderar os debates do grupo de trabalho que irá analisar o pacote do chamado "ECA[3] Digital" na Câmara baixa nos próximos 30 dias.

Em uma manobra acertada, o próprio governo federal destacou que apoiaria o texto do senador enquanto dá os últimos retoques em duas minutas que podem ser enviadas ao Parlamento nos próximos dias. Capitaneada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), uma trata, de forma mais ampla que o PL 2628, da proteção de todos os usuários no ambiente digital do Brasil. A outra, proveniente do Ministério da Fazenda, da defesa da concorrência de nossos mercados digitais. Neste sentido, optar por priorizar o PL 2628 pode acabar prejudicando a tramitação dos projetos do governo.

Discutidos internamente há meses, e consultadas oito pastas, ambos os textos tiveram o aval do Presidente Lula e deverão ser encaminhados para análise do Poder Legislativo. Como não poderia deixar de ser, inconformidades de posições derrotadas levaram o primeiro texto para as mãos da imprensa e dispositivos que apenas reafirmam pontos da decisão do STF, e mesmo regulamentações estrangeiras de países democráticos, prometem levar o governo a um novo inferno astral sobre liberdade de expressão como o vivido nos debates sobre o finado PL 2630/20.

Se o engavetamento do texto sobre serviços digitais antes de chegar à luz do dia seria o caminho natural em outros momentos em que surge esta polêmica, desta vez o vídeo de Felca e a ameaça de Trump podem fazer com que o jogo mude. A sensibilização da opinião pública sobre a ameaça à soberania do Brasil e a proteção da infância e da adolescência nas redes sociais podem ser o combustível para fazer com que uma legislação abrangente inicie sua tramitação com um pouco mais de apoio político e social. O famoso cavalo encilhado está passando para quem acredita que o faroeste nas redes deve acabar.

Interesses digitais, lobby estrangeiro e crises políticas podem travar avanços na regulação das plataformas.

Interesses digitais, lobby estrangeiro e crises políticas podem travar avanços na regulação das plataformas.Freepik

Do oportunismo

O que não quer dizer que será tarefa fácil. Desde a decisão do Supremo sobre o artigo 19, o lobby das empresas, alinhado ao interesse eleitoral de partidos da extrema direita, vem buscando uma solução para evitar a regulamentação da atividade das BTs. A velha aposta no dilema liberdade de expressão versus censura das redes ainda cala fundo na sociedade, mas pode não ser suficiente para barrar a nova regulamentação.

A saída encontrada pelas empresas pode estar em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do senador Rogério Marinho (PL-RN), que tramitava a passos lentos no Congresso. Apesar de não confirmada, a suspeita recai sobre a PEC 67/23, do senador Rogério Marinho, que altera o art. 220 da Constituição para garantir que "veículo de comunicação não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa." Em outubro do ano passado, a proposição recebeu uma emenda do senador Marcos Rogério (PL-RO) que ampliaria a vedação da responsabilização para as plataformas constitucionalizando o texto do artigo 19 do MCI.

De forma correlata, ainda dormitam nos escaninhos as PECs 45/22 e 48/24, ambas de parlamentares da extrema direita que alteram o artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar nas redes sociais, inclusive prevendo a autorização do Congresso para retirada de conteúdo da internet. À época, as proposições foram percebidas também como um recado aos ministros do Supremo.

Sem prejuízo ao Plano A, as BTs também podem decidir escolher algum projeto de lei menos arriscado para elas na esteira do tema da adultização para aprovação ainda este ano. Não por acaso, emendas ao PL 2628 e algumas das novas proposições têm a digital de seus lobistas. Ou seja, a ideia é tentar fatiar o debate para que não haja chance de um dos textos mais abrangentes prosperar. Mais do que isso. A intenção é garantir que a culpa pelo caos das redes sociais continue recaindo sobre os usuários e não sobre as empresas, como sempre foi enquanto vigorou o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Para elas, é preciso derrubar a tese do STF e colocar no lugar algo principiológico, anódino, mas que mantenha o salvo-conduto que desfrutavam no Brasil desde 2014.

Neste caso, como desde 2013, os conglomerados têm encontrado em partidos de oposição seus grandes aliados. Os políticos de extrema direita querem evitar a todo custo que seu território de batalha favorito chegue com amarras ao pleito do ano que vem. Por isso, serão novamente a tropa de choque do Vale do Silício. O oportunismo deverá imperar mesmo que às custas de alguns votos. Afinal, não parece simpático ser mais defensor de um alegado desrespeito à liberdade de expressão do que da incolumidade de nossas crianças e adolescentes e da soberania nacional.

Floresta digital

Por todo este cenário, esta é uma hora dos três poderes não titubearem frente a fragmentações convenientes. Indo além da defesa necessária da sanidade das próximas gerações de brasileiras e brasileiros, é hora de dizer que a floresta é maior que a árvore que mobilizou o país nas últimas semanas. As ameaças de Trump tornam muito mais difícil bancar esta estratégia, mas não há saída se quisermos encarar o problema de forma definitiva, atacando o mal pela raiz.

Na verdade, é hora de dizer o óbvio: a paralisia regulatória das redes digitais não é acidente, é projeto - e tem nome e sobrenome nos lobbies que exploram a polêmica como arma de veto permanente.

Quando cada tentativa de transparência algorítmica, responsabilização por danos ou regras de interoperabilidade vira "censura" ou "teoria da conspiração", quem vence são os intermediários que lucram com o caos. Essa indústria do bloqueio fabrica falso consenso negativo: insufla medos simétricos, captura parlamentares com "talking points" prontos, redige emendas e transforma divergências legítimas em trincheiras intransponíveis, até que nada avance.

Democracias não podem terceirizar o interesse público a consultorias de crise e departamentos de relações governamentais. É preciso retirar o poder de veto de quem vive da fricção: instituir regras claras de transparência para o exercício do lobby, sanções por desinformação comercialmente incentivada e mecanismos de deliberação que não premiem o ruído. Regulamentar é defender a liberdade de todos, não o privilégio de poucos.

No caso da agenda digital, é preciso travar o debate legislativo sobre textos mais amplos, que responsabilizem as plataformas digitais indo ao cerne do funcionamento dos seus algoritmos, onde mora seu modelo de negócios e a fonte de uma indústria baseada no impulsionamento de conteúdos e no engajamento dos usuários a qualquer custo. O presidente Lula e sua equipe, assim como o STF, parecem ter entendido como roda a engrenagem. Resta saber se o Congresso também.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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