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Política internacional
26/8/2025 18:00
A Lei Magnitsky, criada nos Estados Unidos e recentemente aplicada ao ministro Alexandre de Moraes, gerou polêmica no Brasil. Trata-se de um instrumento de política externa com efeitos práticos fortes no cenário internacional, mas que não altera, juridicamente, a vida institucional brasileira. Neste artigo, analiso as origens, os impactos e os riscos de desinformação em torno desse debate.
À frente de uma instituição pública de ensino, aprendi que nosso papel não se limita a transmitir conteúdos, mas também a incentivar o pensamento crítico diante dos acontecimentos do mundo. E quando percebo que um assunto jurídico e político ganha as ruas, mas cercado de desinformação, sinto a necessidade de intervir como educador. Foi exatamente isso que aconteceu com a Lei Magnitsky, que recentemente entrou na pauta brasileira em meio a confusões e equívocos. Uns a descrevem como uma espécie de lei global, capaz de punir qualquer autoridade ou cidadão brasileiro; outros a entendem como uma ingerência direta dos Estados Unidos na nossa soberania. Diante de tanta confusão, decidi estudar o tema e compartilhar aqui algumas reflexões que podem ajudar a colocar o debate em perspectiva.
De Moscou ao mundo: a origem da Magnitsky
A história começa em 2009, quando o advogado e auditor russo Sergei Magnitsky denunciou uma fraude bilionária de impostos envolvendo autoridades do seu próprio país. Pouco tempo depois, foi preso pelas mesmas autoridades que havia acusado e acabou morrendo na prisão em condições degradantes. Sua morte provocou comoção internacional, expondo os limites do sistema de justiça russo e a vulnerabilidade de quem ousava desafiar esquemas de corrupção de alto nível.
Foi nesse contexto que, em 2012, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a primeira versão da Magnitsky Act, voltada especificamente contra agentes russos envolvidos nesse episódio. A ideia, contudo, ganhou força: em 2016, os norte-americanos expandiram o alcance da lei, criando a Global Magnitsky Act, que autoriza sanções contra qualquer pessoa, em qualquer país, acusada de corrupção significativa ou violações graves de direitos humanos. Outros países seguiram caminho semelhante, entre eles Canadá, Reino Unido e União Europeia.
O que a lei faz, de fato
É importante deixar claro que a Lei Magnitsky não julga ninguém em tribunal internacional nem possui efeito direto em outros países. Ela dá aos Estados Unidos a possibilidade de congelar bens sob jurisdição americana, proibir a entrada no território e impedir transações financeiras feitas por cidadãos ou empresas americanas com os sancionados. Em outras palavras: trata-se de uma lei doméstica norte-americana com efeitos internacionais porque os EUA controlam parte significativa do sistema financeiro global e, sobretudo, a circulação do dólar.
Isso explica por que bancos e empresas de outros países - inclusive no Brasil - frequentemente evitam qualquer relação com quem foi sancionado. Não é que a lei os obrigue, mas o risco de perder acesso ao mercado e ao sistema bancário dos EUA acaba funcionando como um freio poderoso. O resultado é que o sancionado se vê isolado, não apenas dos EUA, mas muitas vezes também do sistema financeiro internacional.
E o Brasil nessa história?
Recentemente, o debate esquentou porque o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, foi incluído na lista Magnitsky pelo Departamento do Tesouro dos EUA. Isso gerou perplexidade e discussões acaloradas: estaria a lei americana "valendo" no Brasil? Poderia um ato estrangeiro afetar a soberania nacional?
Aqui está o ponto crucial: juridicamente, a resposta é não. No Brasil, a decisão americana não tem validade automática. Moraes continua ministro, com todas as prerrogativas do cargo. O Supremo, inclusive, já afirmou que leis ou decisões estrangeiras não se aplicam diretamente em nosso território. Ou seja, do ponto de vista estritamente jurídico, nada muda para o ministro dentro das fronteiras brasileiras.
Mas há, sim, impactos práticos. Moraes não poderá entrar nos EUA, não poderá movimentar valores que passem pelo sistema financeiro americano e ficará restrito em convites acadêmicos ou institucionais que envolvam recursos de instituições dos EUA. Além disso, bancos e empresas brasileiras que mantêm negócios internacionais podem, por cautela, limitar relações com ele para evitar riscos de sanções indiretas. Essa dimensão prática é o que faz da Lei Magnitsky um instrumento tão controverso: embora formalmente interna, seu peso econômico e político transborda fronteiras.
Um instrumento de justiça ou de poder?
A intenção declarada da Lei Magnitsky é nobre: responsabilizar corruptos e violadores de direitos humanos sem punir populações inteiras, como ocorre em embargos amplos. No entanto, não faltam críticas. Especialistas em direito internacional e organismos como a ONU alertam para o risco de abuso político, já que as designações são administrativas, com provas frequentemente sigilosas e poucas garantias de defesa. Além disso, a aplicação extraterritorial - quando a decisão de um país afeta a vida de cidadãos de outro - levanta debates sobre soberania e equilíbrio entre nações.
No caso brasileiro, a questão torna-se ainda mais delicada por envolver um ministro da mais alta corte, justamente em meio a tensões políticas internas. Se, por um lado, os EUA alegam abusos de direitos fundamentais, por outro, o Brasil enxerga ingerência externa. Nesse choque de narrativas, o debate público muitas vezes perde a sobriedade e se transforma em disputa de paixões, em vez de reflexão sobre soberania, direitos humanos e as consequências reais de tais medidas.
Conclusão: o que precisamos compreender
A Lei Magnitsky não é um fantasma jurídico pairando sobre o Brasil, nem tampouco uma espada global que substitui nossas instituições. É uma lei norte-americana, com efeitos práticos poderosos justamente pelo peso econômico e financeiro dos EUA, mas que não muda a vida institucional brasileira de forma automática.
Como educador e gestor de instituição pública, sinto que nosso desafio é não cair em simplificações. Precisamos entender que se trata de um instrumento de política externa - com aspectos legítimos e outros bastante discutíveis - e que, no caso de Alexandre de Moraes, o impacto é real no plano internacional, mas limitado no âmbito interno. A crítica, portanto, não deve ser feita com slogans fáceis, mas com atenção à complexidade que envolve direito, soberania e geopolítica.
Talvez o maior aprendizado seja este: em tempos de desinformação, debater uma lei como a Magnitsky exige mais estudo e menos paixão. Só assim conseguimos colocar cada coisa em seu devido lugar e proteger o que, afinal, deve estar acima de disputas políticas: o respeito ao Estado de Direito e à soberania nacional.
Perguntas que o leitor pode ter
A lei vale no Brasil?
Não. A Lei Magnitsky é norte-americana. Ela só tem efeito dentro dos EUA e sobre pessoas, empresas e ativos que estejam sob jurisdição americana. No Brasil, não muda absolutamente nada no plano jurídico.
Ela pode afastar alguém do cargo?
Também não. Nenhum brasileiro pode perder cargo público ou mandato por força de uma lei estrangeira. Alexandre de Moraes continua ministro do STF, com todos os poderes garantidos pela Constituição.
Quais são, então, os efeitos práticos?
Principalmente internacionais: proibição de entrada nos EUA, bloqueio de bens e contas que passem pelo sistema americano e restrições para fazer negócios com instituições ligadas aos EUA. Indiretamente, bancos e empresas no Brasil podem evitar relações para não correr riscos.
O Brasil poderia adotar algo semelhante?
Sim. Outros países já criaram suas próprias versões da Magnitsky, como Canadá, Reino Unido e União Europeia. O Brasil poderia, se houvesse decisão política e legislativa, criar uma lei nacional para sancionar estrangeiros envolvidos em violações de direitos humanos ou corrupção.
É legítimo um país aplicar sanções a cidadãos de outro?
Esse é o ponto mais polêmico. Do ponto de vista dos EUA, sim: cada país tem o direito de controlar quem entra no seu território e quem acessa seu sistema financeiro. Do ponto de vista internacional, há quem veja isso como ingerência ou uso político do poder econômico.
Leituras recomendadas
Para quem deseja se aprofundar no tema da Lei Magnitsky, das sanções internacionais e do debate sobre soberania e direitos humanos, seguem algumas obras de referência:
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].