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Urbanismo

Operação Faria Lima em Paraisópolis: quem tem direito à cidade?

Operação urbana precisa priorizar dignidade e permanência das famílias, não apenas a valorização imobiliária.

Roberto Loeb

Roberto Loeb

5/9/2025 10:00

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Na última década, São Paulo tem sido palco de intervenções urbanas ambiciosas, muitas delas impulsionadas por parcerias entre o poder público e o setor privado. A recém-anunciada operação urbana em Paraisópolis, apelidada de "Operação Faria Lima do Sul", é um desses exemplos. O nome já indica a tensão: um modelo pensado para uma elite corporativa sendo replicado em uma das maiores comunidades da cidade. O que os movimentos populares alertam, com razão, é o risco real de que esse projeto acabe privilegiando interesses imobiliários e financeiros, em vez de garantir moradia digna, permanência das famílias e participação popular efetiva. Mas, afinal, para quem se planeja a cidade?

O desafio é claro: pensar o urbanismo não como uma ação isolada, voltada apenas ao "desenvolvimento econômico" ou à valorização imobiliária, mas como política pública com responsabilidade social, que tenha como prioridade as pessoas - todas elas, e não apenas as que podem pagar mais.

Em São Paulo, a desigualdade urbana se expressa de forma concreta: enquanto bairros como Itaim Bibi ou Vila Olímpia ostentam calçadas largas, áreas verdes e infraestrutura de ponta, regiões como o Grajaú, com população superior a 98% dos municípios brasileiros, seguem sem acesso digno a transporte, saúde e saneamento. Em muitos pontos da cidade, as ruas foram desenhadas para carroças e hoje suportam ônibus lotados. Enquanto isso, espaços valorizados recebem obras milionárias. Qual é, afinal, o plano?

A Operação Paraisópolis não pode ser pensada como um "pacote de investimentos" que transforma espaços da cidade em vitrines. É fundamental enxergá-la como parte de um planejamento urbano integrado - e mais importante, participativo. Sem um plano diretor claro, com metas e compromissos com o todo da cidade, há o risco (ou a certeza) de que as melhorias se concentrem onde já existe infraestrutura, reforçando um modelo de cidade excludente. Essa concentração, inclusive, é um ponto central da crítica dos movimentos, que denunciam a exclusão sistemática das populações vulneráveis no planejamento urbano e a perpetuação da segregação territorial.

Nesse contexto, a participação popular precisa ser reforçada não apenas como um ideal democrático, mas como uma ferramenta indispensável para evitar remoções forçadas e garantir que os projetos respondam às reais necessidades das comunidades. O histórico paulistano mostra que, apesar das promessas legais de habitação social, a entrega dessas moradias é frequentemente insuficiente. Há, portanto, uma preocupação legítima com deslocamentos compulsórios, muitas vezes feitos sem garantias adequadas de reassentamento ou permanência digna no território.

Operação em Paraisópolis expõe disputa sobre quem planeja São Paulo.

Operação em Paraisópolis expõe disputa sobre quem planeja São Paulo.Rovena Rosa/Agência Brasil

É nesse sentido que experiências recentes oferecem lições importantes. A construção da UBS no Grajaú, realizada em 2020, por exemplo, é fruto de uma parceria entre a prefeitura e o Instituto Anchieta Grajaú, organização privada sem fins lucrativos, que cedeu um terreno de três mil metros quadrados para a obra. O resultado? A maior Unidade Básica de Saúde de São Paulo, com projeto arquitetônico que valoriza iluminação e ventilação naturais, além de espaço odontológico e atendimento humanizado. Um avanço real, com impacto direto na vida das pessoas.

Na mesma região, outras medidas demonstram que é possível pensar em soluções transitórias e emergenciais para comunidades que ainda esperam por urbanização completa. Enquanto a burocracia corre - e ela corre devagar -, é essencial oferecer estruturas provisórias: caixas dágua públicas, banheiros, coleta de lixo. Essas intervenções de transição entre o público e o privado, entre o informal e o formal, são fundamentais para garantir dignidade enquanto o Estado se organiza. O problema é que, muitas vezes, o próprio Estado não reconhece essa etapa como legítima, forçando famílias a improvisarem suas próprias soluções precárias.

Outro exemplo simbólico é o Parque da Cidadania, em Heliópolis. Ausente de espaços verdes, locais de lazer e esporte, a maior comunidade de São Paulo veria, nas obras no terreno de 78 mil metros quadrados, uma nova oportunidade. O projeto, praticamente concluído e com entrega prevista para 2022, foi abandonado por três anos após uma troca de governo - mais uma decepção para uma comunidade que lutou por ele. Agora, com sua retomada há cerca de 30 dias, mostra-se o poder do envolvimento comunitário quando ele encontra respaldo institucional. Quando prefeitura e população caminham juntas, a cidade avança.

É preciso romper com o ciclo de intervenções em "ilhas", como o que ocorreu no Largo da Batata - revitalizado, mas em uma região já privilegiada. Essas obras pontuais, desconectadas de um plano diretor com abrangência social e territorial maior, ilustram justamente o modelo criticado por movimentos sociais e especialistas. A prioridade deveria ser clara: áreas mais vulneráveis, mais populosas e com menos áreas verdes. O Parque Linear Tiquatira, o maior da América Latina, é um desses orgulhos urbanos esquecidos. Foi construído pouco a pouco, a partir da mobilização de um morador - Hélio da Silva - que, sem esperar pelas engrenagens lentas do Estado, deu o primeiro passo, chegando ao plantio de mais de 40 mil árvores.

A cidade precisa de planos, mas também de coragem para escutar quem vive nela. A Operação Paraisópolis não deve ser mais uma ação que "vende" a cidade a grupos empresariais com poder de decidir sozinhos o destino do urbanismo paulistano. Urbanismo não é produto financeiro, é política pública - e como tal, deve ser construída com a população, para a população.

O futuro de São Paulo será definido não apenas pelas obras que se entregam, mas pelo modo como se decide onde, quando e para quem essas obras acontecem. Ou enfrentamos de frente a pergunta "quem tem direito à cidade?", ou seguiremos consolidando uma São Paulo dividida - entre a Faria Lima e o que sobra ao restante da cidade.


O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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Paraisópolis arquitetura urbanismo São Paulo
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