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Urbanismo
5/9/2025 10:00
Na última década, São Paulo tem sido palco de intervenções urbanas ambiciosas, muitas delas impulsionadas por parcerias entre o poder público e o setor privado. A recém-anunciada operação urbana em Paraisópolis, apelidada de "Operação Faria Lima do Sul", é um desses exemplos. O nome já indica a tensão: um modelo pensado para uma elite corporativa sendo replicado em uma das maiores comunidades da cidade. O que os movimentos populares alertam, com razão, é o risco real de que esse projeto acabe privilegiando interesses imobiliários e financeiros, em vez de garantir moradia digna, permanência das famílias e participação popular efetiva. Mas, afinal, para quem se planeja a cidade?
O desafio é claro: pensar o urbanismo não como uma ação isolada, voltada apenas ao "desenvolvimento econômico" ou à valorização imobiliária, mas como política pública com responsabilidade social, que tenha como prioridade as pessoas - todas elas, e não apenas as que podem pagar mais.
Em São Paulo, a desigualdade urbana se expressa de forma concreta: enquanto bairros como Itaim Bibi ou Vila Olímpia ostentam calçadas largas, áreas verdes e infraestrutura de ponta, regiões como o Grajaú, com população superior a 98% dos municípios brasileiros, seguem sem acesso digno a transporte, saúde e saneamento. Em muitos pontos da cidade, as ruas foram desenhadas para carroças e hoje suportam ônibus lotados. Enquanto isso, espaços valorizados recebem obras milionárias. Qual é, afinal, o plano?
A Operação Paraisópolis não pode ser pensada como um "pacote de investimentos" que transforma espaços da cidade em vitrines. É fundamental enxergá-la como parte de um planejamento urbano integrado - e mais importante, participativo. Sem um plano diretor claro, com metas e compromissos com o todo da cidade, há o risco (ou a certeza) de que as melhorias se concentrem onde já existe infraestrutura, reforçando um modelo de cidade excludente. Essa concentração, inclusive, é um ponto central da crítica dos movimentos, que denunciam a exclusão sistemática das populações vulneráveis no planejamento urbano e a perpetuação da segregação territorial.
Nesse contexto, a participação popular precisa ser reforçada não apenas como um ideal democrático, mas como uma ferramenta indispensável para evitar remoções forçadas e garantir que os projetos respondam às reais necessidades das comunidades. O histórico paulistano mostra que, apesar das promessas legais de habitação social, a entrega dessas moradias é frequentemente insuficiente. Há, portanto, uma preocupação legítima com deslocamentos compulsórios, muitas vezes feitos sem garantias adequadas de reassentamento ou permanência digna no território.
É nesse sentido que experiências recentes oferecem lições importantes. A construção da UBS no Grajaú, realizada em 2020, por exemplo, é fruto de uma parceria entre a prefeitura e o Instituto Anchieta Grajaú, organização privada sem fins lucrativos, que cedeu um terreno de três mil metros quadrados para a obra. O resultado? A maior Unidade Básica de Saúde de São Paulo, com projeto arquitetônico que valoriza iluminação e ventilação naturais, além de espaço odontológico e atendimento humanizado. Um avanço real, com impacto direto na vida das pessoas.
Na mesma região, outras medidas demonstram que é possível pensar em soluções transitórias e emergenciais para comunidades que ainda esperam por urbanização completa. Enquanto a burocracia corre - e ela corre devagar -, é essencial oferecer estruturas provisórias: caixas dágua públicas, banheiros, coleta de lixo. Essas intervenções de transição entre o público e o privado, entre o informal e o formal, são fundamentais para garantir dignidade enquanto o Estado se organiza. O problema é que, muitas vezes, o próprio Estado não reconhece essa etapa como legítima, forçando famílias a improvisarem suas próprias soluções precárias.
Outro exemplo simbólico é o Parque da Cidadania, em Heliópolis. Ausente de espaços verdes, locais de lazer e esporte, a maior comunidade de São Paulo veria, nas obras no terreno de 78 mil metros quadrados, uma nova oportunidade. O projeto, praticamente concluído e com entrega prevista para 2022, foi abandonado por três anos após uma troca de governo - mais uma decepção para uma comunidade que lutou por ele. Agora, com sua retomada há cerca de 30 dias, mostra-se o poder do envolvimento comunitário quando ele encontra respaldo institucional. Quando prefeitura e população caminham juntas, a cidade avança.
É preciso romper com o ciclo de intervenções em "ilhas", como o que ocorreu no Largo da Batata - revitalizado, mas em uma região já privilegiada. Essas obras pontuais, desconectadas de um plano diretor com abrangência social e territorial maior, ilustram justamente o modelo criticado por movimentos sociais e especialistas. A prioridade deveria ser clara: áreas mais vulneráveis, mais populosas e com menos áreas verdes. O Parque Linear Tiquatira, o maior da América Latina, é um desses orgulhos urbanos esquecidos. Foi construído pouco a pouco, a partir da mobilização de um morador - Hélio da Silva - que, sem esperar pelas engrenagens lentas do Estado, deu o primeiro passo, chegando ao plantio de mais de 40 mil árvores.
A cidade precisa de planos, mas também de coragem para escutar quem vive nela. A Operação Paraisópolis não deve ser mais uma ação que "vende" a cidade a grupos empresariais com poder de decidir sozinhos o destino do urbanismo paulistano. Urbanismo não é produto financeiro, é política pública - e como tal, deve ser construída com a população, para a população.
O futuro de São Paulo será definido não apenas pelas obras que se entregam, mas pelo modo como se decide onde, quando e para quem essas obras acontecem. Ou enfrentamos de frente a pergunta "quem tem direito à cidade?", ou seguiremos consolidando uma São Paulo dividida - entre a Faria Lima e o que sobra ao restante da cidade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].